A transferência de competências na área da saúde para os municípios é uma iniciativa que se insere num quadro mais amplo de descentralização e reforço da autonomia local. Este processo é reconhecido como uma estratégia potencial para melhorar a eficácia, a eficiência e a equidade na prestação de cuidados de saúde, no entanto, para que a descentralização seja bem-sucedida, é crucial que os municípios tenham não apenas a autoridade formal para agir, mas também capacidade administrativa, recursos financeiros adequados e acesso a informações e competências técnicas necessárias.
Em Portugal, a autonomia dos municípios e a descentralização da administração pública, estabelecida em 2019, iniciou um processo que inclui a transferência de competências de saúde do governo central para os municípios. Esta nova competência permite aos governos locais desempenharem um papel crucial na definição de políticas de saúde e parcerias estratégicas, com especial ênfase na prevenção de doenças, na promoção de estilos de vida saudáveis e no envelhecimento ativo [1]. Vários municípios estabeleceram um protocolo de colaboração com a Escola Nacional de Saúde Pública para o desenvolvimento do Plano de Desenvolvimento da Saúde e Qualidade de Vida, contribuindo para o planeamento estratégico municipal. Esta colaboração, processo no qual as autarquias locais procuraram a expertise académica para o planeamento em saúde pública, envolve a análise de diversos fatores e a criação de intervenções baseadas em evidências para atender às necessidades de saúde específicas do município, com o objetivo de melhorar a saúde da população através da monitorização contínua e de esforços colaborativos [2].
Note-se, embora, que a integração das considerações de saúde nos planos municipais permanece um desafio em Portugal, apesar da transferência de competências para os governos locais. Neste contexto, o estudo sobre a abordagem conceptual e metodológica que informou o desenvolvimento de uma estratégia municipal de saúde integrada e multissetorial na Cidade de Coimbra destaca a importância de abordar a promoção da saúde como uma questão transversal a todas as políticas, salientando a importância de adotar uma abordagem baseada no lugar, considerando as desigualdades geográficas, os determinantes da saúde, a participação dos stakeholders e a estrutura da Health in All Policies [3].
Abordando este desafio num contexto internacional, destaca-se Moçambique, onde o quadro legal é favorável à transferência de funções e competências de saúde para os municípios, realçando, porém, a complexidade e a sensibilidade na implementação deste processo. A aproximação dos serviços de saúde da população, promovendo a prevenção de doenças e a melhoria dos serviços de saúde, representa tanto uma oportunidade como um desafio para as autarquias locais, exigindo uma abordagem cuidadosa para superar as barreiras existentes [4]. Além disso, a reforma da Coordenação na Noruega, implementada em 2012, visando melhorar os resultados para os pacientes e minimizar os custos dos cuidados de saúde, transferiu responsabilidades significativas do cuidado especializado para o cuidado primário, o que resultou num aumento significativo do número de pacientes a serem encaminhados para os serviços de saúde municipais. Neste âmbito, investigadores noruegueses relataram que, apesar da transferência de responsabilidades, muitos enfermeiros nos lares de idosos e nos serviços de atendimento domiciliário sentiam-se mal equipados para fornecer cuidados adequados aos pacientes recém-deslocados dos hospitais, colocando em evidência a importância de uma transferência adequada de recursos e de uma melhor coordenação nos serviços de saúde [5]. Já na Noruega, a experiência na implementação de uma enfermaria aguda municipal como parte da estratégia para descentralizar os cuidados de saúde e responder ao aumento de doenças crónicas e à população envelhecida, mostrou que os enfermeiros desempenharam um papel vital na coordenação e no ajuste dos serviços descentralizados [6].
Estes exemplos sublinham a complexidade da transferência de competências de saúde para os municípios e a necessidade de uma abordagem que considere não apenas a transferência de responsabilidades, mas também o fortalecimento das capacidades locais, a adequação dos recursos e a importância de uma colaboração efetiva entre os diferentes níveis de governo e entre o setor de saúde e outros setores relevantes.
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