Nelita Gabriel, 38 anos, ficou desalojada em 2019 após o ciclone Idai e voltou a perder a casa na última semana durante a tempestade Ana, a tal que só era esperada daqui a uns 10 anos.

Mas as enxurradas repetiram-se mais cedo que o esperado.

Juntamente com os bens que conseguiu salvar, está novamente abrigada numa minúscula tenda de ráfia após a depressão tropical ter arrasado há uma semana o bairro de Chingodzi, um subúrbio de Tete, centro de Moçambique.

“Foi uma coisa muito complicada" descreve, ainda de voz trémula, sete dias após a tempestade, classificando as memórias como um misto de "dor e luto".

Mesmo que a casa ficasse de pé, "já não conseguiria voltar a dormir nela", conta à Lusa a comerciante, em alusão à tragédia provocada pela passagem da depressão em Tete, que levou ao transbordo do rio Revuboé, que por sua vez arrastou casas e deixou o bairro num mar de lama.

Além da sua habitação, Nelita viu também os vizinhos perderem tudo.

“A água vinha com uma velocidade, com corrente mesmo. Todo o mundo teve de fugir. Ninguém conseguiu resistir, era um risco muito grande permanecer”, disse.

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Nelita saiu só com a roupa do corpo, com tempo apenas para agarrar crianças pelo caminho.

O jovem pescador Izi Jairosse pensava dominar o comportamento do Revuboé e tentou usar a experiência do Idai para o resgate dos seus filhos e bens, mas foi surpreendido com a rápida invasão do rio que ele percorria todos os dias de canoa para pescar.

Depois das cheias de 2019, “muitas pessoas diziam que essa água não vinha tão cedo. Seria como uma lembrança e só daqui a 10 anos ou mais voltaria” a haver cheias tão grandes.

Foi por isso que Izi e o resto dos vizinhos reergueram as paredes de bloco de argila.

A tempestade Ana deitou tudo abaixo e arrastou todos os utensílios, todos os bens conseguidos desde 2019 foram levados novamente pela corrente.

“Assim, apenas consegui salvar as crianças, nem lugar para viver eu tenho, só estamos aqui ainda à procura de um lugar para viver”, explica à Lusa, enquanto usa uma enxada para limpar a terra em redor da tenda que deve compartilhar com outras sete famílias.

Marta Tivane, descreve a dor de ser desalojada pela segunda vez e de ter voltado a perder tudo, enquanto tenta recuperar trapos do interior daquilo que eram malas de roupa, numa casa com os compartimentos alagados de lama.

“Dói mais porque é a segunda vez”, frisa Marta.

"Voltámos e aconteceu tudo de novo”, sem certezas sobre se as antigas tradições para acompanhar a meteorologia ainda se mantêm válidas.

A tempestade Ana foi a primeira da época ciclónica e chuvosa que anualmente afeta Moçambique, entre outubro e abril.

Segundo dados das autoridades locais e proteção civil, a sua passagem pelo norte e centro do país fez pelo menos 20 mortos e destruiu várias infraestruturas públicas.

De acordo com as Nações Unidas, entre 2016 a 2021, o país enfrentou duas grandes secas e oito tempestades tropicais, incluindo os grandes ciclones Idai e Kenneth, que atingiram o país em 2019 num período de seis semanas e afetaram 2,5 milhões de pessoas.

Segundo a ferramenta de avaliação de risco de desastres Inform, Moçambique ocupa o nono lugar entre 191 países quanto à vulnerabilidade a perigos, exposição a riscos e falta de capacidade de resposta, acrescenta o UNICEF.