Nas redes sociais, hoje mais do que nunca, construímos um mundo com o qual a realidade não pode competir. Saiba porque tentamos manipular a imagem que as pessoas têm de nós e que implicações esse comportamento pode ter na saúde, no nosso quotidiano e no de quem nos rodeia. Nos meios de comunicação social e nas redes sociais, os (maus) exemplos sucedem-se. Umas férias de cinco semanas pelo Laos, a Tailândia e o Cambodja revelaram ser, afinal, uma grande mentira.

Apesar de se ter despedido dos pais no aeroporto, Zilla van den Born não chegou a sair do país. Ao longo de 42 dias, a holandesa de 25 anos alimentou o seu mural do Facebook, publicando regularmente fotografias em cenários de sonho. Desde fazer mergulho em águas cristalinas, visitar templos budistas, passear em praias paradisíacas ou experimentar diferentes gastronomias asiáticas, todas as experiências foram devidamente captadas e catalogadas para a posteridade.

Com um pormenor! Esta estudante de design gráfico manipulou as imagens. Tudo para um projeto da universidade, que tinha como intuito provar o quão fácil é filtrar a realidade que transmitimos através das redes sociais. A ferramenta de eleição foi o Photoshop e o posto de trabalho a casa do namorado em Amesterdão, onde montou cenários para poder falar com família e amigos através do Skype (programa que permite conversar através da internet usando uma webcam).

Zilla van den Born filmou as suas reações quando lhes revelou a experiência e nem todos reagiram bem. «Vivemos numa sociedade onde a imagem é muito importante e as pessoas tendem a confiar nas imagens», avança a socióloga Inês Pereira. Contudo, uma vez ultrapassada a fase de que algo só pode ter acontecido se houver prova fotográfica e esta tiver sido publicada, entramos num momento em que é provável que a fotografia tenha sido alterada.

O que não falta são filtros, Photoshop e outros softwares de edição para tornar as imagens mais estilizadas. Veja também a galeria de imagens que mostra a verdade por detrás das mais belas fotografias.

Afinal, o que é a realidade?

Graças às novas tecnologias podemos, ainda que remotamente, comparar-nos às modelos, tendo em conta que as suas fotografias em campanhas publicitárias são retocadas. O problema é que nós, leigos fotógrafos e designers, não sabemos onde parar. «A necessidade de parecer melhor faz parte do ser humano», explica Inês Pereira. E a rede social Facebook tem-se provado uma boa montra para esta questão.

Yaniv ‘Nev’ Schulman, fotógrafo profissional de Nova Iorque, recebeu um quadro de uma fotografia sua que tinha sido publicada no jornal norte-americano The New York Sun. Estava assinado por Abby Pierce, de 8 anos, que posteriormente contactou o fotógrafo através do Facebook. Nev também começou a comunicar com os outros membros da família. Além de Angela, a mãe, também falou com Megan Faccio, a meia-irmã, o pai, irmãos e amigos.

Dois realizadores, Henry Joost e Ariel Schulman (irmão de Nev), interessaram-se pela história e começaram a fazer um documentário sobre o desenvolvimento da relação com aquela que apelidaram «a família do Facebook». «Catfish» tornou-se, em 2010, uma série de televisão que passa no canal MTV. Entretanto, Nev apaixona-se por Megan, uma jovem modelo, veterinária, bailarina e aspirante a cantora country.

Passados nove meses e 1500 mensagens trocadas entre Nev e Megan, os realizadores e o protagonista do filme decidem fazer uma surpresa à família Pierce. No caminho para o Michigan, Henry, Ariel e Nev começam a suspeitar que Megan seja uma fraude. E, no final, Nev descobre que todos os membros da família com quem tinha contactado online eram controlados por Angela, que tinha 15 perfis no Facebook. Usava as fotografias de pessoas reais e atribuía-lhes outra história de vida e outras qualidades.

«Algumas pessoas acreditam ser impossível alguém gostar delas como são e, ávidas por afeto e companhia, criam uma falsa identidade», elucida Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica na Oficina de Psicologia. Segundo a socióloga Inês Pereira, as pessoas sempre apresentaram «diferentes máscaras consoante o contexto em que se inserem, e aquilo que crêem ser as expetativas dos seus interlocutores», esclarece. As redes sociais apenas favorecem e atribuem uma nova dimensão ao comportamento.

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Patologia ou forma de autoexpressão?

Qualquer forma de autoexpressão necessita que estejam reunidos dois aspectos, o desejo de nos exprimirmos e um número razoável de pessoas dispostas a ouvirem-nos. Através de exames de ressonância magnética, um grupo de investigadores da Universidade de Harvard revelou que a mesma parte do cérebro que regula a motivação, os orgasmos e o amor é estimulada pelo uso de redes sociais.

Usar redes sociais provoca uma libertação de dopamina (molécula que nos faz sentir bem), especialmente se soubermos que temos audiência. De facto, os centros de recompensa no cérebro ficam muito mais ativos quando as pessoas estão a falar dos seus próprios pontos de vista, em vez de prestarem atenção aos dos outros. Visto que oferecem recompensa imediata e sem esforço por parte do indivíduo, as redes sociais podem transformar-se num vício.

Começamos a precisar mais deste estímulo neurológico, o que leva a uma gradual degradação das áreas do cérebro que controlam as emoções, a atenção e o poder de decisão. Tal como o consumo de drogas afeta o comportamento dos toxicodependentes. O uso regular de redes sociais também pode ter consequências graves para a saúde física dos indivíduos, de acordo com um estudo da Universidade do Estado da Flórida, nos EUA, publicado em julho de 2014 no International Journal of Eating Disorders.

Nesta investigação, participaram 960 estudantes femininas e o resultado dos testes revelou que quanto mais tempo passavam em redes sociais, maior era a probabilidade de sofrerem de distúrbios alimentares. Estas jovens mulheres admitiram que preenchem o seu tempo online a comparar a sua aparência à das amigas, e a retirar etiquetas (tags) das fotografias que são colocadas delas. Um outro estudo, publicado no jornal académico Nutrients em 2012, comprovou que essas mesmas comparações a pessoas próximas são as chaves do tratamento de perturbações alimentares.

Este filtrar da realidade de, nas palavras de Filipa Jardim da Silva, «estar sempre em busca de mais e melhor, sem capacidade para aceitar as imperfeições naturais do dia a dia», causa problemas nas relações pessoais e na saúde. E é uma situação que, para a socióloga Inês Pereira, pode ser evitada «se houver mais tolerância à diferença, e menos pressão social sobre os indivíduos para serem perfeitos».

Texto: Filipa Basílio da Silva