Confessemos. Há uma atitude voyeurista quando à mesa de um restaurante nos sentamos. Vemos e sabemos que somos observados. Ou, mais precisamente, um catrapiscar às escolhas da carta que nos assentam no prato. Os três passos que medeiam entre a mesa a que nos sentamos no restaurante Akla, em Lisboa, e o pouso vizinho, são varridos pelo nosso escrutínio. Um olho de soslaio sobre o turista inglês, solitário, que se sentou na cercania. Recebe em jeito de boas vindas um amuse-bouche, ou como comummente expressamos no nosso português, um aperitivo. Não teria a presença do britânico (supomos nós a nacionalidade) história, não fosse a primeira expressão de estranheza face à oferta. Roda o prato 180 graus. Aspira o conteúdo antes de lhe lançar talheres.
É aqui que esta pequena narrativa introdutória dá a sua reviravolta. Dá-se a conquista e o nosso bacalhau confitado com um creme de grelos, cenoura bebé, cebolinho fresco e folhinha de salsa faz magia. Não precisamos de nos expressar em língua terceira face à linguagem universal de agrado e desagrado. É a primeira que se cola ao rosto do nosso vizinho de comeres. O mesmo aperitivo que degustamos como abertura de refeição – altera diariamente - na casa que tem na cozinha um homem que já tomou muito mundo, o chefe Eddy Melo.
Este açoriano de berço na Terceira, emigrado com a família aos 14 anos para o Canadá, assina de `fio a pavio` a carta do restaurante onde agora jantamos. Tem de nome Akla, que na sua etimologia reporta à palavra refeição. Escolha com tanto de natural, porque é disto mesmo que aqui se trata, comer, como de sonoro. Akla soa-nos bem na sua singularidade. A mesma que Eddy Melo engendra para a cozinha desta sala de comeres instalada no Intercontinental Hotel em Lisboa.
Não, não vamos por ai. Não é cozinha de hotel. É um restaurante com a sua marca distintiva, instalado numa unidade hoteleira. Uma faceta assumida na assinatura culinária do chefe executivo que não enjeita arrebanhar para o seu elenco, matéria-prima do arquipélago de nascença, assim como influências do mundo que já conheceu, nomeadamente a experiência (longa) no Canadá e na tropical Jamaica.
Aqui, na também soalheira Lisboa, somos convidados, neste Akla, a uma primeira viagem pelo património nacional. Uma sala adornada de azulejaria de carimbo português, repositório de temas lusos, como o grande painel representativo da Arte Xávega, historicamente praticada em areais como o da Nazaré. Hoje, uma quase memória.
Falando nelas, nas memórias, no caso vertente as gustativas fica uma primeira entrada que nos oferece ao palato um Ceviche de atum dos Açores, acompanhado de cenoura Bio picante, abacate e ovas Tobiko Wasabi (17,00 euros). Um prato onde cai uma pitada de salicórnia. A saber, planta de ambientes marinhos que atualmente temos como substituta do sal.
Ainda nos primeiros, umas Vieiras braseadas – no ponto, cedendo à faca, sem inconveniências esponjosas - acompanhadas de um brás de espargos verdes e alho francês (16,50 euros)
Avante, para os principais e, desta feita, com um clássico da carta, um risoto de abóbora Mugango assada e vieiras com espargos (17,50 euros). Um arroz no ponto, cremoso, onde o sabor doce da abóbora não disfarça a presença da vieira, fresca, de cor vivaz.
Uma proposta que integra o item da carta “Pasta & Risotto” e onde vamos encontrar, por exemplo, um Ravioli de alheira DOP transmontana com aveludado de aves, brocolini e burrata (14,50 euros)
Ainda no que toca aos pratos de resistência, as Costeletas de cordeiro irlandês (28,50 euros). Ainda nas carnes, referência a três maturados, o Lombo (28,50 euros), o Entrecôte (28,5 euros) e o Chuleton de boi (55,00 euros/duas pessoas). Impõe-se, aqui, uma nota acessória sobre a preparação da carne. A proteína animal é previamente maturada, ou seja, um processo de amaciamento da carne, em temperatura controlada, acima do ponto de congelação. Um método de “amadurecimento “ de tempo variável, raramente inferior a cinco dias. Maturado, este cordeiro vai conhecer o Josper. Não, saiba o leitor que não é Sous-chef de cozinha no Akla. Trata-se de um forno que agrega a função de grelhador.
O resultado à mesa deste casamento entre carvão e forno é uma carne suculenta, de sabor rico e a dispensar o sal. Neste caso um cordeiro que nos é apresentado com Espinafres, chalotas, passas e pinhões. Um dos acompanhamentos (4,50 euros/cada) que vamos encontrar na carta deste Akla. A título de exemplo, refira-se o Carolo de milho e ervilha torar, os Grelos salteados, Batata frita com sal de Rio Maior. Este, com uma peculiaridade. Brota da terra, de uma mina de sal-gema, nas entranhas da Serra de Candeeiros.
Nos bebíveis, um duo proposto a partir da carta de vinhos. Norte e sul a coexistirem à mesa, com um tinto duriense, o Post Scriptum 2015, da família Symington e um alentejano Adega Mayor Reserva 2016.
Em fecho um périplo pelas latitudes doces da carta. Uma dupla de sobremesas sem adornos, mas com competência. A saber, uma mousse de chocolate e uma tarte de requeijão.
Quanto ao nosso ´amigo` falante do inglês (não o esquecemos, naturalmente), fez da mesa momento de um só prato. Um Akla Burger de novilho Angus em pão brioche, com cebola caramelizada, cogumelo Aranji e Gruyére. Pouco afoito nos sabores nacionais, pensamos nós. Mesmo ao lado, na carta, dispunha de umas pataniscas de bacalhau e molho tártaro.
“São gostos”, como se usa dizer.
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