Desde que nascemos ocorrem espontaneamente no nosso corpo “pequenas curas” levadas a cabo pelo sistema imunológico, que nos defende contra agressores infeciosos externos, uma capacidade à qual chamamos de imunidade inata. Porém, ao longo da vida, quando esta não é suficiente para barrar um determinado micro-organismo, o sistema imunitário tem de se adaptar e especializar através de um processo de aprendizagem, em que além de reconhecer os invasores estranhos e desencadear uma resposta na primeira exposição, desenvolve uma memória para uma resposta mais eficaz contra aquele agente infecioso no futuro. Trata-se da imunidade adaptativa, que pode ser ativada de uma forma natural ou artificial.
O estímulo natural ocorre quando somos infetados por um agente e produzimos anticorpos contra ele. Já de uma forma artificial, o antigénio (parte do agente infecioso) é colocado no corpo através de uma vacina. Pelo seu potencial de gerar uma resposta imune e prevenir doenças, as vacinas são uma das formas mais bem-sucedidas, seguras e de baixo custo de proteger a saúde.
Entre as famílias de vírus mais comuns e altamente contagiosas que atacam o nosso organismo, destaca-se o HPV, o vírus do papiloma humano. O HPV é o agressor responsável pela infeção sexualmente transmissível mais frequente do mundo que ocorre durante o sexo vaginal, oral, anal ou durante o contacto íntimo de “pele com pele” entre pessoas, em que, pelo menos, uma esteja infetada. Associa-se a doenças benignas, mas potencialmente recidivantes causadoras de ansiedade e má qualidade de vida, como verrugas da orofaringe e condilomas anogenitais, e ainda a cancros nos homens e mulheres.
Na verdade, o HPV é um dos maiores carcinogéneos humanos, isto é, danifica as células até se transformarem em cancro. No colo do útero, o HPV é observado em 99.7% dos casos, mas também contribui para cancros em outros órgãos, como a vagina (70%), a vulva (40%), o ânus (84%), o pénis (47%) e a cabeça/pescoço (72% da orofaringe – base da língua/amígdalas). O cancro da orofaringe representa 78% dos cancros relacionados com o HPV no homem. Pelo exposto, as doenças associadas ao HPV mantêm-se um importante problema de saúde pública.
Cerca de 80% dos indivíduos adquirem a infeção em alguma altura da vida, mas a maioria resolve espontaneamente (aproximadamente 90%) ao fim de 1 a 2 anos. Como este vírus não causa virémia (não circula no sangue), a imunidade inata e a adaptativa natural que desencadeia é muito fraca, não gerando uma resposta imunológica eficaz contra uma reinfeção ou reativação pelo mesmo tipo viral. Então, quando o sistema imunitário da pessoa não tem força para eliminá-lo, este permanece inativado (“adormecido”), reativando (“acordando”) quando as defesas envelhecem (imunossenescência) ou se encontram mais frágeis (por imunodepressão ou imunossupressão).
Não existe nenhum tratamento que elimine imediatamente este vírus. Todavia, está disponível uma vacina. A sua administração é gratuita às meninas (desde 2008) e aos meninos (desde 2020), pelos 10 anos, através do Programa Nacional de Vacinação, podendo, contudo, serem adquiridas na farmácia pelos restantes grupos etários. Inicialmente, pensava-se que só seria útil para quem ainda não tivesse começado a atividade sexual. No entanto, nos últimos anos, vários estudos têm demonstrado a sua eficácia em mulheres mais velhas (sem limite de idade), naquelas com história de infeção/lesão prévia por HPV (podendo reduzir em mais de 80% as recidivas), bem como em homens. De facto, esta vacina apresenta potencial para prevenir 89% dos cancros e, em maior percentagem, a doença benigna associada ao HPV.
Concluindo: Sim, felizmente existe uma vacina que pode evitar um grande número de cancros. Já se vacinou?
Um artigo da médica Cátia Correia, Assistente Hospitalar de Ginecologia/Obstetrícia e Coordenadora da Unidade de Colposcopia e Patologia do Trato Genital Inferior do Hospital de Braga.
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