O nome palpiteira existe, no português suave e certeiro no Brasil e descreve pessoa que gosta de dar palpites. E palpiteiro que é palpiteiro palpite, não vende. Porque se fosse para comprar, ninguém os comprava. Por isso, palpiteiros e palpiteiras são pessoas no geral muito generosas, dando inclusivamente palpites quando rigorosamente ninguém os pediu.

Sabemos que os palpites encontram solo fértil e lavrado nas inseguranças das mães. E nesta coisa das metáforas agrícolas, a verdade é que não existe canteiro mais pronto para fazer florir inseguranças várias do que uma mãe recente. E ainda para mais se for mãe pela primeira vez. Mas no fundo, todas sabemos que as inseguranças, tal como ervas daninhas, nunca acabam. E quanto maior o nosso empenho no papel parental, mais nos questionamos sobre a qualidade do que andamos a fazer. E claro está: mais inseguranças!

Quando um palpiteiro se põe direta ou indiretamente, suave ou agressivamente, a criticar a decisão materna alheia, então estamos no território lamacento do mom shaming.

E todas nós – incluo-me aqui na perfeição – já o fizemos: quer seja no comentário mais inocente “mas ainda usa chucha?” ou “não me digam que ainda dorme com os pais!”, quer seja quando criticamos mães cuja forma física soberba se torna evidente nos 30 segundos após o parto.

Todos nós pudemos verificar e comentar os abdominais impecáveis da Carolina Patrocínio no pós-parto imediato (algo que nunca alcançarei enquanto palmilhar esta terra). Se isso fez de nós boas pessoas? Nem por isso. Mas desencadeou uma catarse coletiva de mom shaming sem paralelo. E uso este exemplo, mas há tantos outros! Qualquer pessoa que se exponha minimamente e com isso exponha a sua relação familiar está sujeito a um processo de mom shaming público.

No entanto, uma coisa é fazermos mom shaming a uma figura pública. As figuras públicas são alvos fáceis para palpiteiros. Mas não é aceitável.

Só podemos esperar que o facto desta pessoa ter estatuto de figura pública a permita ter desenvolvido uma carapaça para se escudar da crítica em larga escala e, como tal, coloque as más opiniões de estranhos no sítio que elas merecem (na prateleira do eterno esquecimento).

Mas todos nós fazemos mom shaming todos os dias, tipo desporto nacional, quase sem querer: quando emitimos a nossa opinião quando ela não foi pedida, quando tentamos impingir os nossos valores a uma família que pensa e se comporta de forma diferente, quando comparamos o desenvolvimento dos nossos filhos com o desenvolvimento dos filhos dos outros, quando criticamos uma mãe que ainda não conseguiu recuperar a forma física, ou que se sente cansada e decide deixar de amamentar, ou simplesmente decidiu passar dois dias sem filhos.

O mom shaming é real, já o pratiquei e já fui vítima. Porque o mom shaming é como ir à guerra: quem é mãe, dá e leva. Imaginem só o que é debater-me com problemas de sono das crianças e ouvir vezes e vezes sem conta: “tens de ser tu, que estás nervosa e tens de te acalmar” ou “tens de ter paciência, porque tu não tens muita paciência” ou o melhor de todos “deve ser alguma coisa que tu estás a fazer mal”. E depois ouvir uma e outra vez na consulta, mulheres e famílias que passam pelos mesmos problemas que eu passei e que ouvem rigorosamente os mesmos comentários. É uma indústria do comentário doloroso!

Somos os primeiros a achar que ser mãe é difícil, que custa, que o burnout parental é real, afeta cerca de 8-14% das mães, e que a carga mental de toda a organização familiar é dividida de forma assimétrica, com um enorme peso sobre as mulheres. No entanto, somos os primeiros a criticar: se se arranja demais, se treina, se faz férias sem filhos, é uma desnaturada, que só consegue isso tudo porque deixa os filhos a cargo dos outros, se anda cansada, se está gorda, se não usa bagas goji ou raiz de curcuma na alimentação dos filhos, então é porque é desleixada e desorganizada e não tarda nada que o marido a deixe por outra mais gira, mais fresca e mais nova.

Nos dias de hoje, numa sociedade de consumo tão rápido e de exposição imediata, parece não haver a mínima decência no que toca à emissão de opiniões: somos cada vez mais rápidos a palpitar.

O mom shaming é real e está imbuído no tecido social: antigamente eram as vizinhas à janela a dizer que os meninos tinham os sapatos gastos e os colarinhos puídos, mas agora, que temos a oportunidade de palpitar à distância, o gatilho está mais solto e o veneno alastra mais facilmente.

Um artigo da médica pediatra Joana Martins.