Na margem direita do Lima, a dez quilómetros do Atlântico e de Viana do Castelo, há um solar de pedra granítica que resistiu ao tempo como uma fortaleza silenciosa. Entre muros, pomares, castanheiros e vinha, a Quinta de S. Salvador da Torre parece um lugar onde o passado está presente nas paredes do solar e o futuro se anuncia no verde das videiras. É uma propriedade que nasceu sob o signo da água — as fontes medievais, as ribeiras, a fertilidade das terras de aluvião — e que hoje se prepara para escrever um novo capítulo na história dos Vinhos Verdes.

Com mais de 800 anos de existência documentada – sendo a primeira referência de 1129 –, a quinta que foi couto beneditino, pertenceu durante quase quatrocentos anos à família Rocha Brandão, que ergueu o solar e a capela de Santo Isidoro no século XVII, depois remodelados em 1856. Já foi terra de fidalgos, banqueiros e agricultores, palco de exportações vinícolas para Inglaterra e até exploração pecuária. Em 2022, a propriedade foi adquirida ao grupo Soja de Portugal pela Granvinhos, empresa liderada por Jorge Dias, que aqui se juntou a um parceiro e amigo de longa data: Anselmo Mendes, o enólogo que, mais do que ninguém, fez do Vinho Verde a sua bandeira.

“O que é importante é sabermo-nos reinventar a cada projeto. As fórmulas nunca se repetem”, afirma Jorge Dias, olhando para o amigo de longa data, e agora parceiro, tendo em mente um outro projeto, no vizinho do lado, o Douro. Depois de projetos de referência, como a Quinta do Ventozelo, a entrada no Minho é vista como um novo desafio: “O Atlântico abriu-nos outras portas e estamos a descobrir coisas novas”, assegura.

Ambos se conhecem há mais de trinta anos. Trabalharam juntos no Douro e cruzaram-se em inúmeros projetos. Mas nunca tinham concretizado algo conjunto no Minho, terra natal de Anselmo Mendes. “Neste negócio do vinho, as relações são sempre importantes. E há uma relação que nos liga há muitos anos, que começou no Douro”, recorda Jorge Dias.

Uma quinta com séculos de história prepara-se para marcar o futuro dos Vinhos Verdes
Uma quinta com séculos de história prepara-se para marcar o futuro dos Vinhos Verdes créditos: Divulgação

Anselmo Mendes conhece a quinta desde a década de 1990 e hoje fala dela como quem descreve um organismo vivo. “Este vale é aberto ao mar, o Atlântico sente-se aqui como em nenhum outro lugar”, descreve. De facto, o oceano está a apenas dez quilómetros e a influência marítima chega sem barreiras, moldando clima, solos e vinhos. “Estamos perante uma das principais manchas de vinha do Minho”, acrescenta Jorge Dias, sublinhando que o território, apesar de inserido na região dos Vinhos Verdes, tem uma identidade própria que importa valorizar.

Até porque a influência atlântica moldou a história vitícola da região. No século XVI, quando os navios partiam de Viana rumo a Inglaterra, já daqui saíam pipas de vinho. Os tratados de Windsor (1386) e Methuen (1703) abriram portas ao comércio, e durante algum tempo o Minho exportava tanto quanto o Douro, relembra o enólogo. Só mais tarde os ingleses se fixariam nas encostas do Douro, alegadamente porque, no Minho, as uvas deixaram de atingir a maturação plena, mas sem grandes certezas.

A vinha da quinta, plantada em 2015 ao abrigo de um programa Vitis, ocupa 30 dos 37 hectares, e já era explorada por Anselmo Mendes. Loureiro e Alvarinho dividem o espaço, mas é a primeira que mais se impõe. “É uma casta mais provocadora”, descreve o enólogo. “Aromática, vibrante, capaz de envelhecer tão bem quanto o Alvarinho, mas com uma acidez que desafia o palato. O Loureiro do Vale do Lima é único e merece estar no centro da cena”, acrescenta ainda aquele que é conhecido como “Senhor Alvarinho”. Em jeito de provocação ouve-se na sala. “Se calhar agora vai ser o ‘Senhor Loureiro’!”

Esta é, de resto, uma das bandeiras do projeto: reposicionar o Loureiro, casta tantas vezes relegada a segundo plano, como protagonista absoluto. “O que faltava era posicionar o Loureiro onde ele merece neste vale”, insiste Anselmo Mendes.

Se para muitos a vinha pode ser considerada jovem, o enólogo prefere caracterizá-la como “adulta”, pois “uma vinha adulta é aquela que colonizou o solo e amadureceu também na parte aérea. Não é velha, mas já sabe onde está”, explica. O trabalho futuro passa por estudar as parcelas, compreender o solo e a biodiversidade, um investimento científico que sustenta a ambição de fazer grandes vinhos.

No entanto, é da maturidade já atingida que nascem vinhos com caráter, trabalhados com intervenção mínima, mas sustentada em conhecimento técnico. “Só se faz muita arte depois de muito conhecimento. A intervenção mínima também exige muito saber”, relembra Anselmo Mendes.

Uma quinta com séculos de história prepara-se para marcar o futuro dos Vinhos Verdes
Uma quinta com séculos de história prepara-se para marcar o futuro dos Vinhos Verdes créditos: Divulgação

A prova confirma as palavras. O Alvarinho & Loureiro 2024 (PVP 5,50€) apresenta-se como um casamento recente, em proporções iguais: a intensidade aromática do Alvarinho no nariz, a frescura vibrante do Loureiro na boca.

O Loureiro 2024 (PVP 9,90€) mostra-se ainda herbal, com notas mentoladas, mas já revela potencial de frescura e longevidade. Comparado com a colheita anterior, as diferenças saltam ao copo: o Loureiro 2023, fruto de um ano de menor produção, concentra-se mais, exibe notas de mel e uma maturação mais sólida.

No topo surge o Loureiro Vinha dos Castanheiros 2023 (PVP 19,90€), um vinho de parcela limitada a 3.000 garrafas. A seleção manual dos cachos na vinha confere-lhe singularidade. “Se há vinho que tem mineralidade, é este”, garante Anselmo Mendes, descrevendo aquela sensação que lembra “a pedra quente molhada pela chuva de verão.”

O peso da água e a leveza do futuro

A água, elemento abundante na quinta, é também parte da sua identidade. Elsa Couto, diretora de marketing e comunicação da Granvinhos, sublinha que“a água está em todo o lado: nas fontes medievais, nos solos, nas vinhas. É um elemento que se reflete nos vinhos”, uma vez que a marca inspirou-se justamente numa dessas fontes, a “mãe de água”, para os rótulos do vinho, um local que foi durante séculos ponto de encontro da comunidade.

Mas o futuro não se fará apenas nos vinhos. Tal como em Ventozelo, no Douro, Jorge Dias vê desde já no enoturismo uma vertente essencial. E, neste caso, o vinho é apenas a primeira porta. A paisagem, marcada pelo verde da vinha e pela presença da água, completa o cenário.

Jorge Dias sublinha ainda a ligação essencial entre vinho e território: “Acredito no futuro do Vinho Verde, em particular do Loureiro e do Alvarinho, mas é fundamental ligá-los ao território e à dieta atlântica. Portugal tem aí uma oferta única.”

A Quinta de S. Salvador da Torre absorve assim, a brisa atlântica, mas também as histórias de diferentes terras e gentes, que coexistem com os ares da montanha e do mar, numa gastronomia rica e gulosa, com raças autóctones e verduras frescas.

É nesta região que se encontram tradições como os Cabeçudos e os Gigantones, ou a cerâmica de Iva Viana. Os campos podem ter-se transformado ao longo do tempo, mas sem perder a sua essência, permitindo que o contemporâneo se case harmoniosamente com o passado.

Uma quinta com séculos de história prepara-se para marcar o futuro dos Vinhos Verdes
Uma quinta com séculos de história prepara-se para marcar o futuro dos Vinhos Verdes créditos: Divulgação

A recuperação do paço senhorial, conduzida pelo arquiteto Luís Pedro Silva, é disso exemplo. “Chamamos-lhe de casa-mãe, mais do que solar”, explica o arquiteto numa visita guiada, onde descreve a renovação levada a cabo. “O que herdámos é tão importante que o que a arquitetura faz é exponenciar o que existe”, como os azulejos que datam do século XIX, ou a cozinha com um grande forno e pias de água, uma modernidade do século passado, que trazia água para dentro de casa.

“O Douro era um projeto mais simples, no sentido em que éramos todos do Douro”, comenta Jorge Dias. Confessa que, apesar de estarem a descobrir que narrativa seguir em termos de valências sociais e culturais da região, “isso é positivo, porque abre espaço a um discurso diferente”, até porque a ideia é seguir o modelo de Ventozelo, aproveitando o que já existe.

É nesse espírito que surge o projeto “Verdes Mil”, que não se limita a contar histórias, mas “acrescenta um ponto”, mostrando as mãos dos protagonistas e conduzindo-nos pela memória e pelo território. Aqui, tradição e contemporaneidade entrelaçam-se, convidando-nos a percorrer o Minho. Para Elsa Couto, trata-se de “criar um conceito forte” que una vinho, território, cultura e hospitalidade, transformando cada visita numa experiência mais completa.

O negócio do vinho é feito de paciência e risco. Jorge Dias resume com humor: “Não se pode ter ansiedade. Mas também não se pode ter falta de ar. O vinho é feito de tempo.”

A metáfora encaixa na própria história da Quinta de S. Salvador da Torre. Uma propriedade fundada em 1129, reconfigurada no século XVII, restaurada no XIX, reinventada no XXI. Entre couto medieval e projeto de vanguarda, carrega nos ombros a memória de séculos e a promessa do futuro nas vinhas.

E se o sangue não engana, como cantava Amália Rodrigues, “havemos de ir a Viana”: para beber um Loureiro provocador, sentir o Atlântico no copo e testemunhar como uma quinta com vários séculos de história que continua a reinventar-se seja pela água, pela pedra ou pelo vinho.

Do Minho a Gaia, entre vinho, gastronomia e novas experiências

Uma quinta com séculos de história prepara-se para marcar o futuro dos Vinhos Verdes
Uma quinta com séculos de história prepara-se para marcar o futuro dos Vinhos Verdes créditos: Divulgação

Morada
Largo Miguel Bombarda 23, 4400-222 Vila Nova de Gaia

Reservas
Telefone: +351 220 925 401
Email: geral@myportocruz.com

Site: www.espaçoportocruz.pt

Horários

DECASTRO GAIA
• Terça a sábado – 12h30 às 23h00
• Domingo – 12h30 às 19h00

TERRACE LOUNGE 360º
• Terça a sábado – 12h30 às 00h00
• Domingo – 12h30 às 19h00

Mas nem só no Minho se fazem as novidades do grupo Granvinhos. Em Gaia, a empresa reforça a sua aposta na fusão entre vinho, arte e hospitalidade. Treze anos depois da abertura do restaurante deCastro, no Espaço Porto Cruz, junto ao Cais de Gaia, a casa reabriu com nova decoração e nova carta, mantendo a cozinha tradicional portuguesa como eixo central.

Miguel Castro e Silva, acompanhado do sub-chef José Guedes, assina agora o menu a quatro mãos, numa celebração da gastronomia portuguesa que vai dos petiscos às sobremesas. Entre as novidades, surgem pratos como Cake de legumes com chutney de tomate e maçã (6€), Novilho laminado com molho de mostarda portuguesa (14,50€) ou Arroz de polvo Provençal (22€). O menu é complementado com os vinhos do grupo.

Uma quinta com séculos de história prepara-se para marcar o futuro dos Vinhos Verdes
Uma quinta com séculos de história prepara-se para marcar o futuro dos Vinhos Verdes créditos: Divulgação

Gran Cruz Apartments

Morada: Rua Guilherme Gomes Fernandes, 120, 4400-111 Vila Nova de Gaia

Reservas
Telefone: +351 227 662 270
Email: info@grancruzapartments.pt

Site: www.grancruzapartments.pt

A poucos passos dali os Gran Cruz Apartments completam a oferta do grupo. Distribuídos por dois edifícios históricos recuperados no centro de Vila Nova de Gaia, os seis apartamentos querem unir conforto contemporâneo e tradição, divididos em várias tipologias — de Estúdio a T2 — com valores de reserva a começar nos 180€.

A narrativa visual da icónica Mulher de Negro, presença histórica das campanhas da marca Porto Cruz, inspira o design de interiores, assinado pela equipa Nby Concept & Project. Intervenções de artistas contemporâneos, como Tamara Alves, e fotografias de João Bernardino criam uma experiência cultural e ligada ao território.

Cores neutras e linhas modernas convivem com elementos originais das fachadas e interiores, enquanto cada detalhe — do mobiliário aos materiais selecionados — reforça a elegância do espaço.

Entre a gastronomia do deCastro Gaia, a arte e o design dos apartamentos e a riqueza dos vinhos, o grupo Granvinhos constrói uma narrativa onde cada experiência, seja à mesa ou na estadia, reflete o território, a cultura e o respeito pela herança histórica.