Intrigada, Elene entrou em contato com Anna e as meninas, agora com 19 anos, iniciaram uma amizade digital em que a semelhança era um tema recorrente.

Quando Elene e Anna completaram 18 anos, descobriram, cada uma a seu modo, que eram adotadas.

Perante tal coincidência, as jovens decidiram fazer um teste de DNA, cujo resultado mudou as suas vidas: eram da mesma família e irmãs gémeas.

"Tive uma infância feliz, mas agora todo o meu passado parece uma ilusão", disse Anna, uma estudante de Inglês, à AFP.

Elene e Anna não são casos isolados no país caucasiano, onde o tráfico de bebés prosperou por mais de meio século.

Os bebés eram frequentemente separados das mães no nascimento, com certidões de óbito falsas, e entregues para adoção na Geórgia ou no exterior com certidões de nascimento falsas.

Uma rede, suspeita de envolver maternidades, berçários e agências de adoção, organizava os sequestros.

Pelo menos 120.000 bebés foram "roubados aos pais e vendidos" entre 1950 e 2006, de acordo com a estimativa da jornalista georgiana Tamuna Museridze, que investiga o assunto.

Do TikTok ao Facebook: redes sociais ajudam a descobrir a verdade sobre 120 mil bebés roubados na Geórgia
Anna Panchulidze e Elene Deisadze créditos: AFP or licensors
Diziam às mães que os bebés tinham falecido à nascença e que estavam enterrados no cemitério do hospital

Elene, uma estudante de psicologia, e Anna começaram a revelar o seu passado roubado há dois anos.

Os respetivos pais planeavam há algum tempo revelar que ambas haviam sido adotadas e, finalmente,  fizeram-no no ano passado.

Anna admite que achou difícil "aceitar a nova realidade", mas diz que se sente "imensamente grata" aos pais adotivos e feliz por ter encontrado a irmã.

Foi Tamuna Museridze, que dirige um grupo no Facebook dedicado a reunir bebés roubados com os pais biológicos, que ajudou a organizar o teste de DNA de Elene e Anna.

Museridze fundou o grupo, que agora tem cerca de 200.000 membros, em 2021, depois de descobrir que tinha sido adotada com a esperança de encontrar a sua família.

"Diziam às mães que os bebés tinham falecido à nascença e que estavam enterrados no cemitério do hospital", explica Museridze.

Quanto aos pais adotivos, muitas vezes ouviam uma história inventada sobre o passado do bebé e não sabiam que a operação era ilegal.

Outros "optaram conscientemente por burlar a lei e comprar um bebé" para evitar a longa espera para adotar, diz Museridze.

A fundadora do grupo do Facebook afirma que os pais adotivos na Geórgia pagavam o equivalente a vários meses de salário e, no exterior, até cerca de 27755 euros.

Na década de 2000, as medidas contra o tráfico introduzidas pelo então presidente Mikheil Saakashvili finalmente puseram fim a este sistema.

Tamuna Museridze
Tamuna Museridze créditos: AFP or licensors

Incógnitas

A mãe adotiva de Elene, Lia Korkotadze, explica que ela e o marido decidiram adotar depois de descobrirem que não poderiam ter filhos.

Mas ir a um orfanato "parecia impossível, por assim dizer, por causa das listas de espera muito longas", diz a economista de 61 anos.

Em 2005, um conhecido falou-lhe sobre um bebé de seis meses num hospital local que poderia ser adotado mediante o pagamento de uma taxa.

Pouco tempo depois, Elene chegou à sua casa, sem que Korkotadze suspeitasse que havia "algo ilegal" a acontecer.

O trabalho de Tamuna Museridze foi fundamental para despertar a opinião pública. Mais de 800 famílias foram reunidas graças ao grupo que criou no Facebook.

Apesar das investigações iniciadas pelos diversos governos da Geórgia, poucas informações foram divulgadas e as incógnitas continuam a ser maiores do que as respostas.

O porta-voz do Ministério do Interior, Tato Kuchava, disse à AFP que a investigação estava "em andamento", sem dar mais detalhes.

Museridze acredita que isso não é suficiente. "O governo não fez nada de concreto para nos ajudar."