O botulismo é uma doença rara mas com elevada letalidade. É causada pela bactéria Clostridium botulinum, uma bactéria anaeróbia, ou seja, que cresce sobretudo em ambientes pobres em oxigénio. Quando nestes meios se reúnem condições de humidade e temperatura adequadas, a proliferação bacteriana induz a produção de esporos e a libertação de toxina botulínica.
O contágio pode ocorrer maioritariamente de duas formas:
- Contacto com solo ou águas contaminadas, sobretudo se existir presença de feridas que sirvam de porta de entrada para a corrente sanguínea (ainda assim, é pouco provável a contaminação por esta via);
- Através da ingestão de produtos contaminados (causa mais comum): São os alimentos de conserva os alvos perfeitos para a proliferação do Clostridium. Falamos de produtos de charcutaria (alheiras, chouriços, mortadelas, salsichas…) e de conservas artesanais (peixe, verduras ou frutas) de produção não controlada, isto é, que não passem pelo processo de esterilização a altas temperaturas.
Quando são identificados casos de botulismo, devem ser considerados uma emergência médica e de saúde pública. Recentemente, a Organização Mundial da Saúde alertou para um surto de botulismo em França, que afetou cerca de 15 clientes de um restaurante, incluindo uma vítima mortal, tendo sido a bactéria detectada em potes de sardinha conservada em azeite, feitos à mão pelo proprietário do local. A evicção do botulismo passa precisamente pela adequada preparação de conservas (incluindo o processo de esterilização a > 120º) e conservação eficaz (sobretudo em pH ácido). Por este motivo, muito raramente ocorre intoxicação com conservas industrializadas. A intoxicação é também improvável em alimentos frescos.
Interessante destacar que os bebés, pela imaturidade do seu sistema imunitário e pelo incompleto desenvolvimento intestinal, são mais suscetíveis à intoxicação. É recomendado que sejam evitados, até aos 2 anos, a ingesta dos produtos de conserva artesanais, mas também desaconselhada a ingesta de mel. O mel constitui um ótimo meio de propagação dos esporos, que mesmo em pequenas quantidades podem colonizar o intestino do bebé, induzir a produção de toxina e causar doença (não significativa no adulto).
Os sintomas têm início cerca de 18 a 36 horas após a exposição. Começam com sintomas gastrointestinais, como náuseas, vómitos, diarreia ou dor abdominal. Posteriormente podem surgir sintomas neurológicos como dificuldade em engolir, falar, alterações da visão, paralisia dos músculos das pernas e dos braços, e em situações graves, paralisia dos músculos torácicos, culminando na morte por insuficiência respiratória. Pela sua letalidade, a toxina botulínica é considerada um agente biológico com potencial de bioterrorismo.
O tratamento é realizado em ambiente hospitalar, com administração de soro anti-toxina botulínica e suporte da falência de órgão. É pertinente para os profissionais de saúde que, na suspeição desta intoxicação, seja realizado um inquérito epidemiológico a fim de conseguir definir a origem da exposição.
Mas nem tudo são más notícias! Apesar dos malefícios da toxina botulínica enquanto doença, sabemos que a sua utilização controlada e em pequenas doses, tem atualmente um papel de relevo na medicina e na estética:
- O efeito paralisante da toxina permite o tratamento de patologias como distonias musculares, no âmbito da Neurologia e da Medicina Física e Reabilitação;
- Nos últimos anos a toxina botulínica tem se tornado uma opção para o tratamento de algumas disfunções do trato urinário, como por exemplo, a incontinência de urgência, quando realizada por profissionais experientes em Urologia;
- A toxina botulínica (também comumente designada de botox) revolucionou a medicina estética, permitindo o atenuar de rugas de expressão, tratamento de imperfeições e contribuir para o rejuvenescimento facial.
É de extrema importância que a sua utilização para fins médicos e cosméticos seja realizada por profissionais de saúde, com experiência na sua administração e num ambiente controlado, por forma a evitar os efeitos sistémicos e nefastos.
Um artigo da médica Sílvia Balhana, especialista em Medicina Interna no Hospital CUF Torres Vedras.
Comentários