A empregabilidade das pessoas com deficiência tem sido, ao longo dos anos, uma questão de extrema relevância, mas também de grande negligência. Muitas vezes, o discurso público distorce a realidade ao insinuar que a principal razão para que mais de 60% das pessoas com deficiência vivam no limiar da pobreza se deve à falta de vontade ou iniciativa por parte dessas mesmas pessoas. No entanto, este argumento ignora fatores estruturais profundos que impedem uma integração efetiva no mercado de trabalho. A realidade é que a falta de oportunidades, aliada a preconceitos enraizados e barreiras institucionais, continua a impedir que muitas pessoas com deficiência possam alcançar uma vida profissional digna e sustentável.
A acessibilidade ao emprego para pessoas com deficiência continua a ser um desafio que Portugal ainda não conseguiu superar. Se, por um lado, o país regista um número recorde de contribuintes para a Segurança Social – atualmente, mais de 5 milhões –, por outro, as barreiras burocráticas, a falta de incentivos reais e a escassa informação sobre medidas de apoio continuam a perpetuar uma realidade de exclusão e desigualdade. As quotas de contratação de pessoas com deficiência, por exemplo, são obrigatórias apenas para médias e grandes empresas que ultrapassam um determinado número de colaboradores, deixando de fora uma grande fatia do tecido empresarial português, composto essencialmente por pequenas e médias empresas. Essa limitação compromete significativamente o impacto dessas políticas de inclusão, dado que a maioria das oportunidades de emprego no país advém de empresas de menor dimensão.
Além disso, os incentivos à contratação são ainda insuficientes e demasiado burocráticos. A exigência de inscrição no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) como requisito para aceder a estas medidas pode representar, por si só, um obstáculo para muitas pessoas com deficiência. O processo moroso, a escassez de benefícios tangíveis para as empresas e a falta de sensibilização para as potencialidades destes profissionais fazem com que muitas oportunidades de emprego nunca se concretizem. A adaptação dos postos de trabalho, frequentemente apontada como um custo extra pelas empresas, deveria ser totalmente assumida pelo Estado, eliminando assim qualquer desculpa que justifique a não contratação. Num cenário ideal, a criação de linhas de financiamento específicas para a adaptação dos espaços de trabalho e a introdução de apoios técnicos e tecnológicos melhoraria substancialmente a empregabilidade destas pessoas.
O problema não é a existência de apoios, mas sim a forma como são estruturados. A ideia de que o Estado deve suportar integralmente o custo salarial das pessoas com deficiência para que estas possam trabalhar não só é irrealista, como desvaloriza a competência e o contributo que estas pessoas podem efetivamente trazer para as empresas. O que se exige não é caridade, mas sim um compromisso sério e eficaz para integrar estes cidadãos no mercado de trabalho de forma justa e equitativa. As políticas públicas devem ser ajustadas para garantir que as pessoas com deficiência são vistas como profissionais qualificados e valorizados pelo seu mérito e capacidades, e não apenas como beneficiários de medidas compensatórias.
Nesta altura do ano, assinalam-se datas importantes para a comunidade com deficiência auditiva, nomeadamente o Dia Internacional do Implante Coclear a 25 de fevereiro e o Dia Mundial da Audição a 3 de março. Enquanto presidente e sócio fundador da Associação OUVIR, reforço a necessidade de promover uma maior consciência sobre as necessidades das pessoas com deficiência auditiva, especialmente daquelas que recorrem a tecnologias de reabilitação auditiva para ouvir. Infelizmente, existe ainda um grande desconhecimento sobre a importância destes dispositivos e sobre a forma como podem facilitar a comunicação e a integração no meio profissional. A tecnologia evoluiu significativamente nos últimos anos, permitindo que muitas pessoas que antes estavam excluídas de ambientes comunicativos possam agora participar ativamente na sociedade e no mundo do trabalho. Contudo, a acessibilidade a essas tecnologias ainda não é universal e muitas pessoas enfrentam dificuldades económicas para obter ou manter aparelhos auditivos e implantes cocleares em condições ideais de funcionamento.
As pessoas com deficiência auditiva não precisam de ouvir ou falar com a mesma qualidade de um ouvinte para serem profissionais competentes e produtivos. A concentração, o rigor e a capacidade autodidata são apenas algumas das características que muitas dessas pessoas desenvolvem ao longo da vida e que podem ser altamente valorizadas no ambiente de trabalho. Com o avanço tecnológico, os meios de comunicação tornaram-se mais acessíveis do que nunca, permitindo uma participação plena e ativa de pessoas com deficiência auditiva na sociedade e no mercado de trabalho. Ferramentas como legendagem automática, aplicativos de transcrição em tempo real e sistemas de som adaptados são apenas alguns exemplos de como a tecnologia pode contribuir para uma comunicação mais eficaz. Contudo, sem políticas públicas e empresariais que incentivem a adoção destas soluções, muitas oportunidades continuam a ser desperdiçadas.
É fundamental desconstruir mitos e preconceitos que continuam a marginalizar as pessoas com deficiência. A sociedade não pode continuar a encarar a deficiência como um entrave absoluto ao desempenho profissional, mas sim como uma realidade que, com as adaptações e apoios certos, pode ser plenamente integrada no tecido laboral. Portugal tem agora uma oportunidade única para transformar a inclusão em ação concreta, utilizando o aumento das contribuições à Segurança Social como um motor para converter o desemprego entre as pessoas com deficiência em empregos dignos, justos e motivadores. É necessário um esforço conjunto entre o Estado, as empresas e a sociedade civil para criar condições reais de inclusão, garantindo que ninguém fica para trás por falta de oportunidades ou por barreiras evitáveis.
No final de contas, a inclusão laboral das pessoas com deficiência não é apenas uma questão de justiça social, mas também de desenvolvimento económico e inovação. A diversidade no local de trabalho traz benefícios a todos, fomentando um ambiente mais dinâmico, criativo e produtivo. Assim, apelo a todos – governantes, empresários, instituições e cidadãos – para que assumam um compromisso real com a inclusão, pois só assim conseguiremos construir uma sociedade mais justa, equitativa e preparada para responder aos desafios do futuro.
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