Este artigo de opinião aborda uma questão muito importante para quem, como eu, é profissional de saúde, e realiza também atividades de investigação em Ciências da Saúde, nomeadamente em Enfermagem. Propõe-se com este artigo um estímulo à inquietação e reflexão críticas de cada leitor, à medida que se desenvolve, embora de forma sumária, um percurso evolutivo entre duas personalidades que em muito já contribuíram no âmbito do estudo e investigação na área das emoções. Este percurso inicia-se com Espinosa e o seu legado, entretanto continuado por António Damásio.
A relevância de Baruch Espinosa reside na compreensão neurofisiológica das emoções, mas igualmente pela influência que teve e continua a ter na investigação produzida por António Damásio, até aos dias de hoje.
Para Espinosa, o termo afeto acarreta um enorme significado, que importa clarificar, pois o seu principal interesse de investigação centrou-se no mecanismo processual dos afetos. Ao definir-se afeto como algo que pode potenciar ou reduzir a ação de um corpo, Espinosa entendia que a gestão e regulação afetivas representa uma condição essencial para o equilíbrio da vida individual, assim como para a sua própria felicidade. E relativamente a Damásio, será a palavra afeto, à semelhança de Espinosa, a questão nuclear nos estudos que tem desenvolvido?
Neste propósito, António Damásio, procura respostas para o comportamento individual com base nas emoções, ao considerar que exercem um papel fundamental em toda a ação e interação humanas, pelo que é impensável que o processo de desenvolvimento social e cultural seja inerente apenas a uma base racional. Deste modo, paralelamente ao que assume Espinosa, por meio dos afetos, o neurocientista preconiza que as emoções têm uma função regulatória na vida de cada pessoa, facilitando, por exemplo, a capacidade de adaptação, ao longo da sua existência. No seu entendimento, as emoções interferem no processo de sentir, corroborando com Espinosa, assumindo que estas surgem antes dos sentimentos.
As semelhanças entre as teorias de Espinosa e Damásio fazem sentir-se num outro plano. Deste modo, ambos defendem que a gestão dos afetos e das paixões, por parte do filósofo, e dos sentimentos, presentes em Damásio, são promotores de crescimento individual, social e cultural, em detrimento de paixões tristes, como a inveja, o ciúme, o medo, o desprezo e a repugnância, consideradas patológicas e colocando em causa o bem-estar emocional no futuro de cada pessoa.
O corpo e a mente estão, assim, em relativa harmonia, pois a interação entre si é o meio pelo qual existem respostas autonómicas, endócrinas e músculo-esqueléticas inerentes à condição humana. Ou seja, as emoções contribuem de forma decisiva para preparar o corpo para a ação. Esta constatação não corrobora com as posições da filosofia cartesiana, que estabelecia uma total autonomia do corpo e da mente, desprovidas de qualquer relação entre as duas entidades.
Damásio contraria Descartes e Kant, perspetivando um comportamento humano assente numa base racional e intimamente ligado a aspetos emocionais, segundo o qual, o homem pode, só assim, ser totalmente livre na sua existência.
Fruto das investigações em neurobiologia, o autor considera ainda que esta sua tese pode contribuir para se compreenderem de forma mais robusta situações problemáticas de cariz universal e que se relacionam com questões afetivas, éticas, culturais e religiosas entre os seres humanos, representando simultaneamente num enorme desafio para o pensamento científico da atualidade.
Os sistemas de emoções, como são atualmente designados na comunidade científica, descrevem de forma pormenorizada um sistema complexo de integração de processos emocionais, cognitivos e de homeostasia, envolvendo uma rede de interligações entre diversas zonas do Sistema Nervoso. Não obstante se reconhecer os avanços que a investigação científica tem realizado, é expectável e desejável mais investigação que consiga explicar ainda de forma mais sistematizada a forma como os impulsos emocionais e motivacionais influenciam a nossa forma de ser e de estar em comunidade.
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