Em Portugal, estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas vivem com diabetes, mas cerca de 40% desconhece que tem a doença. Quais são as principais razões para que isso aconteça?
Certamente, o subdiagnóstico da diabetes é um problema nos nossos sistemas de saúde. A principal razão para que isso aconteça é haver uma consciência limitada sobre a doença, tanto por parte dos profissionais de saúde como da população em geral. No momento do diagnóstico, a diabetes tipo 2 tende a ser assintomática. Assim, o diagnóstico é muitas vezes acidental, num contexto de análise laboratorial feita por outra razão. Isso não deveria acontecer. Sabemos que, apesar de ser silenciosa no início, a diabetes tipo 2 surge mais frequentemente em pessoas com determinados fatores de risco: idade avançada, obesidade abdominal, hipertensão arterial, sedentarismo, historial familiar de diabetes tipo 2. Portanto, para corrigir esses 40% que têm a doença e ainda a desconhecem, deveríamos ser proativos e realizar ou solicitar que se façam medições periódicas de glicose em jejum.
Quais são os primeiros sinais de alerta a que devemos estar atentos, tendo em conta, sobretudo, que muitos só descobrem a diabetes numa fase avançada?
Quando a doença avança sem tratamento, podem acontecer um aumento da quantidade de urina diária e micções mais frequentes. Isso deve-se ao facto de os níveis de glicose estarem mais elevados, e esse excesso é eliminado pelo rim, aumentando a frequência e quantidade de micções. A diabetes é uma doença heterogénea, e esse ponto pode ser alcançado de forma mais ou menos rápida. De qualquer modo, quando isto acontece, geralmente a doença já se está a desenvolver há alguns anos.
De que forma o diagnóstico precoce pode mudar o curso da doença e reduzir o risco de complicações a longo prazo?
As complicações da diabetes estão relacionadas com o mau controlo da glicose no sangue e também de outros fatores de risco. Um diagnóstico precoce permitirá estabelecer um melhor controlo da glicose desde fases iniciais, reduzindo o risco de complicações a longo prazo. Além disso, permitirá tratar mais intensamente os outros fatores de risco que, em conjunto, contribuem para o aparecimento de complicações a longo prazo.
A falta de consultas regulares é frequentemente mencionada como uma barreira para o diagnóstico precoce. O que pode ser feito a nível de políticas públicas e saúde individual para incentivar uma maior frequência de check-ups, especialmente em grupos de risco?
Atualmente, a falta de consultas periódicas não pode ser uma desculpa para a ausência de um diagnóstico precoce. A população deve ser capacitada e ter consciência de que pertence a um grupo de risco. Nesse caso, a simples determinação da glicose no sangue capilar ou plasmática, mesmo sem uma consulta periódica, pode indicar a presença de diabetes. Uma correta consciencialização, promovida em termos de política de saúde pública, aumentará a perceção da população. A nível individual, a proatividade será um investimento para uma melhor saúde futura.
Que mudanças alimentares simples os pacientes com diabetes tipo 2 podem fazer para controlar melhor a doença?
A obesidade em adultos está frequentemente associada a obesidade abdominal. Neste contexto, a mudança deve focar-se em alterações do estilo de vida que incluam uma dieta hipocalórica e o aumento da atividade física. Em fases iniciais, a diabetes pode entrar em remissão, ou seja, pode ser corrigida, se a perda de peso for suficiente. Naturalmente, é fundamental evitar o consumo de açúcares de absorção rápida. Na diabetes, a secreção de insulina pelo pâncreas não funciona corretamente, logo, não responde adequadamente se consumirmos açúcares de absorção rápida. A dieta também deve ser pobre em gorduras saturadas. Como mencionado anteriormente, as complicações da diabetes – especialmente as cardiovasculares – também estão relacionadas com um bom controlo do colesterol.
Como referiu, a obesidade é um dos principais fatores de risco para a diabetes tipo 2. Que recomendações daria para ajudar a controlar o peso e prevenir a diabetes?
Está provado que a redução de peso em pessoas com obesidade previne o aparecimento de diabetes tipo 2 ou ajuda a melhorar o seu controlo. Um programa de mudança no estilo de vida que promova alterações no padrão alimentar e na atividade física é fundamental. No entanto, é preciso reconhecer que esses programas têm um sucesso limitado. Nestes casos, o uso de medicamentos para o tratamento da obesidade pode ser uma grande ajuda. Um melhor controlo do apetite numa situação de dieta hipocalórica e exercício físico facilita a adesão ao plano de mudança de hábitos nutricionais e, com isso, a perda de peso.
A diabetes pode causar complicações graves, como retinopatia e problemas renais. Como é que as pessoas podem reduzir o risco destas complicações com um bom controlo da glicemia?
Os níveis elevados de glicose causam alterações na retina e nos glomérulos renais, que são a base da retinopatia e nefropatia diabética nas pessoas com diabetes. Assim, manter níveis de glicose o mais próximos possível do normal reduz a possibilidade de danos nestas estruturas corporais. A pessoa com diabetes deve esforçar-se para atingir níveis de glicose próximos dos valores normais. É certo que alguns medicamentos para melhorar os níveis de glicose podem, em certos casos, provocar uma queda excessiva da glicose no sangue, o que chamamos de hipoglicemia. Por isso, geralmente aceitamos que os níveis de hemoglobina glicada estejam abaixo de 7%. Este não é um nível normal, mas é um valor em que o equilíbrio entre o risco de complicações futuras e o risco de hipoglicemia está razoavelmente equilibrado. O uso de medicamentos que não causem hipoglicemia pode ajudar a obter melhores níveis de glicose sem risco.
Quais são os avanços mais recentes no tratamento da diabetes que considera mais importantes?
No campo da diabetes tipo 2, o desenvolvimento de fármacos análogos ao recetor das hormonas gastrointestinais foi um avanço. Estes medicamentos são muito eficazes na redução da glicose plasmática, no controlo do peso corporal e demonstraram um impacto positivo na redução do risco de doença cardiovascular e renal.
No caso da diabetes tipo 1, bem como na diabetes tipo 2 tratada com insulina, o avanço mais significativo tem sido a generalização dos sistemas de monitorização de glicose com tecnologia flash. Passámos de algumas medições diárias da glicose no sangue capilar para centenas de medições diárias da glicose no fluido intersticial, permitindo ao paciente e ao profissional de saúde ajustar muito melhor o tratamento para manter os níveis de glicose no sangue o mais próximo possível do ideal.
Qual é o papel do paciente no controlo da diabetes?
Fundamental. A natureza da diabetes faz com que o seu controlo seja fortemente influenciado pelo nosso estilo de vida. Comemos e movemo-nos constantemente, e isso afeta os nossos níveis de glicose no sangue. Em alguns casos, controlar a diabetes depende apenas do nosso estilo de vida. Em outros, dependerá também do uso de medicamentos. A eficácia dos medicamentos e da mudança no estilo de vida não depende apenas da "habilidade prescritiva" dos profissionais, mas, sobretudo, da adesão do paciente ao plano terapêutico sugerido. E isso depende sobretudo do próprio.
Estima-se que a diabetes continuará a crescer a nível mundial. Quais são as estratégias chave para reverter esta tendência?
A prevenção da diabetes exige, em primeiro lugar, que todos estejamos conscientes da relevância desta doença, muitas vezes silenciosa. Se tivermos consciência da sua importância, será mais fácil que, a nível individual e enquanto sociedade, haja um compromisso com a sua prevenção. Passa pela promoção de estilos de vida saudáveis, especialmente nas populações de risco. Para além do número de pessoas com diabetes, devemos preocupar-nos com as suas consequências para a saúde e, portanto, para o nosso sistema de saúde. Para minimizar esse impacto, devemos prestar atenção ao controlo da glicose no sangue e de outros fatores de risco. A alta prevalência de obesidade na nossa sociedade faz com que o início da diabetes tipo 2 ocorra em pessoas cada vez mais jovens. Não é raro que, por serem jovens e apresentarem níveis de glicose sem serem excessivamente elevados, se preste pouca atenção ao problema. Agindo assim, deixamos que essas pessoas fiquem expostas a níveis altos de glicose no sangue durante muitos anos, aumentando o risco de complicações. Em resumo, consciencialização, prevenção da doença com melhoria do estilo de vida, deteção precoce da doença e não adiar o seu tratamento intensivo.
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