“Não cheguei a acabar o 12.º ano. Meti-me nessas porcarias mais ou menos nessa altura e desleixei-me um pedaço”, disse à agência Lusa, quando já se encontrava na instituição há duas semanas, acrescentando que se sentia “melhor, recuperado e pronto para deixar o ‘gorbi’ da mão”.
O rapaz, que aceitou contar a história de toxicodependência sob anonimato, revelou que consumia erva e haxixe “todos os dias” desde os 15 anos, mas depois optou pelas sintéticas por serem muito mais baratas.
“Experimentei ‘bloom’ [Alpha PHP], mas não gostei nada. Agarrei-me foi ao ‘gorbi’”, contou.
Também conhecido por ‘K2’, ‘spice’, ‘nirvana’, entre outros termos, o ‘gorbi’ é um canabinoide sintético que consiste numa mistura de ervas pulverizada com químicos semelhantes ao THC (tetra-hidrocarbinol), o principal componente da canábis.
É traficado na Região Autónoma da Madeira a preços que variam entre 2,5 e cinco euros ao grama ou à dose, ao passo que o valor do haxixe e da erva oscila entre 10 e 20 euros.
“Como as ervas sintéticas são mais baratas, eu optei por esse caminho”, confessou o rapaz internado na Casa de Saúde São João de Deus, estabelecimento de referência na área da psiquiatria, saúde mental, tratamento de toxicodependências e reabilitação psicossocial no arquipélago.
“Uma coisinha de erva [sintética] e aquilo já bate bastante”, explicou, esclarecendo que o produto é misturado com tabaco e fumado.
Nunca teve alucinações, como acontece nos surtos psicóticos graves, nem tampouco roubou para consumir ou viveu em situação de sem-abrigo, mas conhece gente nessas condições.
“Depende de caso para caso. Há umas pessoas que o organismo é mais forte do que outras, mas faz mal a todas fisicamente e psicologicamente”, disse, para logo acrescentar que o pior é a ressaca, porque “provoca reações malignas no corpo e a pessoa fica mais irritada” e isso “afasta amigos, afasta a família, afasta basicamente tudo”.
No decurso do depoimento, o jovem afirmou várias vezes que não se teria “agarrado” às novas substâncias psicoativas caso a venda de canábis fosse legal, por exemplo, em ‘coffee shops’, como nos Países Baixos, ou através de prescrição médica, vincando que “se legalizassem a erva”, metade das pessoas que conhece não “tinham seguido este destino da droga sintética”.
“Fumo erva e haxixe desde o 9.º ou 10.º ano. Aí estava tudo bem, nunca aconteceu nada. Cheguei a ir para as aulas pedrado, mas conseguia ser criativo, ou seja, acho que o THC abre uma porta para o lado da criatividade”, contou, para logo reforçar: “Conheço bastantes pessoas que conseguem ter o seu trabalho e as suas coisas normais fumando uma ervinha de vez em quando, não acho que seja aditivo como as drogas sintéticas.”
Mas, insistiu, foi o preço que o empurrou para aí.
“Experimentei as drogas sintéticas e agarram-me, não conseguia sair. Tive de vir para aqui. Mal acabava uma dose, já estava a pensar em ir buscar mais. Só tinha uma visão: consumir”, explicou, dizendo que adquiria o estupefaciente através de amigos ou diretamente a traficantes, seguindo um circuito que não quis revelar.
Internado pela terceira vez na Casa de Saúde São João de Deus, o rapaz assegurou que não se meteu nas drogas devido a problemas socioeconómicos, nem empurrado por amigos, mas apenas para evitar os estados de ansiedade, realçando que “cada um faz as suas escolhas” e reconhecendo que “a droga sintética foi um caminho que não devia ter seguido”.
O jovem disse que conta com o apoio dos pais, embora inicialmente tenham reagido mal.
“Eles não sabiam que eu consumia, mas depois eu disse-lhes a verdade, queria ajuda, queria deixar de consumir as ervas sintéticas. Eu apercebi-me que não estava muito bem e quis vir para aqui para me tratar”, contou, elogiando o “atendimento cinco estrelas” e mostrando-se confiante na reabilitação, tendo já planos para seguir uma carreira profissional, numa área que indicou, mas pediu para não revelar.
“Tenho a vida toda pela frente”, afirmou e, antes de regressar ao quarto, deixou um conselho em relação às drogas sintéticas: “Não experimentem. No início é tudo bom, uma maravilha, mas ao longo do tempo começa a ser uma sobrevivência.”
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