Quando perguntamos aos pais de adolescentes qual o seu maior desejo em relação à vida dos filhos, normalmente a resposta mais frequentemente ouvida é - ser autónomo ou independente. Que já agora, não significam a mesma coisa.

E este desejo existe igualmente em pais de adolescentes com um desenvolvimento tipicamente normativo e autistas. Estes esforçam-se para ajudar os seus filhos a alcançar os marcos importantes de independência, para que estes na idade adulta possam participar na vida da comunidade, tomem decisões autónomas e naveguem com segurança pelo mundo.

No entanto, nos pais destes últimos acresce algumas preocupações extra e que se prende com algumas das suas características, mas também da forma como a própria Sociedade olha para eles.

Independente pode significar coisas muito diferentes para pessoas diferentes, dependendo do seu nível de necessidades

Para uma pessoa, pode significar, eventualmente, comprar a sua próprio casa, enquanto para outro, pode significar decidir o que vestir.

A independência é um efeito negativo da autonomia mal trabalhada. Ela ignora o todo e faz com que as pessoas actuem focadas apenas em si próprias, nos seus processos ou objetivos. Por sua vez, a autonomia é a capacidade de se gerir a si próprio, tendo livre arbítrio para agir e defender os seus valores.

Assim, uma pessoa autónomo não executa acções porque elas foram imputadas a si, mas por as compreender e se sentir parte delas. E esta diferenciação parece-nos fundamental. Até porque muitas vezes aquilo que se procura favorecer nas pessoas autistas é a sua independência e não propriamente a autonomia. Ou seja, parece que centramos demasiado os nossos esforços nas competências e nas capacidades, que são fundamentais, e não propriamente na possibilidade dos próprios decidirem as escolhas a fazerem na sua vida.

Continuamos a pensar na autonomia das pessoas autistas estreitamente relacionado com os seus melhores interesses, ainda que pensados por nós e não propriamente por eles. Até porque muitas vezes pensamos que eles não são capazes de pensar sobre si próprios e o que querem para a sua vida.

Qualquer que seja o nível de independência, ela não pode ser alcançada numa única etapa. A transição pode ser um momento particularmente difícil para jovens com autismo, pois eles podem achar a mudança muito difícil. Seja porque podem ter dificuldade para visualizar ou considerar, eventos para além da sua rotina diária, por exemplo o que eles gostariam de fazer no futuro.

E sem preparação adequada, mudanças no ambiente ou rotinas que podem levar a altos níveis de ansiedade e, possivelmente, ao fracasso da transição

Por essas razões, um planeamento eficaz e oportuno para a transição é essencial. Requer uma combinação de serviços práticos que se unem para permitir que alguém possa alcançar um estilo de vida mais independente.

E isso pode incluir, por exemplo:

Como os serviços são planeados e implementados (planeamento centrado na pessoa e de transição);
Onde alguém vive;
Como alguém passa o dia (emprego ou atividade);
- oportunidades para actividades sociais e de lazer
- relacionamentos (com quem as pessoas escolhem passar o tempo)
Advocacia (para permitir que as opiniões das pessoas sejam ouvidas).

Estima-se que 1 em cada 100 pessoas tem Perturbação do Espectro do Autismo, não obstante não se saber ao certo o número de adultos em Portugal com esta condição. Mas temos ideia de que uma percentagem significativa recebe o diagnóstico após os 16 anos de idade.

E é importante perceber que a preparação para o processo de transição deve ser feito ao longo do desenvolvimento. Se a pessoa recebe o seu diagnóstico apenas aos 16 ou 18 anos, irá estar neste período muito mais envolvido em procurar compreender o que se está a passar consigo, porque nunca ninguém tinha percebido o que se passava consigo e de porque é que afinal não conseguia perceber as coisas, etc. Isto tudo ao invés de estar a fazer o planeamento do processo de transição para a vida adulta.

Aquilo que continuamos a observar na realidade é de que a maioria das pessoas com Perturbação do Espectro do Autismo simplesmente não está a receber o suporte que poderia permitir que usufruíssem de uma vida independente. Como resultado, muito poucos têm empregos, moram em suas próprias casas ou têm escolha sobre quem cuida deles.

De uma maneira global verifica-se que:

- 44% dos adultos com 25 anos ou mais ainda vivem em casa. E daqueles adultos que vivem longe de suas famílias, apenas 4% vivem de forma totalmente independente e 30% estão a viver de forma semi-independente em alguma forma de habitação com suporte.

- Apenas 9% das pessoas estão a receber treino em competências sociais
- Apenas 6% dos adultos têm empregos remunerados em tempo integral
- Um quarto (24%) dos adultos com PEA não estão a fazer nada ou apenas ajuda em casa
- Apenas 53% dos jovens adultos têm um plano de transição em vigor.

Na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptada a 13 de dezembro de 2006 na Organização das Nações Unidas, podemos ler no preâmbulo, alíneas e) Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com incapacidades e barreiras comportamentais e ambientais que impedem a sua participação plena e efetiva na sociedade em condições de igualdade com as outras pessoas; e n).

Reconhecendo a importância para as pessoas com deficiência da sua autonomia e independência individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas.

É importante sublinhar que as dificuldades sentidas no quotidiano da pessoa não advém somente de algumas das suas características, mas da sua interacção com um conjunto de barreiras comportamentais e ambientais. Ou seja, é fundamental trabalhar com a pessoa autista desde cedo o desenvolvimento de comportamentos promotores de autonomia, e empodera-los nas tomadas de decisão futuras.

Aos país é fundamental providenciar as ferramentas para que estes se sintam seguros e confortáveis no equilíbrio de orientar os seus filhos mas também respeitar as suas decisões. Na Sociedade, precisamos de continuar a sensibilizar para a importância da neurodiversidade, ajudando a desconstruir crenças erradas em relação às pessoas autistas e às suas capacidades ou falta delas.