Tal como nos filmes de ação, em que o herói tem de salvar o mundo de uma catástrofe iminente, os empreendedores, cientistas e inventores contemporâneos foram chamados a resolver, até 2050, um desafio que temos enfrentado desde os primórdios da humanidade, a fome. O objetivo é duplicar a disponibilidade de alimentos e, simultaneamente, reduzir a nossa pegada ecológica. Saiba como pode contribuir porque é possível acabar com a fome, dizem os especialistas. Segundo Nicholas Haan, professor na Singularity University, nos EUA, é uma das poucas calamidades que conseguimos resolver rapidamente. Então por que é que todos os anos milhões de pessoas morrem com fome ou estão malnutridas?
A verdade é que a comida sempre foi usada como arma para controlar as populações, através da sua (in)disponibilidade, do (difícil) acesso aos alimentos e da sua utilização. Sem falar noutros fatores que também influenciam a segurança alimentar, como a estabilidade ambiental. Todos os anos observamos nas notícias como as secas, as cheias e as catástrofes naturais afetam as culturas e, consequentemente, o sustento dos produtores e a sua distribuição pelo consumidor final. Existe insegurança alimentar crónica um pouco por todo o mundo.
De acordo com o relatório do World Food Summit, conferência anual criada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 1996, a segurança alimentar «existe quando todas as pessoas têm sempre acesso a comida nutritiva, em quantidade suficiente e de boa qualidade, para conseguirem manter uma vida saudável e ativa». O que não é o caso. Acontece que, resolvendo este desafio, por mais monumental que pareça, muitos outros problemas que enfrentamos atualmente encontrariam um final feliz. Aquilo que comemos afeta diretamente o ar que respiramos, a nossa saúde, o panorama socioeconómico em que estamos inseridos.
Enfim, todos os fatores que influenciam o nosso bem-estar. Por isso, falamos com especialistas das mais variadas áreas para lhe darmos a conhecer alguns heróis modernos e as soluções que propõem para mudar a forma como os alimentos são produzidos e como os recursos são aproveitados na indústria agropecuária. A parte positiva? Encontramos um enorme entusiasmo e otimismo.
Época de paradoxos
Nunca houve tanta abundância de comida, mas também nunca houve tanta fome no mundo. Os métodos de produção agrícola, pecuária e aquicultura geram quantidades de alimentos nunca antes vistas na nossa história e, no entanto, os agricultores são das classes mais pobres em todos os países (incluindo no países ocidentais) e chegam mesmo a passar fome. Quando falamos em disponibilidade de alimentos, referimo-nos a produção, reservas de comida, mercados e transporte. Quando falamos de acesso a comida, pensamos nos possíveis entraves financeiro e social. Quando falamos em conservação, preocupamo-nos com a forma como os alimentos são cozinhados e aproveitados.
A indústria agropecuária tem um impacto colossal no planeta terra. Grande parte da erosão pela qual é responsável é irreversível. Está na génese das alterações climáticas, da poluição, do desgaste dos solos, da desflorestação, da propagação de doenças, da escassez de água potável e (ironia das ironias) da disponibilidade de apenas 55% dos alimentos produzidos. Mas antes de ficar melhor, temos de atingir o fundo do poço. Há quem diga que já chegámos ao ponto de partida. O planeta não aguenta mais ataques aos seus recursos naturais. Até chegarmos à meta, 2050, teremos de modificar muitas coisas, porque estima-se que nasçam mais 2.000 milhões de pessoas e que a densidade populacional nas cidades ultrapasse as piores expetativas.
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África com (poucas) possibilidades de ser a horta do mundo
É necessário aumentar a produção mas, recorrendo a métodos de cultivo que reaproveitem os recursos, evitem o desperdício e que reduzam a pegada ecológica. Isso pode e deve ser feito em países onde os solos não estão desgastados pela sobre-exploração. Neste momento, a América do Norte possui 408 milhões de hectares de terra arável disponível. Contudo, só o continente africano possui 173 mil milhões de hectares de terra arável e apenas 21% é cultivada. Todavia, enquanto os EUA produzem cerca de cinco toneladas de cereais por cada hectare de terra arável, em África apenas uma tonelada de cereais é produzida por cada hectare e 90% das quintas no continente africano têm, em média, 2,5 hectares.
Apenas 4% das terras aráveis em África são irrigadas, face a 33% no continente asiático. Também são precisos mais 3,5 milhões de tratores para que África possa competir com as restantes regiões produtoras do mundo. Independentemente destes dados desencorajadores, o potencial de produção agrícola em África é enorme. «É realmente aí que as áreas estão disponíveis», comenta Luísa Louro, vice-presidente do Instituto Superior de Agronomia (ISA), da Universidade de Lisboa. Porém, «há dificuldades nas produções locais, porque são países politicamente instáveis e pode ser complicado», continua Luísa Louro. Além disso, menos de 1% dos empréstimos são atribuídos à agricultura.
Do ponto de vista de Sara Menker, CEO da empresa Gro-Intelligence, a agricultura no continente africano pode ser impulsionada facilitando o acesso dos agricultores ao capital necessário para comprarem terras e sementes. E é importante que os investidores de futuros da Chicago Mercantile Exchange tenham acesso a informação fidedigna e imediata do que está a ser plantado e o progresso das colheitas, pois influencia diretamente o preço dos alimentos. A Gro-Intelligence é uma plataforma online que reúne as bases de dados dos produtores de cereais e outros bens alimentares, para ajudar a resolver o problema da volatilidade dos preços da comida.
A necessidade de duplicar a quantidade de alimentos disponível
De facto, duplicar a quantidade de alimentos disponível e reduzir a pegada ecológica, até 2050, é um objetivo monumental que nos vai dar muitas dores de cabeça. A começar pela prevenção da desflorestação. Já não é possível aumentar a produção agrícola através deste método erosivo. Os rendimentos podem ser multiplicados através do uso de terrenos agrícolas em África, na América Latina e na Europa de Leste, que estão menos (se de todo) desgastados e onde podem ser aplicados novos sistemas de cultivo que fazem uso de tecnologia avançada e precisa.
Também conseguimos acumular nutrientes e rentabilizar os recursos necessários à produção, como a água, aliando os conceitos de agricultura urbana vertical à hidroponia. Se nos países ocidentais formos reduzindo o consumo de carne e deixarmos de produzir biocombustíveis à base de ingredientes que podemos comer, aumenta logo a disponibilidade de alimentos. E dado que uma grande quantidade de alimentos não chega às nossas casas nem, muitas vezes, aos supermercados, é necessário encontrar uma forma mais eficaz de controlar o desperdício. Não faltam abordagens criativas para solucionar os desafios em torno da segurança alimentar, e todas as propostas que estão em cima da mesa oferecem soluções igualmente necessárias.
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A hidroponia enquanto resposta solúvel
De acordo com Max Loessl, fundador da Agrilution e criador do Vertical Farming Home Unit, o maior desafio não passa pela quantidade de terras aráveis disponíveis. «Há muitos problemas, porque a forma como produzimos comida está completamente desatualizada», critica. A vice-presidente do Instituto Superior de Agronomia (ISA), Luísa Louro, concorda. «Não penso que antigamente é que era tudo bom. Porque não era. Nós temos uma vida muito mais confortável nesse aspeto. E podemos ter muita qualidade», refere. A vantagem, diz Max Loessl, é que já dispomos de tecnologia de ponta que pode ser aplicada para atingirmos plena segurança alimentar.
Drones, comida produzida em impressoras 3D, nanotecnologia (para ajudar a absorver melhor os nutrientes), hortas verticais, nutrição personalizada... A lista é interminável! «Podemos fazer uma cultura hidropónica e o alimento sair com boa qualidade, sem ser preciso solo nenhum. Há grandes produtores que já fazem determinados produtos por essa via, como é o caso de vegetais como o tomate e frutos como os morangos», exemplifica Luísa Louro. É um sistema através do qual as plantas são cultivadas sobre água corrente, que contém todos os nutrientes necessários para um desenvolvimento equilibrado.
Por não estarem em contacto com o solo, as plantas não estão sujeitas à ação de bactérias, nem absorvem elementos imprevistos. «Teoricamente é mais seguro», conclui a vice-presidente do ISA. O imperativo de plantar na vertical é outra das necessidades. Graças ao aumento da população até 2050, vamos ter de aproveitar ao máximo cada metro quadrado nas cidades. E, visto que há uma tendência para se cultivar cada vez mais nos centros urbanos, seja em hortas comunitárias, ou em ambiente doméstico, a cultura hidropónica vertical pode ser a solução mais adequada. Só este tipo de tecnologia e método de cultivo vão permitir que continuemos a comer produtos biológicos.
Uma coisa é certa, para Gonçalo Cabrita, «a forma como estamos a fazer agricultura, a uma dimensão industrial, não é sustentável». A boa notícia é que, a partir de 2016, poderá aplicar os conceitos de agricultura urbana e vertical da forma mais prática e no conforto da sua casa. Max Loessl criou um eletrodoméstico chamado Vertical Farming Home Unit, que usa tecnologia como a iluminação LED (especialmente desenvolvida para plantas), microcontroladores do clima e irrigação automática através de um sistema hidropónico. Poderemos cultivar ervas aromáticas, fruta (como os morangos) e vegetais, como a alface, a couve e os espinafres, entre outros.
Todas as variáveis e fatores que influenciam o desenvolvimento das plantas podem ser controlados remotamente, porque a máquina está ligada à internet. Por se desenvolverem num ambiente controlado, Max Loessl esclarece que as plantas «crescem três vezes mais rápido, têm altos rendimentos e um elevado valor nutricional». «Os alimentos têm maiores níveis de vitaminas, minerais e antioxidantes», acrescenta ainda. Para garantir que muitas pessoas possam comprar este eletrodoméstico, Max Loessl assegura que o Vertical Farming Home Unit custará menos de 1.000 €.
Texto: Filipa Basílio da Silva
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