O que é a sépsis e o choque séptico?

A sépsis é uma inflamação sistémica que surge como uma resposta aguda do sistema imunitário a uma infeção grave generalizada. É amplamente reconhecida como uma das principais causas de longos períodos de internamento hospitalar e de morbilidade e mortalidade em todo o mundo – a sépsis causa uma morte a cada 3 ou 4 segundos. Estima-se que, anualmente, existam 27 a 30 milhões de casos em todo o mundo. A maioria dos microrganismos pode causar uma infeção que origina a sépsis, incluindo bactérias, fungos, vírus e parasitas que, em 80% dos casos, são adquiridos fora do âmbito hospitalar. Mas também pode ser causada por infeções pelo vírus da gripe, dengue e outros patógenos altamente transmissíveis, como vírus do ébola ou febre amarela.

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Este processo inflamatório pode dar origem ao choque séptico que ocorre quando a pressão arterial do doente permanece baixa e não é possível adequar o fluxo de sangue para os órgãos e tecidos, apesar do tratamento intensivo. Sem tratamento, a maioria das pessoas com choque séptico acaba por morrer. Mesmo com tratamento, o risco de morte é de 51%. Tanto a sépsis como o choque séptico representam graves problemas de saúde pública, comparáveis ao acidente vascular cerebral (AVC) e ao enfarte agudo do miocárdio. Sabe-se que a sua incidência está a aumentar, cerca de 1,5% ao ano, assim como a gravidade dos casos, e que em Portugal 22% dos internamentos em unidades de cuidados intensivos são derivados à sépsis adquirida na comunidade e que estes casos originam uma mortalidade hospitalar global de cerca de 40%, três vezes superior à dos casos por AVC.

Mesmo após a alta hospitalar, as consequências da sépsis podem permanecer

Quem está em risco?

Qualquer pessoa com uma infeção pode desenvolver sépsis, no entanto existem grupos que apresentam maior risco, como recém-nascidos, idosos, grávidas, doentes com cancro, que normalmente fazem medicação preventiva porque o seu sistema imunitário está debilitado, e pessoas com doenças crónicas, como a diabetes.

médica Eleonora Bunsow, especialista em Microbiologia Clínica e Doenças Infeciosas
Eleonora Bunsow, médica especialista em Microbiologia Clínica e Doenças Infeciosas créditos: Direitos Reservados

Quais os sintomas?

Parte dos sintomas podem manifestar-se dependendo do tipo e do local da infeção inicial. Grande parte das pessoas apresenta sintomas de febre, podendo ter calafrios e fraqueza. À medida que a infeção piora, pode verificar-se frequência respiratória e/ou cardíaca rápidas, pele manchada ou sem cor por causa do fluxo sanguíneo reduzido, menor frequência nas idas à casa-de-banho e urina em quantidades menores, fala arrastada ou confusão e tremor extremo ou dor muscular. O fluxo sanguíneo reduzido pode levar à morte dos tecidos, incluindo órgãos vitais, como rins, pulmões, coração e cérebro.

Todos os efeitos da sépsis resultam numa bola de neve de complicações que vão comprometendo o funcionamento dos órgãos

Como é feito o diagnóstico?

Habitualmente, os sintomas são indicativos da infeção. A confirmação do diagnóstico é feita através de uma amostra de sangue, com o propósito de detetar a existência de bactérias na corrente sanguínea, evidência de um número anormal de glóbulos brancos e outra infeção que possa estar a causar a sépsis. Neste último caso, os profissionais de saúde colhem amostras de líquido ou tecido. A par disto, outros testes podem ser realizados, desde radiografias ao tórax, ultrassonografia, tomografia computorizada (TAC) e ressonância magnética, para detetar a fonte da infeção.

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Por que motivo esta doença é tão letal?

Todos os efeitos da sépsis resultam numa bola de neve de complicações que vão comprometendo o funcionamento dos órgãos. A diminuição da pressão arterial provoca, igualmente, a diminuição do fluxo de sangue para os órgãos vitais. Neste sentido, o coração tenta compensar trabalhando mais, aumentado o ritmo cardíaco e o volume de sangue bombeado, provocando um enfraquecimento do coração, com menos sangue a chegar aos tecidos e, consequentemente, a morte dos mesmos. Os rins excretam pouca ou nenhuma urina e os produtos metabólicos de excreção acumulam-se na corrente sanguínea e a função pulmonar piora porque os vasos sanguíneos nos pulmões vazam líquido, que se acumula, causando dificuldade respiratória.

O diagnóstico atempado e o tratamento adequado fazem uma diferença crucial, no que toca ao prognóstico do doente com sépsis. De facto, as hipóteses de sobrevivência vão diminuindo drasticamente consoante se atrasa o início do tratamento. Por essa razão, a sépsis e o choque sético são combatidos imediatamente através de antibióticos. Se um doente iniciar uma terapêutica antimicrobiana na primeira hora de diagnóstico, as hipóteses de sobrevivência rondam os 80%, mas esta percentagem desce 7,6% por cada hora seguinte. Contudo, se um doente receber inicialmente um tratamento antimicrobiano inadequado, tem cinco vezes menos probabilidades de sobreviver. A microbiologia desempenha um papel vital em todo o processo de tratamento da sépsis, em particular no que diz respeito a algumas das recomendações mais cruciais: rastreio de rotina dos doentes, diagnóstico e terapêutica antimicrobiana.

É possível preveni-la? 

Existem duas formas básicas de prevenção: uma delas é a prevenção da transmissão de microrganismos e em consequência da infeção e outra é a prevenção da evolução de uma infeção para sépsis. Isto é possível através de cuidados básicos de higiene e segurança, como a higiene das mãos, a preparação segura dos alimentos e a adoção de uma alimentação saudável, e respeitando o calendário de vacinação.

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Uma vez recuperado, quais as sequelas?

Mesmo após a alta hospitalar, as consequências da sépsis podem permanecer. Os efeitos a longo prazo incluem danos permanentes nos órgãos afetados. Incapacidade física e cognitiva, estados de tristeza, dificuldade em deglutir, fadiga e fraqueza muscular, dificuldade em dormir, problemas de memória, dificuldade de concentração, ansiedade, são alguns dos sintomas que se mantêm para o resto da vida.

É possível recuperar por inteiro? Sem sequelas?

A sépsis é uma patologia de tempo dependente em que, a cada hora que passa, aumenta em mais de 7% a probabilidade de morte do doente. Portanto, quanto mais precoce é a sua deteção, maior é a probabilidade de sobrevivência do doente. As sequelas vão depender do estado do doente antes da infeção, da gravidade da mesma, do tempo de internamento e do local em que ocorreu a infeção. Pessoas jovens tendem a demonstrar uma recuperação melhor do que pessoas com mais idade. Para uma melhor recuperação, inclusive das sequelas, as medidas passam por uma nutrição adequada, fisioterapia e aconselhamento psicológico.