O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um dos pilares fundamentais da sociedade portuguesa, assegurando cuidados essenciais a cidadãos portugueses e a migrantes. No entanto, enfrenta desafios significativos que requerem soluções eficazes e uma atenção contínua. Com base nas propostas apresentadas no livro “Salvar o SNS – Uma Nova Lei de Bases da Saúde para Defender a Democracia”, de João Semedo e António Arnaut, e nas conclusões da tese de doutoramento da Dr.ª Marta Temido, apresento um conjunto de ações prioritárias para fortalecer o SNS, com um foco especial nas urgências de obstetrícia, ginecologia e pediatria.

Uma prioridade crucial para melhorar o SNS é o empoderamento dos profissionais de saúde, especialmente dos enfermeiros especialistas. Se o Estado investir na valorização da carreira de enfermagem, é imprescindível que as competências dos enfermeiros sejam plenamente aproveitadas. A tese da Dr.ª Marta Temido destaca que três problemas principais limitam a expansão do papel dos enfermeiros: as expetativas dos cidadãos, a escassez de enfermeiros e a necessidade de formação específica. A integração de enfermeiros em funções mais amplas não é uniforme, pois muitos médicos veem essa expansão como uma ameaça ao seu território profissional, o que pode gerar resistência a mudanças.

A limitação do papel dos enfermeiros, sustentada pelas expectativas dos cidadãos, a escassez de profissionais e a necessidade de formação específica, ignora o elevado nível de formação que os enfermeiros portugueses já possuem e a sua capacidade de atender a essas expectativas, aliviando a carga sobre os médicos e promovendo uma abordagem colaborativa e integrada que melhora a qualidade do atendimento sem necessitar de restrições adicionais à sua atuação.

O recente acordo assinado pela Comissão Europeia, que visa tornar a carreira de enfermeiros mais atrativa, prevê um investimento de 1,3 milhões de euros ao longo dos próximos três anos, reforçando a necessidade de melhorar as condições de trabalho e a valorização profissional dos enfermeiros. A comissária para a Saúde, Stella Kyriakides, sublinhou que os enfermeiros são “a coluna vertebral dos sistemas de saúde”, destacando que a sua valorização é fundamental para garantir que os utentes recebam um atendimento profissional e de alta qualidade quando mais precisam.”

Nesse contexto, o papel dos enfermeiros nos serviços nacionais de saúde da Europa tem-se expandido significativamente em vários países da União Europeia, refletindo uma abordagem mais eficaz na gestão dos cuidados de saúde primários e no acompanhamento de condições crónicas. No Reino Unido, por exemplo, os enfermeiros especialistas têm a autorização para prescrever medicamentos específicos, o que lhes confere uma maior autonomia; esta maior responsabilidade permite que os médicos concentrem os seus esforços em casos de maior complexidade, melhorando assim a eficiência e a qualidade do atendimento aos utentes.

Em Portugal, apesar das resistências, a autonomia dos enfermeiros poderia beneficiar o SNS e elevar a sua relevância na sociedade. Um exemplo prático desta autonomia é a Triagem de Manchester, onde os enfermeiros desempenham um papel crucial na avaliação inicial dos utentes em urgência, melhorando a eficiência do atendimento e permitindo que os médicos se concentrem em casos mais graves. Para que a ampliação das competências dos enfermeiros se concretize, é essencial uma articulação constante e eficaz com os médicos, garantindo uma abordagem integrada nos cuidados de saúde.

Outro exemplo de como melhorar os serviços de saúde, especialmente nos cuidados de obstetrícia, é a necessidade de uma gestão eficiente e transparente. Em Portugal, uma proporção significativa dos partos é realizada por enfermeiras especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (parteiras), enquanto os partos mais complexos ficam a cargo dos médicos obstetras. A divulgação de dados sobre esta distribuição é fundamental para otimizar os recursos disponíveis e assegurar a qualidade dos cuidados prestados. Além disso, no passado, os profissionais de saúde tinham a possibilidade de tirar férias em épocas de menor procura, o que contribuía para uma melhor gestão da escassez de recursos e garantias de que os serviços permanecessem operacionais durante os períodos de maior demanda.

Na minha opinião, a atual estrutura de gestão do SNS apresenta um excesso de gestores e uma hierarquia pesada, o que dificulta a comunicação e dilui as responsabilidades. Antigamente, a gestão dos serviços de saúde era mais ágil e eficiente, pois contava apenas com o diretor do hospital e o enfermeiro-chefe, o que facilitava a tomada de decisões e reduzía a burocracia. Modelos de gestão como o Lean Management e o Holacracy, que se concentram na simplificação das hierarquias e na delegação de responsabilidades, mostram ser mais eficazes na criação de ambientes de trabalho ágeis. Assim, uma gestão mais simplificada não só melhora a eficiência e a moral das equipas, mas também se reflete na qualidade do atendimento prestado.

Para assegurar um SNS de alta qualidade e evitar a promiscuidade entre os setores público e privado, é crucial que os profissionais de saúde se dediquem exclusivamente ao setor público, implementando mecanismos eficazes de monitorização. Além disso, é fundamental aumentar os salários nas carreiras de saúde, que atualmente estão entre os mais baixos da União Europeia. Como salientou António Arnaut, “não podemos mais tolerar a promiscuidade entre os setores público e privado na saúde”. A acumulação de funções por parte dos profissionais é um sinal evidente da necessidade urgente de revisão das suas carreiras e condições de trabalho.

Por fim, a contratualização de serviços nas Unidades Locais de Saúde (ULS) e nos cuidados de saúde primários deve estar rigorosamente alinhada com os indicadores dos Programas Nacionais de Saúde da DGS, e auditorias periódicas são cruciais para garantir a transparência e a responsabilidade no SNS. Apenas com uma abordagem reformista e integrada, o SNS poderá não só sobreviver, mas prosperar, assegurando cuidados de excelência para todos os portugueses.

Para garantir a sustentabilidade e a evolução do SNS em Portugal, é necessário não apenas corrigir as falhas atuais, mas também apostar numa transformação ousada e visionária, que coloque a saúde pública no centro das prioridades do país.