É com o sorriso vivaz que todos lhe reconhecemos que Cátia Goarmon se apresenta para a conversa que havíamos previamente agendado. Partimos de um acordo, desta vez não vamos bater na tecla de como Cátia Goarmon, para todos nós, a “Tia Cátia”, viu em poucos anos uma carreira ligada ao Marketing e às agências de comunicação, transformar-se num percurso que corporizou um sonho de infância, o de cozinhar.
Todos sabemos que a “Tia” participou no programa de televisão Masterchef, que teve uma lesão convertida em contratempo que a obrigou a abandonar o programa. Também todos lhe reconhecemos logo, na época, o sorriso cativante e a química com as câmaras e, deste lado, com o público.
Para já, importante, é sabermos que nos próximos meses a “Tia Cátia” está de volta ao convívio com os telespetadores. A cozinheira que assina a sua singularidade criativa, em pratos que reinterpreta, reaproveita e reinventa, com total liberdade, gravou a quinta temporada de “Os Segredos da Tia Cátia”. Quarenta e quatro programas fresquinhos, mais de 200 novas receitas, que vamos poder acompanhar até outubro no canal de televisão temático 24 Kitchen. Uma série onde Cátia convida nove amigos e familiares. Os filhos, Manuel e António, a mãe, lá estão.
Como também está a veia fértil de Goarmon para a cozinha e a capacidade de superar, na verve, no azul olhar cúmplice e com o sorriso a distância entre a sua “casa”, onde prepara os seus pratos e a casa de todos nós.
O mesmo carisma que transporta para esta conversa onde optamos tratar a “Tia”, apenas por Cátia. Isto mesmo sabendo, que aquele grau de parentesco se colou à cozinheira como uma segunda pele.
Antes de falarmos na sua cozinha, no programa, gostava que nos falasse de si. Quem é a Cátia?
Tento, volta não volta, afastar-me um pouco do frenesim do quotidiano e refletir. Muitas vezes dou por mim a pensar que sou um pouco hiperativa e que me canso rapidamente das coisas. Isto para dizer que não poderia ter trabalho melhor do que este que tenho. Não me veria a trabalhar nas rotinas de um restaurante, onde há padrões pré-definidos. Ou melhor, num restaurante, só um com o conceito do género, “venha e coma o que a tia tiver” [risos].
Pela primeira vez na minha vida posso dar asas à minha ´loucura´ e fazer o que me apetece. Por exemplo, muitas vezes penso uma receita, testo-a e quando chego ao programa sai-me algo diferente. Mas sempre no sentido de melhorar, da perfeição. Pode até ser uma torrada. Sou incapaz de servir um prato que não esteja `arrumadinho`, feito com dedicação.
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A Cátia quando fala da sua cozinha sublinha a singularidade da mesma. O que a torna diferente?
É uma cozinha de aconchego, de família, de memória. Julgo que a minha cozinha tem a capacidade de se adaptar, de ser particular, única. Olhe, posso comparar à sensação que temos quando falamos com alguém e, nesse momento, essa pessoa, está ali só para nós. O momento em que estou a cozinhar é um ato único.
Mas há planeamento ou é frequente o improviso?
Por vezes tem de haver improviso [risos]. Quantas vezes temos de improvisar. Abrimos a porta do frigorífico e o que temos lá dentro é o que vai servir a refeição. A minha cozinha é, também, de aproveitamentos. Dou-lhe um exemplo, faço um frango assado, a partir deste faço um outro prato; sobra um pouco, mistura-se com dois ovos, temos novo prato. Outro exemplo; há algum tempo fiz uns queques de quinoa. Transformaram-se numas pataniscas de quinoa com bacalhau no forno. É claro que exige conhecimento sobre os ingredientes, as quantidades. Já percebeu o que queria dizer com o hiperativo [risos].
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Ou seja, podemos pegar na frase e adaptá-la aqui “na natureza nada se perde, tudo se transforma”…
Já me aconteceu fazer uma Encharcada e a calda não ficou no ponto. De repente tinha 30 ovos. Tinha de fazer alguma coisa. Levei ao processador, com amêndoas, voltou ao lume, meti num saco de pasteleiro e fiz uns bolinhos divinais. Ou seja, o desistir está fora de questão. Não deito fora.
Neste contexto considera-se uma pessoa disciplinada na cozinha, ou prepondera o emocional e espontâneo?
Dou-lhe um exemplo recuando à minha infância. Estipulava que as coisas tinham de correr de uma determinada maneira, mas saía tudo ao lado. A vida ensina-nos que há que saber dar a volta e temos de ter planos B, C ou mesmo D. Isso evita-me frustrações e não lido bem com isso.
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A Cátia está agora a estrear a quinta temporada do seu programa de televisão “Os Segredos da Tia Cátia”. É um ritmo exigente, com mais de 200 episódios. Como se reinventa?
Temos de gostar do que fazemos. Julgo que é o segredo de tudo o que fazemos. Nunca desistir, investir. Isto torna-se viciante e carrega-nos com hormonas da felicidade [Risos]. No meu caso é assim mesmo, tenho de me estar sempre a reinventar.
Que novidades traz para esta sexta temporada?
Cada episódio tem um tema e apresenta três receitas. Nesta temporada temos mais convidados ao longo dos 44 episódios. São nove amigos que chegam para cozinhar comigo. Olhe, por exemplo, os meus dois filhos, o Manuel e o António, que adoram cozinhar com a mãe [risos]; a minha mãe; a Filipa Gomes, a Sandra Nobre, o chefe Rodrigo Castelo, ribatejano de gema; a Margarida Ramalho, uma historiadora. Neste caso fomos fazer uma receita da época de D. Carlos I.
Mais de 40 episódios dão-lhe uma grande amplitude de temas, certo?
Sim, temas que vão da cozinha de aproveitamento, às receitas vegan, outras com produtos de DOP [Denominação de Origem Protegida]; outras ainda com inspiração regional. Neste caso, a ideia não é reproduzir os pratos tal como estão no receituário tradicional e gosto de deixar isto bem vincado. Quero deixar um tributo a uma determinada região. Digamos que é uma homenagem. Faço-a à minha maneira, da mesma forma que o meu público irá fazer essa mesma receita com a mão de cada pessoa.
Há sempre muito carinho pelos produtos portugueses e pela identidade das regiões. Sempre que uma receita original traz um ingrediente estrangeiro, procuro introduzir o congénere nacional. Agora, é lícito trazer ingredientes não portugueses para a nossa cozinha. Enriquece-a.
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A cozinha é um campo difícil?
Há uma outra mensagem que passo nos programas, a de não ter medo do erro na cozinha. Não correu bem desta vez, há de correr bem para a próxima. Todos começamos e, muitas vezes, mais tarde, com a experiência esquecemo-nos de como foi o início.
O público mostra-se recetivo às novidades que introduz nos programas, nomeadamente novos ingredientes?
Julgo que sim. Não é imposto, é facultativo. Digo “eu faço assim”, mas deixo a liberdade a cada um para fazer de outra forma. E, para isso dou alternativas. Naturalmente há cozinhados que têm de se fazer de determinada forma para que resultem. Muito importante, sempre, é a facilidade de confeção e a de encontrar os ingredientes. Se não forem de fácil acesso no comércio, abandono a ideia de produzir essa receita no programa.
Para além dos programas de televisão a Cátia tem um contacto próximo com o seu público em apresentações de cozinha ao vivo. O que lhe transmitem essas pessoas nesses momentos?
Para mim os showcookings estão para o cozinheiro como o teatro para os atores. Há um contacto direto com o nosso público. Estou ali sem filtros e encontro desde miúdos, acompanhados dos pais, até às pessoas de certa idade que me dizem. “menina, já não cozinho, mas faz-me tanta companhia”. Provavelmente encontram ali a filha, a neta. É comovente. Mas depois encontramos jovens que me dizem “curto bué a Tia Cátia” [risos]. Mais uma vez acho que está aqui a proximidade e a facilidade. As pessoas saberem que estão perante uma cozinha que se reproduz em casa. Quem vai começar, encontra pratos acessíveis, quem já cozinha, tem novas ideias.
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A Cátia quando cozinha tem em consideração preocupações nutricionais e equilíbrio alimentar?
É preferível comer menos, mas comer aquilo e que seja bom. Não vou chamar Encharcada a uma coisa que não o é. No caso das alternativas, sabemos que não será a mesma coisa. Por exemplo, substituir o açúcar ou as gorduras, mas aí, dizemos que estamos a dar outro caminho.
Cátia, o reconhecimento público alterou a forma como aborda a cozinha?
Julgo que a minha cozinha está igual ao que sempre foi. O que acontece é que crio mais.
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Damos e recebemos. É uma pessoa, atualmente, muito exposta aos outros. Isso não trouxe influência sobre a sua cozinha?
Sim, sou de opinião que comportamento gera comportamento. Tenho aquele filtro em que só ouço as coisas boas. Não quer dizer que não escute as críticas, mas têm de ser construtivas. Sinto um compromisso grande para com as pessoas. Na cozinha não consigo fazer ´qualquer coisa´, só para despachar. Cozinhar é amor e dedicação e tudo tem de levar carinho. É uma construção que pode começar num ingrediente singelo e levar a um cozinhado divinal.
Há algum ingrediente com o qual embirre particularmente?
Em miúda não suportava cravinho. Hoje em dia, até desta especiaria gosto. [risos]
E um alimento que tenha sido para si uma revelação?
Dois, o gengibre e a erva-príncipe. Há uns anos não tínhamos muito acesso, tal como as raízes, a mandioca, o inhame. Até mesmo o chuchu e a curgete. Hoje não faço uma sopa onde não os incorpore. E são muito versáteis.
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