É frequentemente tido como símbolo de pecado, devido aos argumentos calóricos, mas na verdade também tem efeitos positivos na saúde e bem-estar. É um produto de notável carácter, com enorme riqueza histórica que, mesmo nas preparações culinárias onde brilha, normalmente nas sobremesas, chega a ter uma categoria à parte.
Nos primórdios, o “alimento dos deuses”
Quando os primeiros colonizadores espanhóis chegaram à América, o cacau já era cultivado pelos índios, principalmente os Astecas, no México, e os Maias, na América Central. De acordo com os historiadores, o cacaueiro, chamado cacahualt, era considerado sagrado.
No México, os Astecas acreditavam ser de origem divina e o próprio profeta Quatzalcault ensinara ao povo como cultivá-lo, quer como alimento, quer para embelezar os jardins da cidade de Talzitapec. O cultivo era, aliás, acompanhado de solenes cerimónias religiosas.
Esse significado religioso provavelmente influenciou o botânico sueco Linneu (1707–1778), que denominou a planta de Theobroma cacao, chamando-a assim de “alimento dos deuses”. Os índios consideravam as sementes de cacau tão valiosas que as usavam como moeda. Diz-se que até um bom escravo podia ser trocado por cem sementes.
Hoje, cinco séculos volvidos, os derivados do cacau são consumidos sob múltiplas formas, em quase todos os países, integrante parte da vida moderna. A sua forma mais famosa é do chocolate que provém de xocolatl, que em Asteca significa "água amarga". Na época, o “xocolatl” era uma bebida fria e amarga.
O cacau, um adorador de climas quentes
Diariamente são estudadas novas formas de produzir e inovar o produto, deliciando por todo o mundo aqueles que o consomem. Há uma grande variedade de chocolates: amargo, de leite, branco, em barra, em pó, dietético, chocolate com frutas secas, amêndoas, flocos de milho, recheios, em barra, bombons.
Estão presentes em todos os lugares: nas rações de militares; nas bolsas dos estudantes; nos desportistas, sob a forma de chocolate em barra de alto valor nutritivo; nos salões de beleza mais sofisticados, nas formas mais variadas de cosméticos; nas reuniões sociais; na cozinha e pastelaria, enraizada já em algumas festividades tradicionais; e no aromatizar, através de vinhos e licores.
O cacau adora climas quentes, com temperatura média de cerca de 25 °C e húmidos, precipitação anual entre 1.500 e 2.000 milímetros, das florestas tropicais onde cresce à sombra das grandes árvores, protegendo-se da luz. Exige solos profundos e ricos, sem períodos secos prolongados. Os principais países produtores de cacau são a Costa do Marfim, o Gana, a Indonésia, Camarões, o Brasil e a Malásia, mas muitos pequenos produtores possuem as favas mais preciosas: Venezuela, Madagáscar, Equador, Jamaica e Trinidad e Tobago.
Existem três tipos de cacaus: o Forastero, o Criollo e o Trinitário, sendo que cada um detém um perfil de sabor e aroma muito particulares, dependendo igualmente de zona de produção e dos métodos produtivos.Também existem centenas de diferentes híbridos.
Tipologias de cacau e produção de chocolate
O Forastero é originário da Alta Amazónia. Apelidada “Robusta do cacau”, devido à resistência e ao forte teor em taninos, é a maior variedade em África e a mais cultivada do mundo (85%).
Se é certo que os forasteros africanos dão colheitas bastante vulgares, utilizadas sobretudo em indústria ou como base principal das misturas, existem, todavia, colheitas finas como o Arriba (ou Nacional), produzido no Equador e em Trinidad, e o Maranhão do Brasil ou da Venezuela. O mais plantado apresentado sabor suave, baixa acidez e menor intensidade aromática.
O Criollo é o cacau original, o dos Maias do México. A fragilidade explica a sua raridade – representa menos de 5% da produção mundial. Fortemente perfumado, tem um sabor subtil e aromático que varia muito consoante os terrenos de cultivo. Entre as colheitas mais famosas, estão o Chuao, o Puerto Caballo e o Porcelana da Venezuela, o Sambirano de Madagáscar e o Criollo da Indonésia. Raramente usado puro, faz sobressair, mesmo em pequena quantidade, a qualidade de um sortido de várias origens.
Trinitário é uma espécie híbrida, resultante do cruzamento do Criollo, do qual herdou o requinte do perfume, com o Forastero, que lhe confere a robustez. Tendo surgido em Trinidad, é hoje cultivado também na América Latina, no Sri Lanka e na Indonésia. As melhores colheitas provêm da Trinidad e de Java.
Conhecido pelo nome de “Médoc do cacau”, por causa do típico gosto frutado, notas terrosas, de especiarias e acidez que permanece na boca, o Trinitário representa cerca de 10% da produção mundial. Existem pesquisas permanentes para aperfeiçoar novos híbridos de qualidade em árvores robustas.
A cabossa, um fruto do tamanho do melão, de polpa branca, tem no interior os preciosos “caroços” de cacau, sementes amargas e alongadas, adstringentes e ricas em gorduras. O sabor original não deixa adivinhar a bênção que daí advirá.
A produção e transformação sofre vários processos mecânicos, onde a torrefacção é uma das mais importantes, pois é partir daqui que se desenvolvem os aromas formados no momento da fermentação e para eliminar os últimos ácidos voláteis e baixar o teor de água, de cerca de 8% para 2%, e a redução da população bacteriana.
Depois de triturado e refinado, obtém-se a pasta de cacau que conserva toda a matéria gorda original. A partir daqui escolhe-se o caminho final. Para se obter pó ou manteiga de cacau, é necessário prensar a pasta de cacau, para separar a matéria gorda da matéria seca (ou resíduo). Se não for esse o caso, a pasta segue para transformação até se tornar chocolate.
Da escolha e da mistura das pastas de cacau obtidas a partir das diversas colheitas dependem o sabor e a qualidade do futuro chocolate. Os Forastero de África ou do Brasil são as variedades mais frequentes, a par de uma proporção variável de Criollo e de Trinitário, mais finas. Apesar de alguns mais entendidos preferirem as “puras origens” (com favas de cacau de uma só origem), o chocolate, tal como o vinho, é frequentemente resultado de misturas subtis, como se de um lote se tratasse, e dependente dos caprichos da natureza e de condições diferenciadas, tal como o terroir está para a produção vínica.
Desta base geral - cacau, manteiga de cacau e açúcar -, adicionam-se muitos outros ingredientes que farão parte da estrutura e possível sabor final. Usa-se leite, natas, frutos secos, café, canela, noz-moscada, ervas aromáticas, licores, spirits, trufas, etc.
Um produto com boa tempera
Operação fundamental é a de “temperar” o chocolate, um sistema de arrefecimento, abaixo de 30ºC, através de agitação, promovendo uma textura mais homogénea e brilhante, consistente e estaladiço. Se esta operação não se efetuar, o chocolate torna-se mais opaco, difícil de moldar, podendo formar algum revestimento superficial branco. Com o arrefecimento, posterior moldagem e solidificação, entra-se nos processos finais com as formas mais reconhecidas, de tabletes, barras, pralinés, entre outros.
O chocolate tornou-se uma commoditie muito valorizada, com atração a efeitos de contrafação e falsificação, sendo criada ao longo do tempo regulamentação, igualmente por diretivas europeias que definem denominações e normas de composição e regras de rotulagem, onde as terminologias de chocolate preto, chocolate de leite, matéria seca de cacau, só para citar alguns exemplos, estão claramente definidas.
Em termos de utilização e consumo, o chocolate presta-se a imensas preparações, desde bolos, bolachas, barras, pralinés, sorvetes, mousses, pudins...
Manuel Moreira
(Sommelier)
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