A primavera está associada à renovação e à esperança. Este é um processo cíclico que repetido vezes sem conta permite pequenas variações. Estas cambiantes são o que permite aos sistemas dinâmicos como os biológicos evoluir por tentativa erro até selecionarem a “solução” mais adequada. Os sistemas são assim, a biologia evolutiva segue estas regras, e igualmente, nas ciências sociais como em qualquer profissão, a renovação de quadros deve ser vista não só como uma transmissão do saber mas também como um mecanismos de evolução e adaptação aos novos desafios.

A “primavera de uma profissão” pode ser reconhecida nas palavras de Alberto Caeiro que a descreveu como a pureza dos olhos de quem vê o mundo pela primeira vez e, que numa renovação própria das emoções sem simbolismos artificiais se exprime pura e plena de uma liberdade primaveril. Porém, nem sempre o início desta uma nova fase é doce e romântica.

“April is the cruellest month”. É assim que T.S. Eliot inicia o seu poema – “The Waste Land”, poema onde se refere às “primaveras da vida” que descreve como cascatas de angústia.

E quantas vezes assim não o é? Quantas vezes já não sentimos a constrição de começar algo de novo? Quantos de nós já não viram nesta nova etapa a perda de amigos e da inefável proteção da família? Quantos de nós já não sentiram a dificuldade de vencer a inércia de ter de caminhar pelos próprios passos?

Quantos não sentiram a dificuldade dos primeiros passos e se sentiram asfixiados por um mérito que não está ao nosso alcance ou não conseguimos compreender? Quantos não se sentiram abandonados numa realidade muito mais fria do que a que romantizaram?

A renovação é necessária mas exige sempre sofrimento e perda. Para uns, mais que para outros, “Abril será sempre um mês difícil e cruel”.

Porém cedo percebe que a aprendizagem é um processo contínuo. Ao fim dos seis exigentes anos do curso de medicina o recém diplomado ainda não é Médico. Ainda não aprendeu a ouvir, a compreender, a sentir pelo outro, a sentir o outro. Ainda não sabe que quando pergunta “Então, quer contar-me o que se passa? Ou, em que posso ser-lhe útil?, pergunta muito mais que a formulação que usa. Diz ao outro, ao colocado à sua frente, que pode confiar em si, que tudo fará para o ajudar, que o seu empenho será total, que usará todo o seu conhecimento para ser útil e, o outro, o que procura apoio e alívio verá em si muito mais que um técnico, um perito, verá em si um Médico.

Ser-se Médico, é algo com que não se nasce, não se ensina. Ser-se Médico aproxima-se mais de um sentimento, e como todos os sentimentos, todos sabemos o significado, mas dificilmente encontramos palavras para o descrever. Podemos dizer que ser médico é ter empatia, raciocínio clínico, responsabilidade, comunicação, resiliência emocional, conhecimento científico, ética, tomada de decisão. A estas oito características poderíamos ainda encontrar outras oito, e oito mais ainda que, ao vê-las a todas, ainda iriamos reconhecer que faltaria algo. E falta sempre! Nunca há palavras adequadas para descrever um sentimento. Há palavras aproximadas, mas são sempre aproximadas.

Ser-se Médico vem do conhecimento, da prática, mas também do que somos e de que forma manifestamos os nossos sentimentos. É por isso que não há dois médicos iguais.

Ser Médico demora tempo, é um processo e o Estado Português, e muito bem, desde 1982 assumiu a formação médica como responsabilidade sua que organizou a nível nacional. Pelo Decreto-Lei 310/82 os internatos Médicos passaram a ser um compromisso do Estado Português, que na actualidade se encontra expresso no Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26 de fevereiro, e regulado pela Portaria n.º 79/2018, de 16 de março, que — Aprova o Regulamento do Internato Médico; e atribui à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), em articulação com a Ordem dos Médicos, a coordenação nacional dos procedimentos de forma a garantir um modelo formativo rigoroso, supervisionado e validado.

Este modelo reconhece o internato médico como uma etapa essencial da formação médica. Estruturado em duas fases — Formação Geral (Ano Comum) e Formação Específica (Especialidade), este percurso constitui não apenas um processo formativo individual, mas também um motor de renovação e dinamização dos serviços de saúde, promovendo a sua atualização científica, inovação clínica e valorização institucional.

Mais do que concebido para a formação de médicos, o internato médico tem um papel estruturante no funcionamento do sistema de saúde. A formação de especialistas é a principal garantia de renovação de quadros clínicos e, ao mesmo tempo, é o motor da atualização permanente dos serviços, forçando a revisão constante de práticas, a adoção de novas evidências e a integração de perspetivas jovens e críticas. É neste equilíbrio entre formação e transformação que se sustenta a qualidade a longo prazo do Serviço Nacional de Saúde, mas também por comunicação de vasos, também é garantia de um Sistema de Saúde mais abrangente.

Durante o ano comum, o médico em início de carreira aprende a integrar a ciência com o contacto humano e com a tomada de decisão sob supervisão. É um tempo fundamental para o desenvolvimento de competências clínicas transversais, mas também para a descoberta da vocação profissional, ao permitir o contacto próximo com várias especialidades e realidades do sistema de saúde. Ao garantir uma base sólida de experiência e reflexão, o “Ano Comum” torna-se uma fase determinante na formação do médico e um momento crítico para preparar escolhas futuras bem fundamentadas.

Concluída a Formação Geral e após a realização da Prova Nacional de Acesso (PNA), o médico inicia a Formação Específica, com duração entre 4 e 6 anos. Durante esta fase o médico aprofunda competências clínicas, científicas e humanas previstas para a especialidade, parametrizadas e objetivadas pelos Colégios da Especialidade, através de estágios organizados, formação teórica e prática supervisionada.

A qualidade desta formação depende em grande medida, da idoneidade dos serviços de saúde onde decorre. A experiência formativa, a qualidade formativa, os indicadores de desempenho e os recursos formativos de cada Serviço deveriam ser o denominador em que a formação deveria assentar. Infelizmente, o processo não cumpre sempre estes requisitos, observando-se a abertura de vagas mais determinadas pela pressão política do momento que por um planeamento efetivo das necessidades ou o reconhecimento e permeio das capacidades e competências formativas.

A formação médica é uma temática demasiado séria para que a Ordem dos Médicos tenha apenas uma responsabilidade marginal, devendo por isso, e logo à partida, pugnar por um modelo que reconheça o mérito formativo, com formadores remunerados para o efeito, e que incentive os serviços com capacidade formativa de forma que estes cumpram com zelo a nobre missão de orientar o crescimento do potencial Médico.

A formação que propomos é uma formação 360 onde o formando cumpre o plano de formação, de preferência em locais com idoneidade formativa completa, e no final, as competências que desenvolveu são avaliadas num processo claro, em prova nacional isento de subjetividades e de acordo com um modelo conhecido desde a hora zero da sua formação. O modelo que propomos prevê ainda que ao formador sejam exigidas as atribuições necessárias ao desempenho através de formação específica, e que a avaliação final o seja num conceito 360, i.e., para formando e formador.

Para nós, o interno é um médico em formação. De forma alguma é aceitável que um médico em período formativo seja considerado um recurso fixo do Serviço. Médico em formação é Médico em formação. Este é para nós um ponto de honra.

A aprendizagem médica faz-se com a prática e o médico em formação tem de praticar. E esta prática para todos os efeitos é trabalho e como tal tem de ser remunerado. Agora o principal objectivo de quem se encontra em formação é a sua formação e não ser tomado como o elo mais fraco de uma hierarquia, aquele a quem tudo é pedido e exigido, muitas e tantas vezes sob a forma de assédio e de “bullying”.

Enquanto nova SRNOM não iremos tolerar este tipo de procedimentos e promoveremos canais fáceis e seguros de denúncia e faremos depender a atribuição de idoneidade formativa das boas práticas existentes.

Concluída a formação, termina o compromisso assumido entre entidades formadoras e formando, cabendo então ao recém especialista optar por uma das múltiplas carreiras e opções que tiver no momento como adequadas.

A formação médica é um tópico demasiado sério e de responsabilidade acrescida para ser deixado ao arbítrio de modas, tendências políticas ou caprichos dos pequenos poderes das chefias intermédias. Enquanto SRNOM iremos corrigir o que houver a corrigir e promover a Confiança numa formação Médica que queremos de qualidade. É para isso que somos candidatos, é para isso que somos Lista C, candidatos por uma Ordem com Confiança.