“O vazio causado pela perda e o processo de luto inacabado podem ter um impacto contínuo e devastador nos comportamentos diários dos enlutados, afetando o seu trabalho e saúde mental a longo prazo”, salientou hoje Ana Aguiar, primeira autora do estudo publicado na revista científica Plos One.

Em declarações à Lusa, a investigadora do ISPUP esclareceu que a investigação visava perceber que sentimentos e pensamentos assolaram os portugueses que tinham sofrido a perda de familiares ou amigos desde o início da pandemia.

“Era também nosso interesse perceber de que forma é que a perda tinha alterado o dia-a-dia das pessoas”, afirmou a investigadora, esclarecendo que o estudo partiu de um questionário que esteve disponível ‘online’ entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021 nas redes sociais do instituto da Universidade do Porto.

No inquérito participaram 929 pessoas, sendo que destas, 166 perderam alguém desde o início da pandemia. Destes, 28,3% tinham perdido avós, 22% um amigo e 9% o pai ou a mãe.

Entre os participantes que estavam a vivenciar uma experiência de luto, os investigadores constataram que era “alta” a prevalência de sintomas de ansiedade (30,7%), bem como de depressão (10,2%).

Ao mesmo tempo, a investigação concluiu que os procedimentos ‘post mortem’ desempenhavam “um papel preponderante” no processo de luto dos indivíduos.

“Para percebermos como é que os participantes tinham sentido a perda e o seu impacto no dia-a-dia, deixámos um campo aberto”, esclareceu Ana Sofia Aguiar, acrescentando que, depois da análise de conteúdo temática, os investigadores identificaram “quatro temas comuns” nos diferentes discursos.

A perceção da inadequação do ritual fúnebre, a tristeza, medo e solidão, as mudanças no sono e concentração, e as preocupações com a situação pandémica “resumem o modo como os adultos portugueses vivenciaram a sua perda em vários domínios”.

Destacando que os quatro temas acabam por ter “o mesmo peso”, na medida em que estão correlacionados, Ana Sofia Aguiar defendeu a necessidade de se mobilizarem profissionais para a prestação de cuidados de saúde na área da psicologia.

“A forma como o luto foi alterado e todos os processos difíceis que o luto envolve podem influenciar a nossa capacidade de avançarmos e continuarmos com a nossa vida”, observou, destacando que, se o processo não for bem conseguido, pode “aumentar o risco de problemas de saúde mental” e originar complicações como a depressão, ansiedade e ‘stress’ pós-traumático a longo prazo.

“Uma estratégia para ajudar a ultrapassar esse processo poderá passar pela capacitação dos serviços de saúde que posteriormente lidam com as famílias”, exemplificou a investigadora, defendendo ainda que estes serviços de apoio deveriam ser “sempre gratuitos”.

E acrescentou, “a saúde pública não pode esquecer as questões do luto”.

A investigação, também assinada por Raquel Duarte, do ISPUP, e Marta Pinto, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, recebeu financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e do Programa do Fundo Social Europeu (FSE).