
Com uma carreira que começou em 2010, ainda antes de o termo “influenciadora digital” ter peso no mercado, Camila Coelho construiu, passo a passo, uma das trajectórias mais sólidas no cruzamento entre moda, beleza e empreendedorismo. Sem formação académica, mas com uma visão estratégica e uma ligação autêntica ao público, enfrentou o preconceito de uma indústria que a via “apenas” como uma criadora de conteúdos. Hoje, com a sua própria marca de maquilhagem — Elaluz — e uma linha de moda, a Camila Coelho Collection, é presença habitual nos grandes desfiles internacionais, nas capas de revista e, em 2019, fez história ao brilhar pela primeira vez na passadeira vermelha da Met Gala.
Nesta entrevista reflete sobre o caminho percorrido, os desafios de manter duas marcas num mercado saturado, a importância da comunidade digital e a forma como as redes sociais e a tecnologia — da IA ao e-commerce — estão a reconfigurar o futuro do setor.
Começaste a tua carreira em 2010 com os vídeos no YouTube, depois também com o teu blog, o Super Vaidosa. Sentes que, por teres começado como influenciadora digital, tiveste de trabalhar o dobro para te afirmares como empresária?
Sim. Com certeza. Foram anos ali, construindo uma imagem mesmo, uma marca, que é o meu nome. Trabalhando com outras marcas, até descobrindo o mercado, que nem existia. Então foi um grande desafio, os primeiros anos. Até descobrir o que eu poderia cobrar de uma marca que vinha me oferecer trabalho, eu não sabia! Entrei para uma agência, os primeiros dois, três anos foram de aprendizado e depois realmente construir essa marca, que é o meu nome.
E quando eu falo “construir a marca”, é eu trabalhando com outras marcas, para depois pensar na minha. O facto também de não ter ido para faculdade – nunca fiz faculdade porque acabei entrando no meio da beleza antes – isso tudo também me deixava um pouco: "Nossa, será que eu vou conseguir?"
Com muito trabalho, estratégia também – estratégia fez muita parte, é fundamental – eu consegui. Me deu muito medo: antes de construir uma marca, eu tive muito medo. Não sabia se as pessoas iam amar, mas, ao mesmo tempo, sabia que tinha uma comunidade muito engajada, muito conectada comigo. Então isso me dava força também. E quando lancei, foi a prova de que estava no caminho certo. As pessoas amam ver mulheres usando a minha marca – seja roupa ou maquilhagem – mundo fora. É incrível. Então isso me traz muita felicidade. Trabalho duro paga.
Nessa transição do mundo da beleza para a moda, que obstáculos é que sentiste? Algum estigma ou preconceito, apesar de ser uma área muito dominada por mulheres?
Senti muito estigma, na época. Lembro que algumas pessoas falavam: “Não, você é da maquilhagem, você nunca vai conseguir ser respeitada na moda.” Já escutei exatamente isso. E doía. Ao mesmo tempo, me dava força. Eu falava: “Não, eu vou provar que consigo.” E foi bem isso. Aos poucos, passinhos pequenos, decisões certas... fui chegando. Fui uma das primeiras influenciadoras a sentar na primeira fila em desfiles em Paris, por exemplo. Então, consegui.
Qual foi o momento de viragem em que sentiste que te tornaste numa magnata da beleza?
Foi natural. Tive vários momentos em que senti isso. Lembro o primeiro desfile em Paris. Quando comecei, trabalhava num beauty counter da Dior. E aí, três anos depois de ter começado o canal, estava sentada na primeira fila do desfile da Dior em Paris. Então “Uau, que momento!”. Depois veio a capa de revista. Era muito novo ainda, a indústria, para ser capa de revista. Depois disso vieram colaborações, contratos com marcas internacionais. E aí veio o Met Gala que foi um supermomento para mim. Acho que fui uma das primeiras influenciadoras ali. Com certeza, a primeira influenciadora brasileira a ir ao Met Gala, em 2019. Consegui ser a primeira em várias coisas. O que não me faz mais importante, mas que para mim era surreal. Depois criar as marcas e conseguir consolidá-las.
Então foram vários momentos. E eu continuo me beliscando até hoje! Acho bom isso também: ainda sentir vontade de fazer mais, de celebrar conquistas. Porque são 15 anos fazendo, mais ou menos, a mesma coisa. Eu poderia estar assim: “Ah, ok, está bom”. Mas ainda sinto uma felicidade grande quando conquisto coisas novas.
Até que ponto a era das redes sociais e toda a experiência que acumulaste foram importantes para a construção das tuas marcas? O que teria acontecido se as tivesses lançado logo no início?
Eu acho que foi muito bom ter esperado, porque ao longo dos anos, trabalhando com tantas marcas, primeiro ganhei experiência. Inclusive, como falei da Lancôme, eu criei produto junto com eles, fiz colaborações de roupa com outras marcas. Então ganhei muita experiência.
Mas nesse tempo todo, também estava ali criando mais conexão e mais confiança com os meus seguidores, com a minha comunidade. Isso fortaleceu muito.
Eu poderia ter feito um pouquinho antes, sim — depois de uns seis anos, acho que poderia. Mas antes disso, não. A indústria ainda era muito nova, e ainda estava a me provar. Não estava pronta para fazer uma marca. Mas, depois de 2016, já poderia ter lançado. Vamos dizer, em 2018. Mas 2020 foi ótimo.
Quais são os principais desafios de ter não só uma marca de moda, mas também uma marca de beleza?
Eu acho que o de beleza, para mim, é a logística de criar um produto, é muito gigante. Você fica ali um ano, um ano e meio para criar um produto. Pensar na fórmula, na embalagem, tudo é uma burocracia muito maior. Roupa é mais fácil, mais ágil, mais rápido. Com a beleza, o meu desafio é esse: quando o produto é lançado, eu já estou cansada de olhar para ele, porque demorou tanto. Mas, ao mesmo tempo, é um produto que pode viver a vida inteira. E a roupa, não, passa rápido. Então é o contrário um do outro.
Há muita coisa em que nós, enquanto consumidores, nem sequer pensamos: o packaging, a embalagem, o design. Até a escolha das cores.
E aí, se você está pensando no meio ambiente, tem toda uma logística. Então é mais desafiador.
Tendo em conta o teu percurso como influenciadora e o impacto que têm hoje nas marcas — e agora que és empresária —, consideras que as influenciadoras são um aliado estratégico essencial para o sucesso da Elaluz e da Camila Coelho Collection?
Com certeza! Eu acho que fiz parte da história de muitas marcas. Sempre gostei, como influenciadora e como pessoa, de apoiar marcas pequenas. Então vi muitas marcas crescendo depois de talvez eu apoiar até organicamente. E com as minhas marcas sinto a mesma coisa. Quando vejo tantas meninas influenciadoras incríveis usando organicamente, postando a marca, isso faz a minha crescer. Traz empoderamento, traz visibilidade. E sou muito grata.
Há tantas meninas que querem ligar o seu nome à minha marca e a gente tem uma estratégia também. Se vai trabalhar com alguém, é com quem já gosta da marca, que usa organicamente. Para ser tudo muito orgânico. E isso é um aprendizado que eu tive trabalhando com outras marcas. Às vezes até eu fazia estrategicamente: usava produtos e começava a mostrar porque amava tanto aquela marca e queria que ela me visse. E funcionava.
Então, muita gente faz isso também com a Elaluz e a Camila Coelho Collection — e a gente nota. Essas são as parcerias mais legais, mais orgânicas e de mais sucesso também.
É fácil aliar autenticidade e criatividade com as decisões estratégicas e comerciais que uma marca exige para se manter relevante?
Sim, é possível. Mas tem de ter estratégia sempre presente. Se você não tem estratégia, só faz barulho, coloca conteúdo ali, mas não tem resultado. Como falei, eu, como influenciadora, tenho uma estratégia: tem marcas com as quais trabalho porque vão me dar um bom dinheiro e gosto da marca. Outras, porque vão ser ótimas para minha a imagem. Mas sempre marcas de que gosto. E para a marca que trabalha com influenciador é a mesma coisa: ela tem de ter clareza de estratégia. O que quero com essa influenciadora específica? Às vezes não é pegar a influenciadora gigante com 10 milhões de seguidores, é pegar uma menor, que tem um nicho de pessoas que vai comprar aquele produto. Se é contar uma história, como falei na palestra, então a marca tem de ter isso muito claro: “Quem preciso para alcançar o que desejo?”. E nenhum influenciador vai te dar o mesmo resultado, sempre vai ser diferente. Não adianta a marca querer comparar: “Quero que faça como aquela pessoa fez, para dar o mesmo resultado.” Nunca vai ser igual.
Acho que é ouvir muito o que o influenciador tem a dizer sobre a comunidade dele. Se os nossos seguidores não acreditam na forma como estamos comunicando, se o briefing é muito fechado, não vende.
Tendo em conta que a moda e a beleza são áreas super competitivas, qual é a tua principal preocupação ao pensares em novos lançamentos e de que forma é que consegues destacar-te da concorrência?
Hoje em dia o mercado é muito saturado, realmente. Mas sinto que essa pesquisa que faço com os meus seguidores — que já fazia lá atrás — é fundamental. É estar sempre perguntando, lendo comentários. As pessoas estão sempre deixando ali: “Ai, você podia fazer um batom tal” ou “queria muito uma roupa assim”. Então, é escutar muito a sua comunidade, aquelas pessoas que já estão ali de olho na sua marca. Essa é a melhor estratégia, como marca e como pessoa — já que eu tenho as duas plataformas —, é estar sempre de olho.
E, quando eu tenho uma dúvida — se quero lançar um produto novo —, eu pergunto: “Vocês preferem bronzer em pó ou cremoso?”. E aí eu já meio que tenho a resposta. Então uso muito a ajuda da minha comunidade para criar produtos.
Consideras que o facto de teres a Camila Coelho Collection disponível no e-commerce da Revolve foi essencial para a expansão e consolidação da tua marca?
Sim, com certeza. A Revolve é um parceiro muito antigo nosso, uma marca com a qual já trabalhava antes só como influenciadora, e que virou família para a gente. Ter a marca com eles — que é um dos retailers online número um hoje — é incrível. Hoje, as pessoas falam: “Eu entro na Revolve já procurando a sua marca. É a minha favorita dentro da plataforma.” Isso me deixa muito feliz.
Lembro que, quando engravidei, pensei: “Nossa, não vai vender roupa. Vou ficar grávida, barriguda, ter filho… não vou estar usando a roupa, não vai vender.” E continuou vendendo muito bem. Isso prova que temos uma consumidora fiel, que sempre volta ao site, volta à marca para procurar produtos. A nossa história com a Revolve é muito legal.
Quais as principais lições que aprendeste durante a construção deste teu império? Houve algum conselho que te deram e que ainda te acompanha?
Muita coisa. Mas acho que aprender a dizer “não” foi muito importante pra mim. Falei muito disso na palestra. O momento em que você consegue dizer “não” e se sente feliz com isso, confortável, com confiança… muda tudo. É muito empoderador! E outra coisa: manter-se sempre fiel ao que você é, aos seus valores, aos seus princípios. E nunca deixar que nada quebre isso.
Como é que vês o futuro do mercado da beleza e da moda nos próximos anos? De que forma é que o setor se pode revolucionar?
A gente está num momento muito sensível agora, eu sinto, principalmente com a moda. Mas acho que, com as redes sociais — que só vão crescer de formas diferentes —, e com a inteligência artificial hoje, a forma de vender moda e beleza vai mudar muito com a tecnologia. É um pouco assustador, na verdade. O meu marido adora tecnologia, eu já acho um pouco assustador. Tento não ficar imaginando muito o futuro, muito longe, justamente por causa disso.
Mas é incrível a forma como a gente consegue usar a tecnologia hoje para fazer tantas coisas. Acho que muita coisa vai mudar, sim. Mas não vejo beleza e moda enfraquecendo. São mercados muito fortes, muito poderosos.
Tendo os teus negócios centrados no e-commerce, não sentes falta de um espaço físico? Isso faz parte dos teus planos?
Sim, tem muita gente que pede e eu entendo isso também. Tenho vontade de fazer pop-ups, que a gente nunca fez. Então isso é uma meta nossa para os próximos anos.
Que áreas gostarias de explorar além da moda? Tens planos nesse sentido?
Falei sobre cooking, porque é algo que me traz muita felicidade. Mesmo que fosse um programa na televisão ou até no Instagram, cozinhando, eu ia ficar muito feliz. E acho que as pessoas poderiam gostar também: de ver o que eu como, de ver o que gosto de fazer.
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