Começaste em 2015 com o blog Double Trouble, com a tua amiga Eduarda Gomes, mas acabaste por crescer a nível individual através das redes sociais, que foram o grande impulsionador da tua carreira. Algum dia pensaste que te ias tornar numa das maiores referências do digital em Portugal?

Não, nunca. Aliás, era um hobby meu. Era enfermeira a tempo inteiro, mas sempre gostei muito de moda e sempre me vesti de uma forma um bocadinho mais arrojada. Tinha muitos amigos a dizerem-me 'Tens de criar um blog até que uma delas me desafiou a fazê-lo. E, quando o criámos, nunca achei que ia ser o sucesso que foi. Quando criei o Instagram, muito menos ainda. Eu publicava de madrugada, porque não tinha noção de nada, algo que hoje em dia era impensável. Por isso, não. Nunca achei que ia mudar a minha vida, e a verdade é que transformou totalmente não só a minha, mas a do meu marido e a de mais pessoas.

Nunca achei que [o Instagram] ia mudar a minha vida

Tendo em conta que atualmente trabalhas com o teu marido, qual é a parte mais desafiante e mais recompensadora dessa dinâmica? É fácil separar o lado pessoal do lado profissional?

Tem os seus desafios. O Pedro era auditor financeiro e ficava a trabalhar até altas horas. Às vezes íamos para a cama, eu deitava-me e ele continuava no computador. Agora temos mais tempo para estar os dois, como conseguimos gerir bem o negócio quando estamos a trabalhar e quando não estamos fora, acho que conseguimos uma gestão de tempo mais otimizada. Honestamente acho que a relação acabou por melhorar, apesar de estarmos todos os dias juntos.

Em 2018, trocaste a enfermagem pelo mundo digital. O que mais te assustou ao deixares uma profissão nobre para te dedicares a uma profissão da era moderna?

Nem era só por ser da era moderna, era o 'vai durar até quando?'. Eu tinha um contrato sem termo, portanto teria emprego sempre garantido, e foi um risco muito grande. Já pagava as minhas contas, a minha casa, o meu carro, portanto não queres nunca voltar atrás nisto. Foi realmente uma decisão arriscada, mas, na altura em que a tomei, não foi à maluca. Eu já faturava mais no digital do que como enfermeira, e foi aí que decidi tomar essa decisão. E o Pedro continuou a trabalhar como auditor financeiro durante um ano, só depois é que trocou.

Devido ao estigma que ainda existe em torno desta profissão, em algum momento sentiste vergonha em dizer que eras influenciadora?

Nunca tive isso, mas porque as pessoas que me rodearam sempre foram muito queridas comigo. Mesmo os meus amigos, não julgavam tanto. Acho que sempre me ajudaram e sempre aplaudiram. Por isso eu não sentia vergonha de o dizer, nem sinto hoje. Mas o meu maior medo era, realmente, não saber qual seria o futuro da profissão de influencenciadora. Lembro-me da minha avó perguntar-me 'Tens a certeza que estás bem? Tens dinheiro para comer, está tudo bem?' Era essa a minha preocupação, mais do que a opinião dos outros. Nunca dei tanta importância a isso, senão não me vestiria de forma tão ousada ou diferente.

[Um bom conteúdo de moda] É um conteúdo que me chama a atenção, mas que também me traz alguma informação

Uma das coisas que acabou por te diferenciar desde o início foi o facto de teres estabelecido muitas parcerias com marcas portuguesas. Promover o design nacional é uma das tuas principais missões enquanto influencenciadora?

Sim, até porque tenho uma marca portuguesa, a Caio, e sei os desafios que enfrento todos os dias. Ainda bem que o fiz desde o início. É de facto algo de que me orgulho e que tento manter ao máximo na minha comunicação, promover marcas portuguesas, porque acho que realmente temos um trabalho incrível, produção muito boa, qualidade. E às vezes isso não chega às pessoas como deveria. Então o nosso papel é muito esse.

 Ao longo dos anos já estabeleceste diversas parcerias para a criação de coleções cápsula. Como é que escolhes as marcas com quem decides colaborar e o que mais valorizas na altura de estabelecer uma parceria deste género?

Têm que estar muito alinhadas com a minha forma de comunicar, com os meus valores e com quem eu sou. Têm de me permitir ser livre na criação, dentro de alguns limites, mas, essencialmente, que comuniquemos de forma igual, que estejamos alinhados na maneira como queremos que o produto chegue ao consumidor final e como ele vai ser comunicado. Se não for autêntico, as pessoas acabam por perceber e depois não é bom nem para a marca, nem para mim.

Ontem a Camila Coelho falou muito nisso, que já disse muitos 'nãos' e que dizer 'não' é um superpoder.

Não o temos no início. Vamos adquirindo. [Risos] É um superpoder que se vai adquirindo, mas que é essencial.

De que forma é que as marcas têm evoluído na maneira de trabalhar com influenciadores nos últimos anos?

Infelizmente, há algo que eu gostava que voltasse atrás. Por exemplo, quando trabalhamos com uma marca temos um briefing, e eu gostava de ser mais livre, muitas das vezes. Acho que acabámos por ser penalizados por algo no passado que não correu tão bem, então as coisas hoje em dia têm de ser muito mais conversadas e muito mais dialogadas para que sejam mais à nossa maneira. Mas acho que houve uma evolução porque já somos vistos com outro valor, que no início não éramos. Eu não era paga por muitas das campanhas que fazia. Hoje em dia, acho que isso já está bem estabelecido: temos agências, as coisas estão mais regularizadas, quando é publicidade temos de identificar como tal. Portanto houve uma evolução muito grande desde que comecei.

Às vezes, não sei por que faço aquela conjugação ou por que vou buscar aquela peça, mas isto surge no meu cérebro de forma natural

Na tua opinião, o que define um bom conteúdo de moda?

É um conteúdo que me chama a atenção, mas que também me traz alguma informação. Que não seja algo muito fugaz, rápido e subtil. Gosto que me cative, não só pela conjugação que pode ser ousada, mas pela explicação do porquê. Às vezes eu tentava fazer isso com o explain the look [explicar o look], porque nós construímos o look, na nossa cabeça faz sentido, mas para as pessoas não. Ou seja, tem de ser um bocadinho mais completo do que apenas visual.

Quem consome moda através do digital acaba por, inevitavelmente, ver as mesmas poses, as mesmas tendências e os mesmos cenários. Quais as tuas estratégias para contrariares essas tendências e te destacares num mundo tão competitivo como este?

Hás-de reparar que eu não faço muito as tendências. Quase que pareço a ovelha velha que não se quer adaptar às novas tecnologias, mas não é isso. Custa-me quando tudo é igual quando acho que temos de ter esse fator de diferenciação, senão deixamos de ser trendsetters, deixamos de liderar. Temos de ser visionários, temos de arriscar. No meu conteúdo, tento isso ao máximo. Penso sempre no que a minha audiência quer, mas também no que que faz sentido para mim. Porque às vezes, o que acontece, é que isto fica perdido e se só trabalhamos para o que o público quer. Claro que os números e as visualizações vão aumentar muito quando fazes o que é viral, mas depois não tem a ver com a tua identidade, nem com a tua forma de estar, nem com a tua forma de ver a vida. Então eu tento fazer um equilíbrio entre estes dois mundos e conseguir agradar tanto a quem me segue como ser fiel a mim mesma.

Apesar de não terem o mesmo poder de alcance do que as grandes marcas ou as revistas de moda, consideras que os influencenciadores, de uma forma muito própria, também podem ser trendsetters?

Eu acho que sim. Reinterpretamos, ousamos e temos mais espaço. Não somos tão julgados, não é tão difícil, por isso, sem dúvida que sim.

Tens uma estética muito própria. Investes muito tempo na construção dos teus looks?

Não. Acho que é realmente algo muito natural em mim. Eu já tive esta conversa com algumas pessoas e, às vezes, não sei por que faço aquela conjugação ou por que vou buscar aquela peça, mas isto surge de forma natural. Não é tão pensado. Claro que há muita inspiração, consumo muita coisa e isso também ajuda, mas não há nenhuma fórmula. Não te consigo dizer que demoro três horas a pensar num look. Isso não existe. Por isso acho que também corre relativamente bem, porque não é forçado.

Para mim o conteúdo não pode ser vão. Eu tenho que acrescentar alguma coisa

E consideras que é cada vez mais difícil “acrescentar valor” ao mundo da moda no digital?

Eu acho que isso é algo que também diferencia quem cria conteúdo. Tenho essa preocupação. Para mim o conteúdo não pode ser vão. Eu tenho de acrescentar alguma coisa. Que as mulheres se sintam empoderadas, quando tenho algumas dificuldades - e, por exemplo, tive recentemente no pós-parto e partilhei -  e as pessoas acabam por se rever, identificar e ganhar força, coragem e inspiração. Esse é o nosso papel. Mesmo relativamente à família, tento sempre incluir, tanto os mais novos, como o meu filho, como também as pessoas mais velhas porque eu vivi muito esse lado, em que as pessoas acabam por deixar de fazer parte da nossa vida. E quero lembrar que elas são importantes e temos de as ir buscar. Por isso acho que é importante acrescentarmos valor e estarmos sempre preocupados com isso. No fundo, quem nos segue vai seguir-nos se nos mantivermos relevantes.

Tendo em conta que a indústria da moda é das mais poluentes do mundo, de que forma é que promoves um consumo mais consciente junto da tua comunidade?

Para além de ter uma plataforma onde vendo roupa que já não uso, vou muitas vezes aos armários dos meus pais. Os melhores blazers que tenho são do meu sogro porque são oversize, vichy e lindos. Ele já não os usa, então vou lá muitas vezes. Para quem nos segue às vezes é chato porque a pessoa queria aquele look e não consegue, mas isto é um trabalho que nós também temos de fazer. Temos de reeducar o nosso público para que pense 'ok, não tens igual, mas vais ter parecido. Vai ao closet da tua mãe, vai buscar, vai ver.' Por outro lado, também tenho uma marca e, para mim, também aí existe essa preocupação. Nós tentamos ao máximo não criar stock e tentamos produzir quase conforme encomenda. Quando sobram tecidos, tentamos fazer peças diferentes para que a peça seja duradoura, mas que não consuma e não polua tanto. Claro que o tempo de entrega dela é muito maior e as pessoas também não adoram essa parte.

Os melhores blazers que tenho são do meu sogro

Hoje em dia, tendo conta que já contas com uma carreira de 10 anos no digital, como é que olhas para o futuro da carreira de influencer?

É uma boa pergunta. Eu acho que os influencedores vão sempre existir. Acho mesmo que para te manteres no mercado, tens de inovar, tens de ser relevante e tens de acrescentar algo. Esta é a preocupação que eu tenho. Quando me perguntam qual é a maior pressão que eu sinto, é esta, porque tens de diferenciar. Acho que o futuro é tentar ser o mais real e o mais autêntico possível. Comunicares muito com o teu público. A audiência vai ser a chave. Já existem influencenciadores IA e, a única vantagem que vamos ter, é que experienciamos verdadeiramente o que está à nossa volta. O que nós vamos transmitir vai ser real, baseado numa experiência vivida. E não esquecer que a comunidade que temos é, realmente, o mais importante. Não existimos sem ela, portanto, temos de tomar muito bem conta dela.

De que forma é que os criadores de conteúdo mudaram a forma como se consome moda atualmente?

Eu, infelizmente, acho que acabamos por acelerar muito o processo do consumo. Sinto que fazemos tudo muito rápido. Vou a um desfile e já estou a correr para o seguinte, a roupa passa toda muito rápido por mim. Antigamente não era assim: era uma coisa calma, o criador explicava a roupa. E hoje sinto necessidade de chegar ao quarto do hotel, pegar no telemóvel e ver o que realmente apareceu nas passerelles e quais eram as inspirações dos criadores. Às vezes temos um press release, mas nem sempre temos tempo para o ver. Portanto, acho que viemos acelerar um mundo que já não era lento e precisamos de voltar atrás um bocadinho. Não só na moda, mas mesmo a nível de saúde mental para todos nós.

Falaste há pouco na tua marca, a Caio, que resulta de uma fusão com a Marielas. Que planos tens para ela?

A marca tem que crescer. Ainda é muito pequenina, mas acho que tem muita capacidade de expansão. Claro que, com isso, vêm muitas dores de crescimento e o investimento também tem de ser maior. Portanto, o nosso caminho, para já, era conseguir descentralizar, de forma a que não seja só Portugal o principal mercado, e conseguir chegar ao exterior de forma mais massiva.