A maioria de nós fica ligeiramente ansioso quando temos de ir ao médico, seja a uma especialidade, mas também ao médico de clínica geral e familiar. Seja por causa de uma qualquer dor persistente ou uma maior dificuldade em adormecer. Ficamos com a ideia de que podemos estar com algum problema.
Apesar das preocupações habituais e algumas delas ligeiras, a maioria de nós fica feliz em marcar uma consulta, ir ao consultório e conversar com um médico sobre o nosso problema de saúde. Mas e se tiver autismo? E se tiver problemas para comunicar verbalmente, mas a única maneira de marcar uma consulta for pelo telefone?
E se a sua experiência de dor for diferente da de outras pessoas e não conseguir descobrir se precisa ir ao médico de clínica geral? E se os sons e cheiros da sala de espera do médico forem difíceis o suficiente ao ponto de se tornar impossível sequer de entrar no edifício?
É que no caso das pessoas autistas adultas, sejam aquelas que já estão diagnosticadas mas também aquelas que ainda não o sabem, os problemas são muitos, além de variados. E até mesmo para os médicos, cuja a sua formação tem um alto nível de excelência, algumas das características e situações colocadas na clinica torna-se um desafio.
Mesmo que as pessoas autistas possam ter muitas preocupações sobre ir ao médico de clínica geral. Preocupações estas que provavelmente são diferentes das que a maioria das pessoas tem - pelo menos elas estarão a conversar com alguém com conhecimento e experiência em autismo, certo?
Lacuna na formação dos profissionais de saúde em autismo no adulto
Infelizmente e apesar de toda a formação de excelência que os médicos fazem, a lacuna em relação ao autismo, e principalmente do autismo na pessoa adulta é grande. E quem o diz são os próprios médicos, nomeadamente os de clínica geral e familiar.
Apenas para fazer uma ressalva de que a necessidade de formação não se centra, ou não se deve centrar, apenas nos médicos de clínica geral e familiar.
No entanto, atendendo a que estes profissionais de saúde, pertencem aos cuidados de saúde primários, estão em posição de influenciar os resultados de saúde e experiência de saúde dos autistas adultos, com uma maior probabilidade.
Por exemplo, no Reino Unido, num universo de 304 médicos de clinica geral e familiar, 39% disse não ter uma formação adequada em relação ao autismo, e cerca de 40% não a considera sequer útil.
A intenção não é extrapolar para o contexto português, no entanto, estes mesmos resultados têm sido encontrados em outros países. E como tal deve fazer-nos refletir, atendendo a que 1 em cada 100 adultos apresenta um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo.
A maioria dos adultos autistas luta com problemas de saúde mental e os serviços tradicionais de saúde mental geralmente parecem ter dificuldades em atender às suas necessidades
As dificuldades são várias, e passam pelas características comportamentais e os critérios de diagnóstico desta condição, mas não só.
A apresentação destas características na população adulta apresenta diferenças daquelas que são verificadas nas crianças e adolescentes. Além das diferenças que se verifica entre os homens e mulheres, sendo que estas parecem continuar a ser muito mais capazes do ponto de vista do guião social.
No entanto, mais de metade dos adultos autistas lutam com problemas de saúde mental, mais comumente ansiedade e depressão. E muito frequentemente estas outras perturbações psiquiátricas que ocorrem numa pessoa autista acaba por mascarar alguns dos sintomas e sinais do Espectro do Autismo.
Além de enviesar os próprios profissionais de saúde na sua avaliação e intervenção, ficando estes centrados na sintomatologia mais aparentemente visível, Além de que os próprios autistas adultos, atendendo à alguma da sua dificuldade em descreverem o que sentem, podem acabar por centrar o seu relato principalmente nestes sintomas. E como tal acabam por sair da consulta com alguma prescrição para o efeito e com um diagnóstico de ansiedade e depressão. Não que não seja necessário dar uma resposta a estas necessidades.
No entanto, é uma resposta escassa face às necessidades sentidas. Até porque mesmo com a medicação, a probabilidade destes sintomas e queixas perdurarem no tempo é grande. E muito parece ter a ver com o facto da condição de base ser uma Perturbação do Espectro do Autismo.
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