HealthNews (HN) – Numa recente entrevista falámos sobre a criação de uma formação executiva que permitisse conhecer o “end-to-end” de uma empresa farmacêutica multinacional. Há alguma novidade?

Daniel Guedelha (DG) – É com enorme satisfação que partilho que, em fevereiro, irá começar a primeira formação em Portugal sobre o “end-to-end” das empresas farmacêuticas multinacionais: “Global Pharmaceutical Industry: Patient, Strategy and Innovation” (A). Esta formação será dada por líderes com enorme experiência na indústria, e terá dois “business cases” que serão trabalhados pelos participantes. Pretendemos que este curso tenha espaço para fazer muitas perguntas e desafiar de forma construtiva os vários tópicos. Queremos criar valor, inspirar a inovação e ter um impacto real no cluster farmacêutico em Portugal. Para o conseguirmos dividimos o curso em três blocos que refletem as grandes áreas da indústria farmacêutica global (ver imagem).

HN – Pode relembrar o porquê deste curso? E pode dar-nos mais detalhes sobre a forma como chegaram a este programa?

DG – Olhando para o ecossistema da indústria farmacêutica em Portugal podemos dividir as empresas em dois grandes blocos: multinacionais com presença em Portugal e empresas de ADN português (ver imagem).

Começando pelas multinacionais com presença em Portugal: As sedes destas empresas têm um impacto muito significativo na economia global, sendo que cada uma das cinco maiores empresas farmacêuticas globais têm vendas anuais superiores a 50 mil milhões de euros (B). A título de comparação, o PIB português ronda os 250 mil milhões (C), sendo que estas cinco empresas ultrapassam em vendas o PIB do nosso País. Sendo o peso mundial destas empresas tão relevante é muito importante perceber como funciona a sua estratégia global, qual o papel da tecnologia, da liderança e como estão a ser pensados os novos modelos de negócio. É esta visão global que vamos abordar no módulo “Strategy and Business”.

A indústria da área da saúde investe mais de 12% das suas vendas em investigação e desenvolvimento (D), sendo das indústrias que mais investem nesta importante área de inovação. Em Portugal as multinacionais farmacêuticas têm sobretudo presença comercial, nomeadamente nas áreas de marketing/vendas e também uma importante componente de atividade no acesso ao mercado e na área médica. Assim, a investigação e desenvolvimento destas multinacionais acaba por estar muito pouco representada em Portugal, o que faz com que o conhecimento dos nossos talentos nestas áreas seja menos profundo. O módulo “R&D and Operations” procura elevar esse conhecimento. Para isso, teremos dois líderes de empresas globais (Roche e Novartis) a viajar das sedes destas empresas, na Suíça, para partilhar o seu conhecimento e permitir uma interação pessoal com todos os participantes.

O módulo “Patient and Health System” vai centrar a discussão no doente, fazer a ponte entre as estratégias globais e o sistema de saúde português e ainda, olhar para o Value-Based Healthcare e as tendências futuras na área da saúde. O curso irá fechar com a apresentação por parte dos participantes de “business case” reais que queremos que sejam estimulantes, e que possam ser utilizados e implementados nas suas organizações.

Uma nota de louvor para as empresas de ADN português, que mesmo em condições menos favoráveis, têm conseguido investir também em investigação e desenvolvimento. Apesar do seu trabalho notável (que quero deixar claro nesta entrevista que muito admiro), estas empresas têm uma dimensão pequena à escala global e mesmo Europeia. Tendo eu passado por M&A e Business Development e constatado o excelente talento que o nosso País tem, acredito que seria importante equacionar a criação de uma grande empresa nacional com vendas superiores a mil milhões de euros e que resultasse da junção de algumas das empresas de topo nacional. Respeitando as tradições das empresas familiares com uma longa e meritória história, essa empresa permitiria criar músculo financeiro nacional e, quiçá, uma empresa farmacêutica de dimensões médias no contexto europeu.

HN – Falando em talento: Muitas vezes olhamos para a emigração qualificada, nomeadamente na área da indústria farmacêutica, como um “desperdício” do investimento que fizemos na sua educação. Qual é a visão do Daniel?

DG – Não olho para a emigração qualificada como um desperdício, mas sim como uma oportunidade que precisa de ser materializada e alavancada.

Segundo uma estimativa do Observatório da Emigração, mais de 850 mil jovens que têm hoje entre 15 e 39 anos deixaram o país e residem atualmente no estrangeiro (E). Portugal tem imensos talentos espalhados pelo mundo fora e é uma realidade que conheço muito bem. Há mais de 15 anos que trabalho na cidade de Basileia, um dos maiores clusters globais da indústria farmacêutica, e apenas duas empresas (Novartis e Roche) têm mais de 200 portugueses altamente qualificados, talentosos e diferenciados. É um verdadeiro pote de talento.

O facto desse talento ter ido para fora, ganhar outras competências, trabalhar com outras culturas, absorver o que de melhor se faz lá fora (e aprender com os erros), é uma enorme mais-valia. Mas para tornarmos essa emigração qualificada uma vantagem para Portugal, temos de garantir que parte desse talento contribua para o nosso País. Essa contribuição pode ser com o regresso para Portugal, mas um contributo intelectual acrescenta muitas vezes tanto ou mais valor. Temos de assegurar que criamos os canais certos para que esses talentos possam contribuir juntamente com o excelente talento que temos em Portugal, para que possamos continuar esta construção e alavancagem do nosso cluster farmacêutico.

HN – Como pode o cluster farmacêutico beneficiar da diáspora portuguesa? Por onde podemos começar?

DG – Eu acredito que, no centro do desenvolvimento das nossas sociedades, estão as pessoas. Em particular na indústria farmacêutica, sei que temos pessoas com um imenso talento. Um dos eixos fundamentais para o sucesso do nosso País, e em particular na indústria farmacêutica, passa por conseguir ligar o talento da nossa diáspora ao talento que temos em Portugal. É urgente alavancarmos essas ligações e a troca de conhecimento.

O curso “Global Pharmaceutical Industry” tem exatamente essa visão: ligar o talento que está na diáspora com o talento que temos no nosso País. Esta partilha de conhecimento, de inovação e criatividade pretende ter um contributo direto e estratégico para o nosso cluster farmacêutico.

Nos mais de 15 anos em que tenho trabalhado fora de Portugal, constato que existe um número muito elevado de portugueses altamente qualificados com uma enorme vontade de partilhar o fantástico conhecimento adquirido ao longo destes anos. Temos de aproveitar esta oportunidade: as instituições portuguesas (incluindo as universidades) têm de aproveitar este manancial de conhecimento absolutamente incalculável. Deixo aqui o apelo a todos os leitores, se for uma dessas pessoas, que gosta de partilhar o seu conhecimento, por favor entre em contacto comigo (danielguedelha@gmail.com).

Por vezes são as pequenas ideias, simples, que depois de trabalhadas se tornam um verdadeiro motor de mudança. Vamos partilhar, pensar, desenhar estratégias e implementar ideias juntos. Vamos construir e fazer acontecer! Vamos tornar Portugal um País melhor.

Bibliografia

A – https://fm.ucp.pt/pt-pt/global-pharmaceutical-industry-patient-strategy-and-innovation

B – https://www.pharmexec.com/view/2023-pharm-exec-top-50-companies

C – https://www.pordata.pt/portugal/produto+interno+bruto+(pib)-130

D – https://www.efpia.eu/media/637143/the-pharmaceutical-industry-in-figures-2022.pdf

E – https://expresso.pt/sociedade/2024-01-11-Exodo-tem-um-impacto-brutal-30-dos-jovens-nascidos-em-Portugal-vivem-fora-do-pais-6b42d39c