
Healthnews (HN) – Quais são os principais fatores que podem contribuir para as perturbações do sono nas crianças e como podem ser identificados precocemente?
Marta Rios/Maria Helena Estevão (MR/MHE) – Podem ser considerados fatores intrínsecos, relacionados com a genética, temperamento e determinadas patologias (eczema, refluxo, hipertrofia adenoamigdalina, obesidade, doenças respiratórias, neurológicas, do desenvolvimento), e fatores extrínsecos, que envolvem o contexto social e familiar (condições habitacionais, horários e rotinas inadequados, bem como o estado emocional dos cuidadores). Todos estes aspetos devem ser avaliados nas consultas de vigilância infantil.
HN – Que estratégias práticas recomendaria aos pais para estabelecer rotinas de sono adequadas, consoante a faixa etária da criança?
MR/MHE – Uma rotina previsível e consistente, com atividades calmas e horários regulares, é essencial em todas as idades. A partir dos 4-6 meses, o lactente deve aprender a adormecer de forma independente do adulto e da alimentação, devendo ser colocado sonolento no berço, mas ainda acordado. Aos 2-5 anos, as regras e os limites devem ser bem definidos e a rotina do deitar (ex.: higiene, dizer adeus às estrelas, história) não deve ultrapassar 20 min. Entre os 6-10 anos, medo de perigos reais (ex.: assaltos) típicos desta idade, pode afetar o sono. Nestes casos, a criança deve garantir que está segura antes de dormir (ex. verificar portas e janelas).
HN – De que forma o uso de dispositivos eletrónicos antes de dormir influencia a qualidade do sono infantil e quais os limites sugeridos?
MR/MHE – Os dispositivos eletrónicos prejudicam o sono por dois mecanismos: a luz azul emitida pelos ecrãs inibe a produção de melatonina, a hormona responsável pelo início e manutenção do sono, com atraso no adormecer e despertares; a ação estimulante emocional e mental dos seus conteúdos pode gerar medos, com resistência para dormir e pesadelos. O seu uso deve ser limitado a crianças mais velhas e o conteúdo adequado e supervisionado. Devem ser desligados pelo menos uma hora antes de dormir e mantidos fora do quarto.
HN – Como diferenciar entre alterações normais do sono na infância e situações que requerem intervenção especializada, como insónias ou parassónias?
MR/MHE – Situações de insónia que requerem intervenção especializada incluem: associações problemáticas para adormecer (ex.: embalo, mexer no cabelo dos pais), tempo para adormecer>20-30min, despertares frequentes ou prolongados, compromisso diurno (irritabilidade, birras, hiperatividade, dificuldades de aprendizagem), repercussões familiares ou outros sintomas (ressonar, sono agitado, desconforto nas pernas, eczema, refluxo).
Episódios esporádicos de parassónias (despertares confusionais, sonambulismo, terrores noturnos, pesadelos) são comuns em idade pediátrica e não devem ser motivo de preocupação. No entanto, se forem muito frequentes e/ou perturbadores, deve ser procurada ajuda especializada.
HN – Que abordagens são mais eficazes para lidar com a resistência na hora de deitar ou com despertares frequentes durante a noite?
MR/MHE – Na ausência de patologia orgânica, despertares frequentes resultam de associações inadequadas ao adormecer (ex.: leite, colo, presença dos pais), exigindo a mesma associação durante a noite. Deve ser treinado o adormecimento independente no início da noite, na própria cama, com um objeto de transição. Pequenos despertares são normais e não exigem alimentação noturna após os 6-9 meses, nem intervenção dos pais.
A resistência ao deitar é mais frequente a partir dos 2 anos. A privação do sono contribui para um comportamento agitado e opositivo no momento de dormir, pelo que a necessidade de sesta e o horário de ir dormir devem ser respeitados. Rotinas previsíveis, garantindo tempo de atenção dos pais à criança, regras, limites e reforço positivo do bom comportamento ajudam na adaptação.
HN – Qual o papel do pediatra ou de outros profissionais de saúde na orientação de famílias face a desafios específicos do sono das crianças?
MR/MHE – O papel do pediatra e do médico de família é primordial na prevenção e todas as consultas são uma oportunidade para abordar este assunto desde os primeiros meses. Dar conselhos em idades-chave, esclarecer sobre o que é normal e adequar as expectativas parentais, bem como avaliar sintomas, identificar problemas e tratar e/ou referenciar atempadamente são aspetos fundamentais.
A Dra. Marta Rios é Pediatra do Centro Materno-Infantil do Norte (ULS Santo António) e Membro da Direção da Associação Portuguesa do Sono
A Dra. Maria Helena Estêvão é Pediatra do Centro Cirúrgico de Coimbra e Membro dos Corpos Sociais da Associação Portuguesa de Sono
Entrevista MMM
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