"Não faz sentido parar a vacinação", declarou esta segunda-feira Bruno Riou, da Assistência Pública-Hospitais de Paris (AP-HP), na emissora France Inter. "É como se disséssemos: 'Houve um acidente de carro com alguém vacinado, vamos proibir a condução ou suspender a vacinação".
Hoje, Portugal, Alemanha, França e Itália suspenderam a vacina até pelo menos quinta-feira, quando o regulador europeu emitirá um novo parecer. Desde a semana passada, vários países tomaram a mesma decisão.
A Áustria iniciou o movimento a 8 de março suspendendo um lote de vacinas após a morte de uma enfermeira que acabara de receber uma dose da AstraZeneca. A mulher de 49 anos morreu devido a má coagulação do sangue.
Desde então, outros países seguiram o embalo. Sempre que há situações suspeitas, as autoridades sanitárias reagem, divulgando informação sobre pessoas vacinadas que desenvolveram problemas sanguíneos que às vezes são fatais.
São dificuldades de coagulação, como na Áustria, ou formação de coágulos sanguíneos (trombose), para o qual apenas um caso grave foi notificado em França após a administração de uma vacina AstraZeneca.
Mas as autoridades em questão reconhecem: não há ligação comprovada entre esses problemas de saúde e essa vacina, além da sequência cronológica. A suspensão é temporária, a fim de garantir que tal relação não existe, o que requer uma investigação científica.
É um clássico princípio da precaução que conta com o apoio de alguns pesquisadores. "Quando usamos um produto relativamente recente, como todas essas novas vacinas, devemos monitorar e assim que há um sinal, mesmo que não acreditemos, devemos parar tudo", estimou, por seu turno, na quinta-feira a vacinologista suíça Claire-Anne Siegrist.
Mas a abordagem preocupa muitos outros profissionais, que apontam que esses problemas de saúde não parecem mais frequentes após a vacina AstraZeneca do que após as outras atualmente distribuídas na Europa, Pfizer/BioNTech e Moderna.
Longe demais
Este é o argumento utilizado pelo próprio grupo. Numa nota divulgada no domingo, a AstraZeneca ressaltou que os casos de trombose após receber a sua vacina são "semelhantes" aos das suas contrapartes.
Essas afirmações são corroboradas por números oficiais do Reino Unido, um dos países mais avançados na sua campanha de vacinação que também testemunhou a natureza extremamente rara da trombose.
Foram 35 em 9,7 milhões de pessoas que receberam a dose da AstraZeneca - 0,0004% - e 24 dos 10,7 milhões da Pfizer/BioNTech - 0,0002%. Em cada categoria, houve apenas uma morte.
"Obviamente, a proporção (...) não é diferente", sublinha em comunicado Stephen Evans, epidemiologista da London School of Hygiene and Tropical Medicine, citado pela organização Science Media Center, e que lamenta a suspensão da vacina em vários países.
"É inteiramente razoável estudar cuidadosamente as ligações entre as vacinas e os problemas de coagulação, mas estamos a ir longe demais em (impedir) que as pessoas recebam vacinas que podem evitar que adoeçam", insiste.
Segundo a AstraZeneca, os casos de trombose são ainda significativamente menos frequentes do que a média da população.
Isso não significa, porém, que a vacina seja isenta de efeitos secundários. Em França, dados do regulador de medicamentos, ANSM, mostram que são mais frequentes de serem relatados com a AstraZeneca (0,66%) do que com a Pfizer/BioNTech (0,19%) ou Moderna (0,12%).
Na maioria das vezes, não são sérios. Quando mais complicadas, a grande maioria são síndromes próximas à gripe com, por exemplo, acessos de febre intensa.
Alguns efeitos podem, no entanto, ser ainda mais graves, como reações alérgicas que impedem a respiração. A União Europeia acrescentou esse efeito colateral há poucos dias à lista de potenciais efeitos secundários da vacina da AstraZeneca, ainda que os casos sejam excepcionais: 41 em cinco milhões.
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