“A situação atual da Enfermagem em Portugal é preocupante e converge para a ideia de apatia política e incapacidade de usar ferramentas de participação para influenciar o rumo da profissão. Nunca, desde 1973, no tempo do sindicalismo corporativo e aquando da realização 1ºCongresso Nacional de Enfermagem, houve tamanha alienação dos enfermeiros em relação às questões políticas e à participação na construção da sua própria profissão.
No último processo eleitoral para os novos órgãos da Ordem dos Enfermeiros, a associação pública de inscrição obrigatória para exercício da profissão, registou-se uma abstenção histórica (92,6%). Neste caso concreto da alteração estatutária, muitos enfermeiros, diria que a maioria, apesar da mediatização da alteração da lei das ordens profissionais, não compreendeu nem receberam explicações claras sobre o que estava a acontecer por parte dos dirigentes da OE.
De 1973 até ao final dos anos 90 do século passado a enfermagem viveu uma época de ouro, no que à participação política diz respeito. A profissão desenvolveu-se nos planos da autonomia, academia, regulamentação e carreira com lideranças de enfermagem que queriam participar politicamente na profissão e envolver todos.
Mais recentemente, no período pós-Troika, vivemos momentos de agitação mediática da classe que se refletiram na balcanização dos sindicatos de enfermagem, greves e destaque de figuras individuais, mas que julgo terem sido fogos-fátuos, arrivismos sem compromisso coletivo e confusão de papéis entre sindicatos e OE que não trouxeram uma melhor carreira, um maior prestígio para a profissão nem, hoje constato, uma maior participação política dos enfermeiros.
A participação política segundo uma definição possível, corresponde ao envolvimento ativo e voluntário dos cidadãos no processo de decisão pública, sendo um dos pilares da democracia e está consagrada como direito fundamental na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Das diversas formas de participação política a mais comum são as atividades eleitorais, mecanismo primordial de transmissão das preferências políticas dos cidadãos aos seus representantes. Assim sendo que transmissão de preferências e ideias para a profissão existe numa massa abstencionista quase total na enfermagem?
Os enfermeiros são cidadãos, com o direito e a responsabilidade de se envolverem ativamente na política, de participar nos processos eleitorais e influenciar as decisões que afetam a profissão, mas que sem acesso a informação clara ou atempada não conseguem participar, ler, estudar e pensar sobre a profissão.
Há um processo de despolitização dos enfermeiros em curso e este reflete-se no afastamento entre eleitos e eleitores, onde uns não têm a força da participação que legitime a sua representação e não investem o exigível para promover a participação na profissão e outros não se sentem motivados para o ato de participação democrática mais simples: votar e escolher.
Para reverter este processo de despolitização e aprisionamento paroquial dos enfermeiros numa ideia simplista de orgulhosamente sós, é fundamental que os enfermeiros se unam e se envolvam numa participação política efetiva. Não necessariamente partidária, mas também, porque os partidos são organizações essenciais à participação política em democracia. Aliás, esta participação efectiva é uma exigência comum à generalidade das profissões e à participação cívica em geral. Devem exigir a concretização do artigo 267.º, n.º 4 da Constituição, quanto às associações públicas: “têm organização interna baseada […] na formação democrática dos seus órgãos”, assegurando uma maior participação e transparência nos processos políticos da profissão.
A profissão não terá futuro sem a participação política dos enfermeiros. Só assim será possível construir um caminho em que podemos ser uma profissão impulsionadora de mudanças nas políticas de saúde, com dignidade e prestígio profissional reconhecido pelos cidadãos, outras profissões da saúde e pelos órgãos de decisão central do Estado.
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