
O cancro do esófago pode ser caracterizado como carcinoma de células escamosas (CEC), originário no revestimento epitelial do esófago, e adenocarcinoma (AC), com origem nas células glandulares. O consumo de álcool, o hábito de fumar e a epidemia silenciosa da obesidade são fatores de risco bem documentados.
Em certas latitudes, hábitos culturais como a ingestão de líquidos e alimentos a altas temperaturas associam-se particularmente, ao CEC. Já o AC parece encontrar terreno fértil na obesidade, no refluxo gastroesofágico persistente e nas alterações celulares pré-malignas como a metaplasia intestinal.
A grande armadilha do cancro do esófago reside na sua capacidade de se manifestar tardiamente. No entanto, a persistência de dificuldade em engolir (disfagia), indigestão ou azia, perda de peso sem justificação aparente e dores na garganta ou retroesternais são sintomas que não podemos ignorar. Perante estes alertas, a procura de aconselhamento médico é não só recomendada, mas também urgente. O diagnóstico, na maioria das vezes, é feito através de uma endoscopia digestiva alta, complementada por uma biópsia que confirma a natureza maligna da doença.
O cancro pode ser precoce, localmente avançado e metastático. No caso da doença metastática é possível realizar testes moleculares, uma espécie de "impressão digital" do tumor, que pode orientar para a opção terapêutica mais eficaz.
O arsenal terapêutico para o cancro do esófago é adaptado a cada doente e a cada doença, sempre em função do estadio. O tipo de cancro e a evolução do estado de saúde do indivíduo são os pilares que sustentam a decisão do tratamento mais adequado.
Nos estádios não metastáticos a cirurgia surge frequentemente como a primeira linha de tratamento, associada na maioria das vezes à quimiorradioterapia neoadjuvante; em algumas situações a quimiorradioterapia promove resposta completa, permitindo ao doente evitar uma estratégia cirúrgica complexa e da qual pode resultar morbi-mortalidade não negligenciável. Em alguns cenários pós-cirúrgicos a imunoterapia adjuvante pode ser uma opção para consolidar os resultados.
Quando a doença atinge o estadio metastático, a batalha torna-se mais complexa. A quimioterapia é o tratamento padrão de primeira linha, podendo ser reforçada pela imunoterapia dependendo das características moleculares do tumor. Em segunda linha, a imunoterapia também pode ser uma opção para quem recebeu quimioterapia inicialmente, enquanto a quimioterapia de segunda linha é geralmente oferecida a quem já beneficiou de imunoterapia. No AC metastático, a quimioterapia pode ser combinada com terapêuticas dirigidas ou imunoterapia, também guiada pelos testes moleculares.
A jornada contra o cancro do esófago não termina com o tratamento ativo. As sequelas da doença e das terapêuticas podem ter um impacto negativo na qualidade de vida. O acompanhamento por um nutricionista torna-se, assim, um pilar essencial na recuperação. As transformações físicas podem também abalar a autoestima e influenciar as relações pessoais e a intimidade. O apoio psicológico, seja no seio familiar e de amigos ou através de profissionais especializados, revela-se fundamental. A partilha de experiências com outros doentes que trilharam caminhos semelhantes, através de associações de doentes, pode ser uma fonte inestimável de conforto e compreensão.
O seguimento médico regular é um pilar contra a recorrência e vital para a gestão dos efeitos secundários a longo prazo.
A consciencialização é o primeiro passo para a prevenção, para o diagnóstico precoce e para o acesso a cuidados de saúde de excelência. Adotar estilos de vida saudáveis, estar atento aos sinais de alerta e procurar ajuda médica sem hesitação são atitudes que podem salvar vidas.
Um artigo do médico Nuno Bonito, Diretor do Serviço de Oncologia Médica do Instituto Português de Oncologia de Coimbra e Presidente Eleito da Sociedade Portuguesa de Oncologia.
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