A estrutura básica da arquitetura do nosso sistema de saúde está assente em três tipos de serviços de saúde: os cuidados primários de saúde, os cuidados hospitalares e os cuidados continuados (que são os mais recentes).
O paradigma da organização dos cuidados de saúde sofreu grandes alterações nos anos 70. Antes do 25 Abril, o estado não assumia a responsabilidade da saúde dos seus cidadãos. Desse modo, havia muita gente que ficava dependente da assistência de caridade (por exemplo de misericórdias), ou dos cuidados muito precários que as caixas de previdência ofereciam. Nessa altura, as despesas com a saúde eram mínimas, representavam menos de 3% do PIB.
Em 1971, ainda antes do 25 de Abril, dá-se a primeira reforma na saúde, denominada Reforma de Gonçalves Pereira, em que se criaram os primeiros centros de saúde. Nesse momento, começou a perceção de que se tinha que alterar o sistema de saúde. Já depois do 25 de Abril, criou-se o Sistema Nacional de Saúde (SNS) que implementou os princípios da universalidade, ou seja, qualquer pessoa, independentemente da sua condição social, tem direito à saúde.
O desenvolvimento do SNS permitiu a criação das carreiras médicas: a carreira dos cuidados primários e a carreira hospitalar, que teve imensa importância para a especialização dos profissionais de saúde. A criação do SNS também permitiu um aumento significativo da cobertura médica da população. Portanto, nesta altura, os indicadores de saúde melhoraram bastante e os gastos em saúde aumentaram muito. Um dos maiores desafios que existe em termos de saúde é o da coordenação eficaz entre hospitais e centros de saúde. No sentido de tentar ultrapassar este desafio foi estabelecido que, em Portugal, cada hospital é responsável por uma área geográfica e solicita coordenação com os centros de saúde que pertencem a essa área.
Um importante problema que se coloca na organização dos cuidados de saúde, é que se não houver um fácil acesso aos serviços, corre-se o risco de muita gente não poder aceder aos cuidados de saúde.
Por exemplo, nos EUA há uma grande restrição do número de pessoas que tem acesso aos cuidados de saúde, contudo é o país que mais gasta com a saúde (18% do seu PIB e cerca de 3 vezes mais do que a Inglaterra gasta), o que é uma situação extremamente contraditória. Os EUA são o país onde há cuidados mais sofisticados e desenvolvidos mas, ao mesmo tempo, tem uma percentagem grande da população que não tem acesso a qualquer cuidado.
Apesar dos vários fatores positivos mencionados e da evolução a nível de cuidados de saúde, a população portuguesa continua a ter uma percepção extremamente negativa em relação ao bem-estar e à sua felicidade. O facto da nossa população estar muito envelhecida não parece influenciar negativamente os resultados, uma vez que os países que obtêm melhores resultados também tem uma população bastante envelhecida. Para além disso, os resultados de estudos sobre bem-estar, mostram que quem tem uma atitude mais positiva são de facto as pessoas mais idosas. Tem existido vários estudos epidemiológicos sobre doenças mentais, semelhante ao realizado noutros países.
Nestes estudos, concluiu-se que Portugal, em vez de ter uma história de doença mental parecida com a da Espanha, Itália e outros países mediterrâneos, tem uma prevalência muito superior à destes países. O único país que também tem taxas igualmente elevadas é a Irlanda do Norte em que há uma permanente guerra civil entre católicos. Contudo, em Portugal, não se percebe a razão dos altos níveis de ansiedade e depressão, sobretudo comparando com os países que são mais parecidos connosco. A explicação reside no facto dos portugueses terem uma percepção muito negativa de tudo e valorizarem muito mais as suas queixas. Terá de haver ainda uma maior preocupação sobre a saúde mental da população e continuar a acompanhar grupos de risco, de forma ainda mais rígida.
Portugal tem tido uma boa resposta aos primeiros 2 meses de luta contra a COVID-19 (comparando com outros países) mas pode haver um volte-face.
Na sequência do levantamento de algumas restrições ao confinamento, pode haver a tentação de se estragar tudo o que já foi (bem) feito. Não se pode facilitar sob pena de haver uma onda de casos positivos muito pior. Portugal teve a vantagem de perceber o que se passava em outros países como Itália e Espanha e conseguiu preparar-se a tempo. Aliás, a preparação para algo deste calibre tem de começar com muitos anos de antecedência, como foi considerado e exposto no início do artigo.
Temos tido uma estratégia diferente de muitos países europeus e pode-se dizer que ao intervalo, levamos uma vantagem de 1-0. Mas, não é ao intervalo que se ganham jogos. Tendo em conta que o desconfinamento visa maioritariamente o setor laboral, temo que se tente de forma pouco consciente voltar à rotina lúdica e que haja descontrolo da curva. Que haja bom senso.
Um artigo de Sérgio Loureiro Nuno, Fisioterapeuta e docente universitário.
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