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Este poder retemperador e, diríamos, tentador, da sopa é, apenas, uma das virtudes deste alimento. Não é à toa que este preparo culinário, entre os mais antigos da humanidade, foi ao longo de milénios uma espécie de "salva vidas" das populações.
A sopa, para além de ser um alimento económico; é natural, tem uma confeção simples, uma fácil digestão e é rica em nutrientes. Tantas singularidades e vantagens contradizem a perspetiva atual que torna a sopa um alimento fora de moda, desarreigado dos hábitos alimentares dos portugueses. Para mais quando Portugal é um país de sopas; algumas delas tornadas em verdadeiro património nacional, como é o caso da canja, o caldo verde, a sopa do cozido e as sopas de peixe e a sopa de feijão vermelho com hortaliça.
Em Portugal, por muito tempo, a sopa foi a própria refeição, não um introito para esta; mas um preparo de labor e génio, que ocupou muitas gerações de cozinheiros anónimos. Gil Vicente, Aquilino e o incontornável Eça de Queirós estão apenas entre os grandes da literatura portuguesa que deram, em palavras, à sopa algum do seu génio, evocando-a com frequência.
De Norte a Sul:
Entre alguns dos bons exemplos das preciosidades da cozinha tradicional portuguesa no que concerne à sopa temos a de castanhas de Trás-os-Montes, o Caldo de Couves, da Beira Alta, a ribatejana Sopa da Pedra, ou a Açorda Alentejana. Do continente para paragens insulares temos a Sopa de Moganga da Madeira e a Sopa do Espírito Santo, dos Açores.
Percebemos neste rol que a tradição culinária portuguesa inclui as chamadas sopas ricas, algumas delas acabando por derivar, atualmente, para pratos mais secos, como os ensopados e guisados, caldeiradas. E se a diversidade nas sugestões é grande, não lhe fica atrás a lista de ingredientes que integra as sopas nacionais, com os produtos hortícolas e leguminosas à cabeça. Cebola, cenoura, batata, feijão, abóbora, grão, nabo, beterraba, couve, azedas, poejos, ervilhas, hortelã, beldroegas, coentros, são apenas alguns dos ingredientes que arrebatamos ao caldo da sopa, sem nos prestarmos a um grande exercício de memória.
Não ficamos por aqui, claro. Juntamos os frutos como a castanha, os cereais como o arroz; as carnes, de vaca, de borrego, de galinha; de perdiz; os enchidos, o toucinho. Continuamos pelos peixes, como o bacalhau, o cação; passamos aos mariscos e citamos o camarão, as amêijoas. Refletimos mais um pouco e chegamos ao pão, indispensável nas açordas alentejana.
Depois, acrescentam-se os temperos para a confeção. O quase indispensável e mediterrânico azeite e, mesmo, sabores inusitados como a canela, o gengibre, ou o açafrão.
Como visto, basta espicaçar um pouco a memória para que o itinerário sensitivo das sopas se espraie infindavelmente. Isto sem termos sequer estendido o elenco a outras geografias gastronómicas. Ai encontramos, por exemplo, o gaspacho espanhol, a Bouillabaisse de Marselha, em França, o Borscht, da Rússia, a Fasolada grega, o Goulash Húngaro, o Minestrone italiano, o Menudo mexicano, a Brabançonne belga. Poderíamos continuar indefinidamente. Tal como referiu um escritor celebrado "a sopa fala da civilização de um povo".
Sopa para todas as idades:
"Se a velho quiseres chegar muita sopa terás que manducar"; "Velho e criança, da sopa farão usança"; "Se queres saúde come sopa, o melhor que levas à boca". Mais ou menos comuns, certo é que os adágios em torno da sopa fazem parte da nossa cultura popular.
Há muito que o senso comum reconheceu na sopa as qualidades que nutricionistas lhe apregoam com base científica. Os hortícolas presentes neste alimento são, em boa verdade, o espírito e a essência do seu equilíbrio.
A sopa é rica em vitaminas e em minerais que entram na composição de vários órgãos, músculos, ossos e sangue. Compõem-na fibras alimentares essenciais para o bom funcionamento do aparelho digestivo. Completam a sopa antioxidantes que atuam como protetores, pois limitam o papel carcinogénico de algumas substâncias. Finalmente a água preserva no caldo os nutrientes dos alimentos que compõem a sopa. Um prato grande de sopa, engrossada com leguminosas e temperada com um fio de azeite dificilmente passa as 180 calorias, enquanto qualquer outra refeição fornece entre 440 e 660 calorias.
Jorge Andrade
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