Segundo Isabel Gonçalves, responsável pela Unidade de Hepatologia e Transplantação Hepática Pediátrica (UHTH), que hoje completa 30 anos de atividade, trata-se de uma “diminuição positiva”, que já é observada nos Estados Unidos da América e nos principais centros da Europa e com “tendência para continuar”.
A especialista sublinhou à agência Lusa que a redução se deve “ao facto da otimização de cuidados médicos na doença crónica ter melhorado muito ao longo destes 30 anos e, particularmente, nos últimos 15, terem surgido no mercado novos fármacos para doenças congénitas, que provavelmente vão minorar muito dos sintomas e manter estes doentes muito mais estáveis, se calhar até à vida adulta”.
“Provavelmente, vamos passar muitas das indicações de transplante na idade pediátrica para 30 ou 40 anos depois, já na idade adulta. Isto é uma expectativa, uma previsão e algo com que concordamos nas nossas redes europeias quando discutimos o assunto”, frisou.
Por outro lado, Isabel Gonçalves apontou para mais alternativas médicas nos casos de falência hepática repentina em crianças saudáveis e um suporte de cuidados intensivos pediátricos “completamente diferente dos primeiros 15 anos de programa de transplantação”.
“O nosso objetivo é conseguir salvar todas as crianças em falência hepática, de forma que elas voltem à sua vida normal com o seu fígado e que não tenham de ser transplantadas”, salientou.
A coordenadora da UHTH adiantou que a média de transplantes anuais no único centro nacional era de 10 a 12 por ano, excetuando o ano de 1997 em que foram efetuados 17, mas que a tendência é para transplantar sete a oito por ano.
Nestes 30 anos de atividade, aquela unidade realizou 307 transplantes em 260 crianças, já que algumas têm de ser novamente intervencionadas, sendo que em 2023 foram efetuados nove transplantes.
A unidade de transplantes hepáticos pediátricos do CHUC recebe as crianças e jovens dos países de língua oficial portuguesa (PALOP), que desde 1997 representam entre 10 a 12% do total de transplantes efetuados, embora nos últimos tempos o número também tenha diminuído.
A formação de elementos para as equipas de transplantes continua a ser, segundo Isabel Gonçalves, desde o início da unidade, um problema e um desafio dos centros de baixo volume como o de Coimbra, devido à dificuldade em “conciliar os gastos com os números da atividade”.
“A minha maior preocupação, que já vem desde o início [do programa de transplantação], é conseguir, com este volume anual, que pessoas mais novas substituam, em quatro ou cinco anos, um mais velho, que vai naturalmente ter de abandonar”, sustentou.
A coordenadora da UHTH realçou que a tutela “sempre fez um esforço enorme para que o programa efetivamente não tivesse limitações de alguma ordem ao seu normal funcionamento”, mas reconhece que “são investimentos em saúde com custos muito elevados e que quando um centro tem mais volume tem dificuldade em fazer formação”.
Ao longo das três décadas de existência, aquela unidade tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida de centenas de crianças, muitas delas já adultas, como é o caso de Fernanda (nome fictício), de Lisboa, de 40 anos, transplantada aos 14 anos, devido a uma doença congénita detetada em bebé.
“Com o transplante, a minha qualidade de vida melhorou, mas não foi logo, pois é preciso alguma adaptação, que é coisa de anos, e depois pude fazer uma vida normal, embora tenha de ter alguns cuidados quando está tempo quente ou frio, porque o sistema imunitário ficou mais fragilizado”, disse à agência Lusa.
Fernanda alerta para a necessidade dos transplantados e das famílias terem acompanhamento psicológico depois das situações clínicas estabilizadas para se perceber como as crianças e jovens e os pais lidam com a doença, “se aceitam, não aceitam ou se estão revoltados”.
Pegando na sua experiência laboral, pede também proteção no trabalho, para que as pessoas transplantadas não sejam preteridas em favor de trabalhadores completamente saudáveis.
Às crianças e jovens que estão para ser transplantados, Fernanda deixa uma mensagem de esperança numa vida que, apesar de ir “ter altos e baixos, terá uma qualidade de vida, no geral, que não tem nada a ver” com a situação anterior à transplantação, pese embora cada um “tenha de perceber até onde pode ir” nas suas atividades.
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