Sentamo-nos ao balcão do restaurante para provar parte das muitas novidades da carta de A Cervicheria. No total, são 17 novas receitas, o que significa que há uma ementa quase nova e razões para ir e voltar a este espaço que, em 2014, surgiu como uma lufada de ar fresco na cena gastronómica de Lisboa.
Enquanto observamos o chef Kiko a preparar as primeiras doses desta viagem pelos sabores peruanos, sorrimos ao perceber que o icónico polvo continua pendurado no teto.
Sentimo-nos regressar a um lugar onde fomos felizes (e que quase já só vivia na nossa memória) e, a carta renovada, faz-nos reviver o sentimento de novidade experienciado nesse tempo. A diferença é que agora a novidade não reside na interpretação que Kiko faz da cozinha peruana e sim no facto de existir uma maior aposta no produto local — sobretudo em peixes e mariscos premium — e de mergulhamos ainda mais na matriz peruana.
Mas o dinamismo no restaurante mantém-se. Entre a esplanada, balcão e mesas interiores, o movimento não para e não é de estranhar, não continuasse a casa com a janela (que é também imagem de marca do espaço) e a porta da entrada bem abertas ao longo de todo o dia.
Assim, é provável que quem passa junto ao restaurante, seja a caminho do Príncipe Real ou do Chiado, torne-se num potencial próximo cliente. Afinal, como é que alguém vai resistir em não espreitar e não se vai sentir seduzido pela dinâmica que acontece neste universo peruano tão particular?
Dito isto, poderia A Cevicheria continuar igual? Poderia. Até porque as filas de espera que fizeram com que muitos lisboetas não se transformassem em clientes mais assíduos da casa continuariam a existir. Ainda assim, Kiko considerou que este seria o momento certo para fazer um upgrade da sua oferta gastronómica e alargar a marca a outras áreas de negócio. "Não mudas uma equipa que está a ganhar, mas, depois de 10 anos, tens de mudar. Não mudar é morrer", comenta com o SAPO Lifestyle o chef enquanto prepara mais um prato.
Outra coisa que permanece no espaço após a atualização do cardápio é o profissionalismo e a dedicação de quem cozinha e nos serve.
Vale a pena fazer uma refeição a partir do balcão, ver a agitação da cozinha com pedidos a chegarem e outros a saírem. É como assistir a um programa de cozinha na televisão. Por isso, fãs deste género de entretenimento, é no balcão que vão querer ficar se visitarem este restaurante.
A má (ou boa) notícia — depende da perspetiva — é que A Cevicheria mantém-se fiel ao princípio de não aceitar reservas.
A nova carta d'A Cevicheria
Até aqui, parece que pouco se alterou e que andamos a fazer bluff, porém, quando mergulhamos, partimos sempre de uma superfície e, como há muito para desvendar, vamos aos poucos até ao fundo.
Começamos por apresentar o menu da esplanada que foi criado para compensar a espera nas horas mais concorridas ou para quem só quer petiscar ou comer algo rápido. Esta "carta de rua" oferece apenas seis opções: as Ostras de Guillardeau — que tivemos oportunidade de provar e que surpreendem, primeiro, devido à apresentação e depois pela frescura e suculência possível devido não somente à maçã verde, à beterraba e à tapioca, como, de igual modo, à breve passagem pelo forno, onde permanecem fechadas para não perderem água —; os Croquetes de Choritos Fumados, que são elaborados com camarão, mexilhão e creme fumado; a Causita de Lavagante e Gamba do Algarve, cujo recheio do puré de batata leva igualmente lavagante e gamba; o Tártaro de Wagyu, feito com novilho, brioche, castanha peruana e o toque especial da pimenta vermelha, o Ají Panca, e duas versões dos Cucuruchos. Nas versões do chef, os cones são estaladiços e em massa de brick e podem ser recheados com três texturas diferentes como é o caso da combinação barriga de atum/ limão/ kizami wasabi ou lavagante/ maracujá/ amendoim/ wasabi.
E porque não há Peru sem Pisco Sour, o tradicional cocktail encontra-se igualmente disponível na esplanada e não é a única versão. A esta de lima (com Angostura), o chef juntou mais duas: Ananás & Coentros e Manga & Malagueta.
Dentro de portas, ao balcão ou à mesa, a carta aumenta a olhos vistos. Aos piscos, por exemplo, junta-se uma seleção de champanhes, como destaque para a marca Ruinart, vinhos de safra nacional e Portos escolhidos a dedo, entre os quais marcam presença, e fazem bonito, os rótulos A Cevicheria, Chef Kiko Reserva, nos brancos, e Chef Kiko Reserva, nos tintos, que o chef produziu em parceria com José Bento dos Santos (Lisboa IGP).
Cientes de que há sempre quem goste de ser surpreendido e de ficar nas mãos do chef, a opção Menu Degustação, no valor de 78,60€ por pessoa, permite saborear, sem ter de fazer escolhas difíceis, uma seleção de cinco pratos mais uma sobremesa.
À carta, o couvert (o que já era bom antes ficou ainda melhor com milho tostado, [a célebre cancha], flat bread de tinta de choco, chifles [tirinhas fritas], pão de milho, manteiga de codium [alga] e um dip de Ají Amarillo) e a seção de picoteo (sem os cucuruchos, que ganham espaço próprio na carta do restaurante, e uma opção extra de caviar Oscietra no tártaro de novilho) abrem alas para uma versão
mais substancial, sem perder a elegância, da Causa (à base de puré de batata com tinta de choco junta-se o polvo, o ovo de codorniz, o picle de Chalota Pérola e o espargo branco).
Seguem-se os ceviches. Kiko Martins não esquece que foram eles, juntamente com os seus quinotos (e sim, na nova carta, há um risoto de quinoa, como muitos descrevem este prato, com salmonete, tempura de Gamba do Algarve, alga Tosaka e espuma de ostra), que, ao longo dos anos, lhe valeram um séquito de leais seguidores.
Por isso, além das versões de corvina, de salmão e pitaia e de atum e foie gras, acrescentou ainda criações que não deixam ninguém indiferente como a que combina lírio, puré de cenoura, manjericão e aguaymanto (fisális peruana), ou a que leva lavagante, puré de aipo, alga Wakame e choclo (milho tenro), ou ainda o ceviche de camarão alistado, puré de batata doce, alga Tosaka e tapioca.
Nos crus, os tiraditos, com forte tradição na cozinha peruana por via da influência japonesa no território, são outro dos destaques de A Cevicheria. Tendo em conta que apresentam um corte idêntico ao do sashimi, mas que lembram igualmente o carpaccio pelo recurso a um molho frio acidulado, o chef criou uma versão de lírio com framboesa fermentada e rocotto (pimento) e outra de barriga de atum com milho, lima e maracujá.
Já os anticuchos, as típicas espetadas à peruana, inspiraram duas opções: uma leva barriga de porco preto, polvo, choclo e Ají Panca; na outra vai vieira, milho baby, bacon, uva verde e Ají Amarillo.
Três foi a conta que Kiko fez para as sobremesas. A sua preferida é o Suspiro Limeño, um flã de doce de leite, merengue e suspiro que equilibra o doce com um granizado de lima, mas a mousse de Aguaymanto e Lucuma (sabor idêntico à baunilha), com chocolate branco, crumble de coco e gelado de nata, e o Chocolate Negro 74%, com puré de Ají Amarillo e banana, espuma de avelã e crumble de cacau, não lhe ficam nada atrás.
Mais Cevicheria em Lisboa
Não, o chef não vai abrir mais um restaurante de gastronomia peruana na capital. No mesmo quarteirão que a A Cevicheria, no Princípe Real, vai nascer um boutique-hotel inspirado no conceito do restaurante.
O projeto de luxo contemporâneo, que vai cruzar hospitalidade e restauração, já se encontra em fase de desenvolvimento e a inauguração está prevista para 2025.
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