Como e quando é que descobriu que tinha cancro do ovário? Foi fácil chegar ao diagnóstico?
Fui diagnosticada com cancro do ovário em janeiro de 2023. O diagnóstico de cancro aconteceu no primeiro dia que recorri às urgências, a localização do cancro é que foi difícil e mais demorada.
O cancro manifestou-se de uma forma muito repentina e silenciosa. Sempre fiz os meus exames de rotina, e dois meses antes de ser diagnosticada não foi exceção: estava tudo bem! Foi na primeira semana de janeiro de 2023 que comecei a sentir algum desconforto e aumento de volume na zona abdominal. Na semana seguinte, surge também uma sensação de enfartamento e, mais tarde, obstipação.
Como tinha uma viagem marcada (que ainda consegui fazer), recorri na véspera a uma consulta de clínica geral, onde nada “anormal” foi detetado: apenas recomendação de alguns alimentos a evitar para facilitar o trânsito intestinal. Nos dois últimos dias de viagem surgiram as primeiras dores na zona abdominal, que associei, na pior das hipóteses, a uma úlcera (nunca coloquei a hipótese de ser algo grave). No regresso, em vez de retomar o trabalho, recorri às urgências do hospital, após ter passado uma noite muito má já em casa.
Após vários exames, nesse mesmo dia, fui informada de que apresentava valores tumorais muito elevados e que estaria com cancro no estômago ou no útero. Fiquei internada para tratar a infeção que estava já instalada na zona abdominal (uma ascite maligna), muito associada ao cancro do ovário, mas o diagnóstico exato não foi imediato.
Como foi realizado o tratamento e quais foram as principais dificuldades?
Tentando agilizar todo o processo, comecei os tratamentos de quimioterapia um mês depois de ter sido diagnosticada, após realização de biópsia que confirmava que se tratava de um cancro ginecológico (ainda sem a localização descoberta).
O protocolo definido foi de seis tratamentos de quimioterapia e, se possível, após o último, cirurgia. Depois de três tratamentos de quimioterapia, com excelentes resultados, foi possível fazer a cirurgia (muito bem-sucedida), que permitiu confirmar que se tratava de cancro do ovário.
Os restantes três tratamentos de quimioterapia, foram realizados após a cirurgia. Protocolo cumprido, com bastante sucesso, passei à fase de vigilância e terapia de manutenção.
Uma vez que o cancro não era de origem genética, tal como acontece na maioria dos casos de cancro do ovário, a medicação de prevenção de recidiva (cuja taxa chega aos 85%) é difícil de obter em primeira linha. Isto acontece porque, apesar de aprovado pelo Infarmed, o SNS (Serviço Nacional de Saúde) financia esta medicação apenas após surgir uma recidiva da doença.
Esta tem sido uma luta muito grande do Movimento Cancro do Ovário e outros Cancros Ginecológicos (MOG), que trabalha diariamente para que todas as mulheres com cancro do ovário tenham acesso igual ao tratamento. Já foram inclusivamente apresentadas na Assembleia da República duas petições, sem qualquer sucesso. Se à nossa volta, na Europa, TODAS as mulheres nas mesmas circunstâncias têm direito a este tratamento, porque é que em Portugal só após uma recidiva é que o SNS atribui essa medicação?
Felizmente, através do meu seguro, consegui ter acesso à terapia de manutenção, 100% comparticipada. No entanto, três meses depois de terminar os tratamentos e com a medicação, a recidiva surgiu, em simultâneo com uma oclusão intestinal (decorrente de todo o processo de tratamentos e cirurgia), tendo sido submetida a uma nova cirurgia em outubro de 2023.
Comecei imediatamente tratamentos de quimioterapia semanais, que duraram até ao final de abril, tendo com eles conseguido diminuição da doença. Neste momento, é fase de dar descanso ao organismo e recuperar forças.
O que significa receber um diagnóstico destes? Como reagiu?
Primeiro, foi uma bomba que, do nada, explodiu nas minhas mãos. Sempre fui uma pessoa saudável, não tinha qualquer tipo de cansaço ou outros sintomas e fazia caminhadas com frequência. Todos nós, quando ouvimos a palavra “cancro”, seja ele onde for, ficamos aterrorizados. É um diagnóstico muito duro de receber, foi um desabar do mundo.
Depois, foi a necessidade de reagir e encontrar forças para percorrer este caminho, encarando com pensamento positivo e muita fé, força e esperança. Era (e é) este o único caminho!
A nível familiar, esta doença requer um grande apoio da família mais próxima, que é sem dúvida muito importante. Sempre ouvi que o apoio que recebemos da família e dos amigos é muito importante e, na primeira pessoa, posso afirmar que faz realmente a diferença ter ao nosso lado quem realmente importa e nos quer bem.
A nível profissional, sou bancária e mantive-me em teletrabalho até à véspera da primeira cirurgia, ausentando-me apenas para consultas e tratamentos. A nível social e familiar houve um impacto muito grande, mas, acredito, é tudo uma questão de tempo, esta é apenas uma fase menos boa.
A MOG tem também sido muito importante, porque é uma associação que, entre outras missões, é também como uma “casa mãe”, que permite a partilha de experiências, dúvidas e força entre pares. Tem tido um papel muito relevante na sensibilização e divulgação para este tipo de cancro, para o qual não existe sequer uma estratégia de rastreio, lutando diariamente pelo igual acesso das mulheres portuguesas às medicações inovadoras que são disponibilizadas na Europa.
O diagnóstico de cancro mudou muito a minha vida, deu-me uma outra perspetiva da vida, que valorizo ainda mais. Nunca me entreguei a este diagnóstico, não me entrego e não deixarei de lutar e de fazer tudo o que esteja ao meu alcance para conseguir ultrapassar o cancro. E sempre com esperança e pensamento positivo!
Como foi receber a notícia de que o cancro estava de volta?
Quando recebi a notícia de que tinha uma recidiva, foi um momento completamente avassalador, foi um terramoto que veio quando tudo estava a estabilizar. Quando pensava na possibilidade de ter uma recidiva, talvez daí a 4/5 anos, tinha dúvidas sobre se conseguiria encarar o diagnóstico da mesma forma. Afinal, não tive sequer tempo para pensar, para me colocar de pé. Empurraram-me novamente da beira do precipício, mas, não sei como, consegui reverter os meus pensamentos e encontrar uma força ainda maior.
Claro que tenho momentos com pensamentos menos bons, mas o meu exercício diário é revertê-los e acreditar que vou conseguir ultrapassar isto e que vou ficar bem.
Que mensagem gostaria de deixar?
Para quem está a passar pelo mesmo, deixo uma mensagem de muita força, alimentar sempre o pensamento positivo. É uma fase que vai ter um fim. O caminho é sinuoso, é duro e difícil, mas felizmente a medicina está bastante desenvolvida e há muitas linhas de tratamento disponíveis. É muito importante ter confiança na equipa médica e não recorrer a outras fontes, como o Google. A informação deve ser disponibilizada pelos médicos, a quem devem ser colocadas todas as dúvidas. Há tratamentos a fazer, há protocolos a seguir e muito para lutar. A esperança de conseguir vencer tem de ser maior do que o medo do diagnóstico que nos foi dado.
Associações como a MOG são também muito importantes e podem ser também um grande apoio. Podem encontrar aqui muita força, ao falarem com pessoas que estão ou estiveram na mesma situação, para que não se sintam sós numa doença rara. Falar e partilhar também é muito importante.
Para as todas as mulheres, reitero a importância de realizar os exames de rotina, estar atenta a qualquer sintoma anormal e, se existirem sinais suspeitos, recorrer de imediato ao médico. Isto porque neste tipo de cancro não existe qualquer rastreio e a verdade é que quando os sintomas começam a surgir a doença está já geralmente em fases mais avançadas, uma vez que se trata de uma doença conhecida por ser silenciosa e de rápida propagação.
Comentários