Todos nós mentimos: faz parte da condição humana. Seja para evitar situações embaraçosas ou desagradáveis, seja para obter vantagens, ou mesmo para proteger os outros de uma verdade dolorosa, os estudos demonstram que a pessoa comum mente, em média, duas vezes ao dia. 

Mentir é um processo cognitivo complexo, com importantes implicações a nível moral, social e, quando aplicável, legal. Muitas vezes, traz-nos sentimentos de culpa e mal-estar, o que nos faz evitar mentir, se possível. O nosso próprio sentido moral impede-nos, muitas vezes, de mentir, para não nos vermos como “más pessoas”. Mas estes incentivos à honestidade não se aplicam aos chamados “mentirosos patológicos”. 

Os mentirosos patológicos, também conhecidos como mentirosos compulsivos, mentem de forma persistente, tendo pouco controlo sob a sua capacidade de proferir mentiras. Mentem, não só para obter ganhos, mas também sem motivo aparente, de forma casual e sobre questões completamente irrelevantes e arbitrárias.

Apesar das origens deste comportamento de mentira compulsiva ainda serem incertas e alvo de estudo, sabe-se que surge, tendencialmente, no início da adolescência. Não há diferenças significativas na frequência da mentira entre homens e mulheres, mas sim no seu conteúdo: os homens tendem a mentir para obter ganhos (a chamada mentira “egoísta”) e as mulheres tendem a mentir para preservar as suas relações sociais (ou seja, mentem para não magoar ou ofender os outros).

De modo geral, pessoas que mentem patologicamente são caracterizadas por:

  1. Proferir repetidamente mentiras;
  2. Manter e exacerbar as mentiras ao longo do tempo;
  3. Não ter como principal motivador as recompensas materiais ou vantagens sociais;
  4. Considerar a mentira como um fim em si, enquanto fonte de satisfação;
  5. Introduzir as mentiras em discursos complexos;
  6. Não acreditar, efetivamente, na veracidade do que dizem, apesar das suas ações sugerirem o contrário.

Ainda é incerto se a mentira compulsiva é um sintoma de algum problema psicológico mais grave ou se, na verdade, é uma perturbação mental em si, não constituindo por si um diagnóstico autónomo. A mentira patológica pode estar presente em pessoas com perturbações da personalidade, no entanto, muitas são as pessoas que mentem compulsivamente sem evidenciarem sintomas de outra perturbação psicológica. Neste sentido, foi o médico alemão Anton Delbrück quem primeiro designou pessoas que mentiam de forma abnormal e desproporcional como tendo uma patologia a que chamou “pseudologia fantástica”.

No que diz respeito às consequências destes comportamentos na pessoa, sabe-se que, num primeiro momento, a mentira pode atenuar sentimentos de ansiedade, ao evitar potenciais castigos. No entanto, a longo prazo, o ato de mentir sistematicamente é provocador de ansiedade e mal-estar marcado, trazendo consequências negativas tanto a nível psicológico, como a nível social, o que é compreensível dado que a presença constante de mentiras, sobretudo relacionadas com uma tentativa de esconder transgressões ou erros cometidos, pode pôr em causa a confiança que os outros têm na pessoa, afetando negativamente as suas relações.

A nível do tratamento, é importante ressalvar que pessoas que mentem patologicamente tendem a não procurar ajuda psicológica. No entanto, para os que procuram ajuda, a intervenção poderá ser no sentido de trabalhar a impulsividade característica dos mentirosos patológicos. Nesse sentido, técnicas cognitivo-comportamentais poderão ajudar as pessoas a tornar-se mais conscientes dos seus pensamentos, da sua função na vida e das situações que mais as levam a mentir, enquanto se reforçam comportamentos honestos. 

Se sente que mente descontroladamente, com consequências nos seus relacionamentos, ou se conhece alguém que o faz, procure ajuda. Não está sozinho(a). 

Um artigo dos psicólogos clínicos Mariana Moniz e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.