Que ferramentas é possível adquirir neste workshop promovido pela IKEA?

Existe uma carência de serviços específicos e sensibilizados para as necessidades das pessoas da comunidade LGBT+ em situação de sem-abrigo. Este workshop teve como principal objetivo formar e preparar os profissionais desta área para atuar de forma mais eficaz junto desta comunidade, através de um maior conhecimento das necessidades e especificidades da mesma. A formação inclui a apresentação dos principais dados estatísticos sobre a população LGBT+ em situação de sem-abrigo, as razões para a sua sobre representação e as especificidades da discriminação contra pessoas LGBT+. São também clarificados conceitos como orientação sexual, identidade de género, expressão de género, características sexuais, linguagem inclusiva e linguagem neutra, bem como a própria sigla LGBTQIA+.

Com o crescimento do discurso de ódio e a propagação de pseudo-factos e mentiras, aumenta a expulsão de casa, a discriminação e o bullying nas escolas, e a instabilidade laboral e habitacional

Os dados mais recentes sobre o tema revelam que entre 20% a 40% das pessoas em situação de sem-abrigo pertencem à comunidade LGBT+. Como olha para esta realidade e que leitura faz destes números? Acredita que estes têm tendência a aumentar no futuro?

É urgente criar medidas tanto de intervenção, como de prevenção. Há uma enorme necessidade de aumentar o número de respostas habitacionais de autonomização direcionadas para esta população, com capacidade técnica para dialogar e estabelecer pontes, incluindo a presença de pares. Implementar políticas públicas, nomeadamente executar o Plano de ação para o combate à discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género, e características sexuais (PAOIEC), que promovam a consciencialização e a informação sobre orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais (OIEC), e combatam a desinformação. Com o crescimento do discurso de ódio, legitimado e impune, e a propagação de pseudo-factos e mentiras, aumenta a expulsão de casa, a discriminação e o bullying nas escolas, e a instabilidade laboral e habitacional.

Na sua opinião, quais os principais desafios que os membros da comunidade LGBT+ continuam a enfrentar nos dias que correm?

Continua a haver muita incapacidade para aceitar corpos diferentes e expressões de géneros não-normativas, seja por intolerância seja pela simples falta de (in)formação. As pessoas intersexo continuam a ser invisíveis e as pessoas trans e de género diverso continuam a ter dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e enfrentam níveis cada vez maiores de insegurança.

Continua a haver muita incapacidade para aceitar corpos diferentes e expressões de géneros não-normativas

Considera que a sociedade portuguesa, assim como grande parte das instituições sociais e centros de apoio, ainda têm um longo caminho a percorrer no que diz respeito à inclusão e diversidade?

Não obstante reivindicarmos progressos legislativos, temos de reconhecer que a legislação portuguesa é bastante progressista. No entanto, nem a sua aplicação reflete essa vanguarda, nem a sociedade ainda assumiu como seus os valores aí prescritos. No que toca a entidades que trabalham com pessoas em situação de sem-abrigo, a formação de pessoas técnicas com conhecimentos específicos sobre a OIEC, dotadas de ferramentas adequadas para trabalhar com pessoas LGBTQIA+, com todas as suas idiossincrasias, demora tempo, é cara, e não se compadece com o subfinanciamento, maioritariamente dependente de projetos, com durações de 6, 12 ou 18 meses. Para responder a necessidades quotidianas, o sector social não pode ser financiado por projetos. Não se conseguem construir equipas robustas e com perspetivas de carreira desta forma.

Um dos objetivos e missões da Opus Diversidades é a erradicação do estigma LGBTQIA+, especialmente junto da população sénior. Qual a vossa atuação junto desta camada da população de forma a minimizar o preconceito que ainda persiste e transformar mentalidades?

As pessoas LGBTQIA+ seniores têm, frequentemente, de "voltar para o armário". Por receio de discriminação e maus-tratos por familiares, por pessoas que prestam apoio domiciliário, nos lares ou nos centros de dia. Mais uma vez a resposta terá de ser dual: criação de resposta direcionadas, porque não podemos pedir a pessoas com 80 anos que esperem mais 20 até que as mentalidades se alterem, e muita informação, campanhas de sensibilização dirigidas a pessoas e instituições que trabalham com esta faixa etária e ao público em geral.

Temos de reconhecer que a legislação portuguesa é bastante progressista. No entanto, nem a sua aplicação reflete essa vanguarda, nem a sociedade ainda assumiu como seus os valores aí prescritos

Com base no apoio psicológico que prestam junto desta comunidade, quais os maiores mitos e estereótipos que ainda persistem sobre as pessoas LGBT+?

São tantos... Que têm comportamentos desviantes, que são doentes, que serão infelizes, incapazes de ter emprego e uma carreira profissional de sucesso, que as pessoas gays (ou lésbicas ou trans), por exemplo, são todas iguais, esquecendo-se que há tantas formas de ser gay (ou lésbica ou trans) quantas as pessoas gays (ou lésbicas ou trans) que existem. Considerando a orientação sexual, identidade ou expressão de género de uma pessoa como a única característica que a define.

O que está ao nosso alcance para ajudar a melhorar e a mudar esta realidade? A educação e formação são a chave para um futuro mais inclusivo?

A comunicação social tem um papel decisivo em esclarecer e informar, com base em factos e não em opiniões, promovendo a informação, sensibilizando para a diversidade e não pensando apenas em receber gostos ou cliques.

Considera que um dos caminhos possíveis passa por mais empresas seguirem os passos da IKEA, que tem sido um forte aliado pela defesa dos direitos da comunidade LGBT+ e desempenhado um papel importante na sua inclusão social?

Sim. Através de um ambiente de trabalho inclusivo, a IKEA pretende contribuir para uma mudança positiva em todas as áreas de negócio e na sociedade e tem várias iniciativas que visam promover a inclusão de grupos sub-representados ou pessoas em situações vulneráveis. Uma das grandes forças da IKEA é o facto de o recrutamento ser de acordo com valores de tolerância, que se identificam com os da empresa. Além disso, pretende promover e naturalizar conversas sobre estas temáticas, tendo regularmente sessões com partilhas de e para colaboradores.

Gosto de acreditar que cada vez mais existe a preocupação com o outro, a necessidade de ajudar e de ‘dar casa’ a quem mais precisa e as empresas têm um papel fundamental para desconstruir diferentes temáticas, dar voz às minorias e encontrar soluções.

[Sobre os principais mitos] Que as pessoas gays (ou lésbicas ou trans) são todas iguais, esquecendo-se que há tantas formas de ser gay (ou lésbica ou trans) quantas as pessoas gays (ou lésbicas ou trans) que existem

Enquanto representante da Opus Diversidades, o que representa para si o mês do Orgulho LGBT+ e porque considera tão importante a sua celebração?

Celebro o orgulho em oposição à vergonha. Celebro os direitos conquistados e reivindico o que falta conquistar. Celebro a memória de tantas pessoas LGBTQIA+, especialmente pessoas trans, racializadas, migrantes, trabalhadoras do sexo, que lutaram pelos direitos que hoje temos, dando, literalmente "o corpo ao manifesto". Celebro a esperança de que cada vez mais países descriminalizem a homossexualidade, deixem de condenar pessoas LGBTQIA+ à prisão, à tortura, ao apedrejamento, à morte, apenas por serem quem são. No fundo, celebro o direito a existir, a ocupar o espaço público como qualquer outra pessoa.