O grupo de investigação do Laboratório de Farmacologia Translacional, do Centro de Estudo de Doenças Crónicas da Nova Medical School (Universidade Nova de Lisboa), liderado pela Prof. Emília Monteiro, publicou recentemente um estudo na revista “Pharmacological Research,” em que explica que a molécula AhR, já conhecida como responsável pela resposta do metabolismo a certos poluentes ambientais, estava aumentada em ratos hipertensos por exposição à SAOS. A equipa provou ainda que, quando utilizou um composto para bloquear a molécula, foi possível tratar a hipertensão.

HealthNews (HN) – A hipertensão que resulta da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é a causa mais relevante da hipertensão resistente aos fármacos atualmente disponíveis?

Profª Emília Monteiro (EM) – Normalmente,

“Esse sistema tanto o pode ajudar a melhorar como a piorar”, alerta Luiz Miguel Santiago, especialista em Medicina Geral e Familiar e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. “Muitos médicos estão focados apenas na questão da doença mas é preciso pensar no indivíduo e no seu contexto familiar”.

HN – Por que razão há tanta gente com hipertensão que não adere ao tratamento?

Luiz Miguel Santiago (LMS): Há uns anos atrás, publicámos um trabalho na Revista “Acta Médica” sobre as “razões para as pessoas comprarem os medicamentos para a patologia crónica que sofrem”. Concluímos que a principal razão para adquirirem os fármacos é porque sabem que, ao tomá-los, obtêm algum tipo de efeito.

Nas patologias crónicas, das quais as pessoas nem sequer se apercebem de algum efeito na sua vida diária, ocorre um fenómeno de desinteresse pela continuação da terapêutica.

Quando um indivíduo tem uma dor e toma um analgésico, sabe que faz efeito; quando tem falta de sono e toma um medicamento, vê que o faz adormecer; quando toma um fármaco para a hipertensão arterial, não nota sinais nenhuns. Para ele, tomar ou não tomar é igual, a não ser que esteja num processo em que precise de monitorizar amiudadamente a sua pressão arterial. Ora, nem todas as pessoas o fazem e nem todos os médicos lhes dão essa indicação. Mesmo que o façam, muitas não irão seguir essa recomendação porque acham que basta tomar um comprimido de vez em quando e, por outro lado, preferem continuar a fazer aquilo que lhes apetece.

A experiência empírica do resultado de um medicamento é muito importante por parte de quem sofre uma patologia. Quando, de repente, as coisas ficam fora de controlo porque há um acidente vascular – enfarte do miocárdio, AVC, doença arterial periférica, insuficiência renal, etc. – e as pessoas têm que aceder a um serviço de urgência hospitalar ou ser encaminhadas para uma consulta hospitalar, é que se apercebem da gravidade da situação.

A enfermeira Beatriz Xavier, doutorada em Sociologia e professora da Escola de Enfermagem de Coimbra, inquiriu 40 pessoas hipertensas, todas elas da minha lista de utentes, no âmbito do seu doutoramento. Vinte já tinham tido alguma lesão devido à hipertensão arterial, enquanto os outros 20 não haviam registado qualquer evento. Através das entrevistas que realizou, verificou que os homens, em particular os mais novos, não ligavam nada à questão da terapêutica.

“Tenho a tensão alta; não sou hipertenso!”, argumentaram quando os alertei para a necessidade de fazer a medicação.

“Se fosse diabetes, sim, era complicado, mas hipertensão, que diabo?!”, diziam outros.

“Ah, se eu tivesse ouvido o que o doutor me disse e tivesse tido cuidado…Pois! Agora não estava como estou!…”, lamentavam-se alguns após o AVC…

HN – Como é que se pode convencer alguém que tem um problema de saúde a tomar um medicamento durante anos, sabendo que os fármacos também não são isentos de alguns efeitos adversos?

LMS – Tudo isto é extremamente complicado. Noutro trabalho já publicado sobre “como conseguir levar as pessoas a melhor aderir à medicação”, utilizámos uma escala muito simples, com seis pontos, sobre os principais problemas relacionados com a hipertensão arterial e outra, com quatro pontos, sobre a adesão à terapêutica.

Descobrimos que não havia diferença com significado estatístico entre o grupo de pessoas controladas e o grupo de indivíduos não controlados, relativamente ao que sabiam sobre a hipertensão arterial. Contudo, existia uma diferença significativa relativamente ao facto de estarem ou não controlados e a adesão à terapêutica, sendo a maior adesão associada a maior controlo.

Estes resultados implicam, claramente, uma mudança de paradigma, quer do tipo de consulta que se faz, quer sobretudo das estratégias utilizadas para capacitar as pessoas.

O médico ou a equipa de saúde global, são os “chatos” que dizem: “não, não faça isto; não faça aquilo…”. Ou: “faça desporto; ande a pé!”. Ou seja, tudo aquilo que as pessoas não querem ouvir… Por outro lado, as informações e a pressão de outros setores da sociedade – “tenha um bom carro; veja televisão; consuma isto, aquilo e aqueloutro…” – contrariam todas as nossas recomendações. Temos aqui um conflito, eu diria de caráter profissional e social, que faz com que a hipertensão não esteja tão controlada como desejaríamos.

HN – O perfil socioeconómico do doente é relevante em termos da adesão à terapêutica?

LMS – Noutro trabalho que publicamos no número de novembro de 2019 da Revista Portuguesa de Cardiologia, e que contou com a participação de um conjunto alargado de pessoas, numa amostra aleatória de hipertensos de três unidades de saúde diferentes da ARS Centro, verificamos que esse fator é extremamente relevante. Se, na classificação de Graffar, as pessoas passassem de um nível socioeconómico médio-baixo para médio, aumentávamos em 16,6% a proporção dos indivíduos controlados.

Neste estudo, a percentagem de indivíduos controlados situava-se em 43%, um resultado muito superior àquele que habitualmente vemos em Portugal. Logo, se aumentássemos em 16,6% o número de doentes controlados, teríamos quase 60% de indivíduos controlados, o que seria perfeitamente espantoso.

Do ponto de vista social, num nível socioeconómico médio-baixo, a capacidade familiar para ajudar um indivíduo hipertenso é menor. Ora, a família é um fator fundamental neste processo.

Se dissermos a uma pessoa para comer melhor e andar a pé mas, depois, em casa, a família não fizer alterações na alimentação ou se não houver ninguém que a incentive a fazer caminhadas e a acompanhe, nada muda.

Por outro lado, também existem razões médicas que fazem com que o indivíduo não esteja controlado. Por exemplo, a prescrição de medicamentos para as dores como os anti-inflamatórios não esteróides, é uma das razões para que não haja um controlo tão bom da pressão arterial. A outra é a ausência da chamada “cronoterapia”.

HN – De que forma a cronoterapia pode ajudar no controlo da hipertensão?

LMS – No fundo, a cronoterapia constitui uma estratégia terapêutica que consiste em ajustar a administração de fármacos em função do ritmo circadiano. A administração de um ou mais anti-hipertensores antes de dormir está frequentemente associado a uma redução do perfil “não-dipper” nos portadores de hipertensão e a um melhor controlo da doença.

Quando analisamos os MAPA – Monitorização Ambulatória da Pressão Arterial – percebemos que a partir das 5 ou 6 horas da manhã há uma súbita subida da pressão arterial e daí o facto de ocorrerem mais casos de AVC. O que tentamos fazer, por vezes, é modificar alguns esquemas de medicação para, às primeiras horas da manhã, esses indivíduos estarem mais e melhor controlados.

Através da Auto Medição da Pressão Arterial (AMPA) em casa, uns dias de manhã e outros dias à tarde, ao cabo de algumas semanas temos uma média dos valores da pressão arterial que nos permite perceber se estão controlados ou não.

Isto é muito bom mas, ao mesmo tempo, constitui uma faca de dois gumes: quando percebem que os valores estão bons,alguns indivíduos tendem a relaxar. O problema está em conseguir interiorizar as consequências da hipertensão arterial.

Tomar a medicação atrasa a ocorrência de problemas. Todos os medicamentos que atuam no sistema renina-angiotensina-aldosterona, como os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA), ou os antagonistas do recetor da angiotensina II (ARA II), prolongam a vida porque reduzem os problemas de stresse das nossas artérias e, ao mesmo tempo, são capazes de melhorar também o trabalho dos nossos rins.

A questão é esta: como conseguir que os indivíduos hipertensos percebam que há medicação que os pode ajudar, desde que sejam coerentes, quando a maioria das pessoas valoriza muito mais não ter dores do que tratar a HTA, que não lhes diz grande coisa?

HN – Pois, não se sente o efeito imediato dos medicamentos… E qual é a melhor abordagem dos doentes com história familiar de hipertensão e de eventos cardiovasculares?

LMS – Esse é outro fenómeno muito interessante. Efetuámos um estudo com um conjunto de indivíduos que, nos últimos dois anos, tinham registado enfarte agudo do miocárdio ou AVC. Comparámos cada um desses indivíduos com três pessoas sem problemas cardiovasculares. Depois de verificarmos os antecedentes pessoais e familiares, e da realização de uma série de marcadores e de análises, descobrimos que, com diferença significativa, a história familiar de doença cardiovascular era mais relevante do que qualquer outro fator, incluindo os valores da hipertensão arterial.

Sempre que, num genograma de um indivíduo, existem casos de hipertensão arterial e, sobretudo, de AVC, enfarte, doença arterial periférica, doença venosa periférica, disfunção erétil ou insuficiência renal, temos que explicar à pessoa o seu risco.

Na Medicina Geral e Familiar temos alguns instrumentos de semiótica ou de semiologia que nos dizem tanto como as análises de sangue. Em primeiro lugar, qual é a carga de doença da família do indivíduo? E, em segundo lugar, que apoios existem na família para o ajudar a alterar o seu estilo de vida e evitar, mais tarde, a ocorrência de problemas?

A doença não é só do indivíduo, é do sistema que está com ele. E esse sistema tanto o pode ajudar a melhorar como a piorar. Muitos médicos estão focados apenas na questão da doença mas é preciso pensar no indivíduo que tem o problema e no seu contexto familiar.

Entrevista de Adelaide Oliveira