Os dados mais recentes, divulgados no Fórum Económico Mundial, não enganam: combater esta menor atenção dada à saúde das mulheres, em comparação com a dos homens, permitiria estimular a economia mundial com 920 mil milhões de euros por ano até 2040.

Dados apontam que as mulheres são diagnosticadas mais tarde do que os homens em relação a 700 doenças diferentes. Se aliarmos isto ao facto de as doenças ginecológicas, como é o caso dos cancros, serem detetadas tardiamente devido ao facto de serem silenciosas, percebemos a urgência de investir na saúde das mulheres, um dos melhores investimentos que os países podem fazer nas suas sociedades e economias.

Ao longo dos últimos séculos, a longevidade sofreu um enorme avanço, com a esperança média de vida a passar dos 30 para os 73 anos entre 1800 e 2018. Ainda assim, e apesar de ter uma esperança média de vida superior, em média, uma mulher passará nove anos com problemas de saúde, mais 25% em relação aos homens.

Falámos sobre este tema com Filipa Proença Pontes, médica oncologista da Unidade de Tumores Ginecológicos da ULS Dão Lafões.

Considerando que muitas vezes são assintomáticos em estágios iniciais, qual é a importância da deteção precoce dos cancros ginecológicos?

A deteção precoce dos cancros ginecológicos está relacionada com um melhor prognóstico da doença. O tratamento pode ser mais eficaz, e as opções de tratamento podem ser menos invasivas. A deteção precoce muitas vezes permite uma gama mais ampla de opções de tratamento. Em estágios iniciais, cirurgias menos extensas e tratamentos menos agressivos podem ser suficientes, reduzindo o impacto físico e emocional sobre a doente. Detetar o cancro em estágios iniciais pode ajudar a prevenir a disseminação do tumor para outras partes do corpo, reduzindo assim a morbidade (impacto na saúde) e a mortalidade associadas à doença. O tratamento precoce pode ainda ajudar a preservar a função dos órgãos afetados e, portanto, melhorar a qualidade de vida da doente após o tratamento.

Como é que avalia a eficácia dos programas de rastreio, como o exame de Papanicolau, na prevenção e deteção precoce dos cancros ginecológicos?

O exame de Papanicolau é projetado para identificar alterações nas células do colo do útero que podem indicar lesões pré-cancerosas ou cancro cervical em estágios iniciais. Ao detetar essas alterações precocemente, é possível intervir antes que o cancro se desenvolva. Os programas de rastreio, quando implementados de maneira eficaz, demonstraram ainda reduzir significativamente a incidência e a mortalidade do cancro cervical. O principal objetivo do rastreio é identificar anormalidades precoces para que intervenções médicas possam ser realizadas. A deteção precoce através de programas de rastreio contribui para um tratamento mais eficaz e menos invasivo. Isso não aumenta apenas as taxas de sobrevivência, mas também melhora a qualidade de vida das mulheres, reduzindo a necessidade de tratamentos mais agressivos. Além dos exames em si, os programas de rastreio também desempenham um papel importante na educação e conscientização das mulheres sobre a importância dos exames regulares, sintomas a serem observados e medidas preventivas.

Além dos sintomas físicos, que manifestações emocionais ou psicológicas podem estar associadas ao diagnóstico dos cancros ginecológicos, e como podem ser abordadas pelos profissionais de saúde?

O diagnóstico de cancros ginecológicos pode desencadear uma variedade de manifestações emocionais e psicológicas nas doentes. Algumas dessas reações podem incluir ansiedade em relação ao tratamento, receios sobre o futuro e a incerteza da doença, podem ser experiências comuns. O diagnóstico de um cancro ginecológico pode levar à depressão. Em alguns casos, as doentes podem experimentar sentimentos de vergonha ou estigma associados aos cancros ginecológicos devido à natureza íntima dos órgãos afetados. O tratamento para o cancro ginecológico, como cirurgias e terapias hormonais, pode impactar a sexualidade e a imagem corporal, levando a preocupações e ansiedades. Algumas doentes podem se sentir isolados de amigos e familiares devido à natureza sensível do diagnóstico ou porque não se sentem compreendidos.

Os profissionais de saúde desempenham um papel crucial no apoio emocional durante o processo de diagnóstico e tratamento. Encaminhar as pacientes para serviços de aconselhamento psicológico pode ajudar a lidar com as emoções complexas associadas ao diagnóstico. Fornecer informações claras e compreensíveis sobre o cancro ginecológico, tratamentos e expectativas pode reduzir a ansiedade associada à incerteza. A integração de profissionais de saúde mental na equipa de cuidados oncológicos pode garantir uma abordagem multidisciplinar no tratamento. Encorajar as doentes a partilhar suas preocupações e sentimentos pode ajudar na compreensão de suas necessidades emocionais e no desenvolvimento de estratégias para enfrentar a doença.

De que forma é que uma abordagem multidisciplinar pode beneficiar o tratamento dos cancros ginecológicos, especialmente em casos avançados ou recorrentes?

Uma equipa multidisciplinar envolvendo oncologistas, cirurgiões, radiologistas, patologistas, enfermeiros e profissionais de saúde mental pode colaborar para criar um plano de tratamento abrangente e personalizado para cada doente. Em casos avançados ou recorrentes, pode ser necessário combinar diferentes modalidades de tratamento, como cirurgia, radioterapia, quimioterapia, terapias hormonais ou imunoterapia. Uma equipa multidisciplinar pode coordenar essas terapias de maneira eficaz.

Além do tratamento direcionado para o cancro, a equipa multidisciplinar pode avaliar e abordar as necessidades gerais de saúde da doente, incluindo a gestão de sintomas, o suporte nutricional e a saúde emocional. Uma equipa multidisciplinar pode ainda ajudar na gestão desses efeitos colaterais relacionados com os tratamentos, proporcionando maior conforto e qualidade de vida.

A colaboração entre diferentes especialidades pode ainda facilitar o acesso a ensaios clínicos e terapias inovadoras, oferecendo opções adicionais de tratamento para doentes com casos avançados ou recorrentes.

De salientar ainda que os profissionais de saúde mental, assistentes sociais e conselheiros podem integrar a equipa para fornecer suporte emocional e social, ajudando as doentes a enfrentar os desafios psicológicos associados ao diagnóstico e tratamento do cancro.

Quais são as estratégias mais eficazes para aumentar a conscientização sobre os sintomas dos cancros ginecológicos entre as mulheres e encorajá-las a procurar cuidados médicos precoces?

Algumas estratégias eficazes para aumentar a conscientização incluem:

  • Campanhas de Saúde Pública: Desenvolver campanhas de saúde pública que abordem os sintomas dos cancros ginecológicos, utilizando diferentes meios de comunicação, para atingir um público amplo.
  • Educação nas Escolas e Comunidades: Integrar a educação sobre saúde reprodutiva e os sinais de alerta dos cancros ginecológicos nos currículos escolares e realizar sessões de conscientização em comunidades locais.
  • Eventos de Sensibilização: Organizar eventos, como palestras, seminários e workshops, para informar as mulheres sobre os cancros ginecológicos, seus fatores de risco e a importância da deteção precoce.
  • Envolver Profissionais de Saúde: Incentivar os profissionais de saúde a conversar abertamente sobre os sintomas dos cancros ginecológicos durante consultas médicas de rotina e exames ginecológicos.
  • Testemunhos de Sobreviventes: Partilhar histórias de mulheres que enfrentaram e superaram os cancros ginecológicos pode inspirar outras a buscar cuidados médicos precoces.
  • Programas de Rastreio Gratuitos ou Acessíveis: Oferecer programas de rastreio gratuitos ou acessíveis para mulheres em comunidades carentes ou com dificuldades de acesso aos cuidados de saúde.

Que consequências sociais e individuais podem surgir devido ao diagnóstico tardio ou tratamento inadequado dos cancros ginecológicos?

O diagnóstico tardio muitas vezes está associado a um prognóstico menos favorável. O tratamento pode ser mais desafiador e as taxas de sobrevivência podem ser reduzidas. Em casos de diagnóstico tardio, podem ser necessárias intervenções mais invasivas, como cirurgias mais extensas, radioterapia agressiva e tratamentos mais intensivos, o que pode impactar negativamente na qualidade de vida. Alguns tratamentos, como cirurgias extensas e radioterapia pélvica, podem afetar a fertilidade.

Em termos de impacto social o diagnóstico tardio e tratamento inadequado podem aumentar os custos para os sistemas de saúde devido à necessidade de tratamentos mais intensivos e prolongados.

O diagnóstico tardio pode impactar negativamente a rede de apoio social, colocando pressão sobre familiares e amigos que podem se tornar cuidadores.

Quais são os principais mitos ou equívocos sobre os cancros ginecológicos que seriam importantes esclarecer junto das mulheres?

É crucial esclarecer mitos e equívocos sobre os cancros ginecológicos para garantir que as mulheres tenham informações precisas e tomem decisões informadas sobre sua saúde. Alguns dos principais mitos que precisam ser esclarecidos incluem:

"Apenas mulheres mais velhas podem ter cancros ginecológicos." - Cancros ginecológicos podem afetar mulheres de todas as idades, inclusive jovens.

"Se eu não tiver sintomas, não preciso me preocupar com cancros ginecológicos." - Muitos cancros ginecológicos podem ser assintomáticos em estágios iniciais. Exames de rotina, como o Papanicolau, são essenciais mesmo na ausência de sintomas.

“Cancros ginecológicos são sempre hereditários." - Embora exista uma componente genética em alguns casos, a maioria dos cancros ginecológicos ocorre devido a fatores ambientais e de estilo de vida.

"Cancros ginecológicos são sempre fatais." - Com a deteção precoce e avanços nos tratamentos, muitos cancros ginecológicos são tratáveis e têm taxas de sobrevivência favoráveis.

"Se eu tiver HPV, certamente desenvolverei cancro cervical." - O HPV é comum, e a maioria das infeções resolve-se sozinha. Apenas alguns tipos de HPV estão associados a um maior risco de cancro cervical.