É, à partida, sempre muito difícil confessar que se foi infiel a um parceiro, sobretudo se for alguém de quem ainda se gosta, mas são ainda menos as pessoas que admitem que continuaram a amar o marido ou companheiro, mesmo sabendo que ele estava a ter ou tinha tido um caso amoroso. Uma traição deveria ser, então, o segredo mais bem guardado de sempre? Antes da internet e das redes sociais, talvez fosse simples esconder uma quebra do compromisso de fidelidade assumido.

Para isso, bastava deitar fora os recibos de jantares, estadias em hotéis e viagens e limpando os borrões de batom e arejando a roupa para não ficar com o perfume de uma qualquer fragrância. Porém, atualmente, as novas tecnologias não permitem que as facadas no matrimónio sejam encobertas por muito tempo, funcionando simultaneamente como rastilho e prova. "Cada vez mais casais se divorciam por causa das redes sociais", refere Telma Pinto Loureiro.

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"Portanto, o que sucede é que o número de infidelidades é maior ou tornou-se mais fácil detetar sinais e aceder a conteúdos inerentes às traições", sublinha a psicóloga clínica e terapeuta de casais. O primeiro confronto com essa realidade é o que doi mais. Ainda assim, a especialista diz que "a maioria dos casais não se separa depois de uma infidelidade". A reconciliação é possível, resta saber como e se a sociedade está preparada para aceitá-la. Mas, afinal, por que traímos? São diversas as razões que levam alguém a quebrar um compromisso de fidelidade. No entanto, Dylan Selterman, Justin R. Garcia e Irene Tsapelas, investigadores de três instituições de ensino superior americanas, descobriram que o motivo mais comum é a insegurança.

A baixa autoestima é uma das causas individuais. As dúvidas quanto aos sentimentos do parceiro, por pensarem que o seu amor não é correspondido, é outra. A continuidade do relacionamento, por considerarem que os laços que os unem não são suficientemente fortes para justificar um compromisso de exclusividade sexual, é uma terceira. Para chegarem a esta conclusão, os investigadores analisaram as respostas dadas por 495 pessoas num inquérito online.

Outras razões reveladas no estudo "Motivations for extradyadic infidelity revisited", publicado na revista científica The Journal of Sex Research, incluem uma vontade espontânea de ter sexo, o desejo de mais parceiros sexuais, as oportunidades que se vão apresentando (geralmente sob o efeito de bebidas alcoólicas) e a vingança, uma reação provocada por algo que o parceiro fez. Telma Pinto Loureiro acrescenta que, "muitas vezes, as pessoas traem por causa daquilo que a infidelidade lhes dá".

O que constitui uma infidelidade?

Muitos traem com uma razão específica. "Fazem-no pela valorização pessoal, pela atenção, pela comunicação e por uma série de coisas que criam um nível de dependência muito grande", sublinha a psicóloga clínica e terapeuta de casais portuguesa. Se recuarmos 50 anos, provavelmente só era considerada traição quando um dos elementos do casal tinha relações sexuais com uma ou mais pessoas fora do casamento e sem o conhecimento e/ou a autorização do cônjuge.

Agora, com a internet, as redes sociais e a proliferação de aplicações de engate, as coisas complicaram-se. Numa conferência TED intitulada "Rethinking infidelity", em 2015, Esther Perel, terapeuta de casais e autora do livro "The state of affairs", alertou para o facto de a definição de infidelidade "continuar a expandir-se" nos tempos que correm, através de "sexo por SMS, da visualização pornografia e da manutenção de perfis ativos nos sites de encontros", sublinha mesmo a autora.

Será traição namoriscar, conversar, trocar mensagens sugestivas ou o enviar fotografias e mesmo vídeos com um conteúdo erótico? Deverão ser interpretados como sinais de alerta os comentários a publicações de outras mulheres? Telma Pinto Loureiro fala em "dois tipos de infidelidade, a emocional e a física", para responder à pergunta. Porém, a especialista nota que é importante distinguir entre atração física e uma transgressão. "Uma infidelidade é uma escolha", refere.

"A partir do momento em que desenvolvemos o lado mais libidinal de uma atração já entramos num mundo que pode ser da traição", afirma ainda. Na sua opinião, não é preciso chegar a ter relações sexuais com alguém fora do relacionamento amoroso para se poder considerar uma traição. "Há pessoas que criam verdadeiros mundos paralelos à relação que têm. Fisicamente, estão presentes, mas emocionalmente e psicologicamente, estão ausentes", explica a psicóloga clínica.

Poderá haver reconciliação depois de uma infidelidade?

Uma vez descoberta a infidelidade, o parceiro traído tem que tomar uma decisão. Perdoar ou colocar um ponto final na relação. Se ainda nutrir sentimentos pelo companheiro, pode haver lugar a incerteza e isso leva à partilha do seu sofrimento com amigos e familiares para saber o que deve fazer naquela situação. Contudo, por não quererem vê-la magoada, esses grupos normalmente defendem soluções de rutura. Afinal, para que serve o divórcio se não é para punir os infiéis?

"Hoje, a nova vergonha é escolher ficar quando podemos sair", declarou publicamente Esther Perel na conferência TED que proferiu em 2015. Quando não há reconciliação possível, Telma Pinto Loureiro frisa que é porque "a relação já estava fragilizada". Todavia, na sua prática clínica, assim que os casais "colocam tudo na balança, o prato negativo não pesa tanto, as coisas não são assim tão más, mesmo depois de uma infidelidade", acrescenta ainda a psicóloga clínica e terapeuta de casais.

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No entanto, o processo de recuperação é ou tende por norma a ser, em grande parte dos casos, dificultado pela quebra na confiança que abala a relação. Por isso é que Telma Pinto Loureiro sublinha a importância de ambos os elementos trabalharem o significado da traição. "O casal deve tentar perceber o que está subjacente", aconselha. A especialista fornece mesmo um exemplo. "Imaginemos que um elemento do casal trai porque o outro não lhe dava atenção nem suporte emocional, a nível sexual as coisas também não corriam bem, era uma relação muito funcional, assente nas coisas práticas do dia a dia. Talvez haja maior compreensão da parte da pessoa que é traída se ela perceber que havia falhas na relação", refere a psicóloga clínica e terapeuta de casais.

"É mais difícil restaurar a confiança quando um dos elementos trai por motivos individuais, relacionados com padrões familiares e aspetos da personalidade", afirma ainda Telma Pinto Loureiro. A reconciliação leva tempo e exige dedicação de ambas as partes e, acima de tudo, no ponto de vista da psicóloga clínica, as pessoas têm que saber "o que querem e o que não querem". "A definição de caso extraconjugal tem três elementos-chave", acrescenta ainda Esther Perel, terapeuta de casais.

"Para além de uma relação secreta, há uma ligação emocional e uma alquimia sexual, porque o frisson erótico é tal que o beijo que apenas imaginam dar pode ser tão poderoso quanto horas de relações sexuais", defende a especialista. O estudo "I swear I will never betray you", publicado, em julho de 2017, na revista científica The Journal of Sex Research, revelou os fatores que ajudam a prevenir uma infidelidade. Ser mulher, bastante religiosa e casada há pouco tempo é um fator de risco adicional.

"Os valores morais e fontes de ansiedade, como ficar sozinha, são impedidores mais eficazes do que as preocupações com os potenciais efeitos nos filhos ou no parceiro", referem os autores da investigação. Para chegarem a esta conclusão, os investigadores israelitas contaram com as respostas de 423 participantes. Um outro estudo, apresentado no Chipre, no final de 2019 defende que os parceiros com uma mentalidade mais aberta tendem a perdoar mais facilmente uma traição amorosa.