É certo que uma crise mundial de saúde como a que atualmente se vive tem múltiplos efeitos colaterais na saúde mental, economia global, sociedade civil e no quotidiano, bem como pode impactar significativamente o dia-a-dia das pessoas de diferentes formas, sendo denominador comum a preocupação causada pela insegurança do que serão os próximos tempos.

O confronto inesperado com uma ameaça invisível como é a pandemia por COVID-19 com imposição de novas rotinas com restrições de atividades e hábitos, adaptação ao teletrabalho e à telescola, desemprego, violência doméstica, medo de contágio ou o luto estão entre os fatores que têm favorecido o surgimento de estados de ansiedade e medo, assim como de sintomas de depressão e stress.

Segundo o estudo desenvolvido pela Mind - Psicologia Clínica e Forense, divulgado no dia 29 de abril, quase metade (49,2%) dos portugueses classifica o impacto psicológico desta pandemia como "moderado a severo”. O estudo refere, ainda, que “a grande maioria não tem sintomas de quadros clínicos graves”, ou seja, não apresenta uma perturbação psicológica ou uma doença psiquiátrica.

Vivemos circunstâncias extraordinárias de crise, é certo, e que ninguém esperava assistir para além dos filmes de Hollywood. Também sabemos que são várias as consequências na vida de cada um, em cada família, nas sociedades e no mundo. No entanto, e ainda que se possa afigurar como um paradoxo, torna-se vital a adoção de atitudes e comportamentos individuais e coletivos positivos, objetivos e revestidos de esperança para que possamos redefinir medidas e estratégias capazes de gerar um futuro próximo sustentável, amigo e responsivo às necessidades e ao bem-estar de todos.

Em condições adversas, tendencialmente, prevalece o desanimo e, por conseguinte, o surgimento de vulnerabilidades. Divergir desta propensão requer o uso consciente de estratégias de transformação de perceções facilmente enviesadas por quadros pessoais de referências negativas para outros mais adaptados à nova “normalidade” e aos desafios subjacentes.

É inegável que as atuais circunstâncias são difíceis e estão aí para exigir o melhor de nós. Mas também é uma realidade que todos nós, em algum período de vida, já passámos por vivências indesejadas, muito sofridas ou penosas. E todos nós pensámos, em alguns desses momentos, que não seríamos capazes de as ultrapassar. Mas tudo passou!

Este processo de superação pela elaboração e transformação mental como resposta a vivências difíceis desenvolve-se, normalmente, em três fases, designadamente:

  1. A negação face ao indesejável “Eu devo estar a sonhar. As pandemias só acontecem nos filmes”.
  2. A aceitação da realidade “Não é um pesadelo, estou mesmo a viver uma pandemia”.
  3. E, por fim, a ênfase na solução “Que posso fazer para lidar com o impacto e prosseguir?”.

Com efeito, há toda uma vida que espera por nós. Não raras vezes, acontecimentos particularmente difíceis revelam-se como experiências potencialmente proveitosas, com revelações de forças individuais e coletivas, até então, latentes e desconhecidas.

Chama-se crescimento pós-traumático.

Agora, é tempo de reajuste do futuro que, mais do que nunca, se nos impõe como um objetivo prioritário. A presença de fatores individuais, familiares e sociais protetores pode ser determinante na atenuação dos efeitos nocivos desta pandemia e na capacidade de agir em prol da preparação de um futuro com novas oportunidades de vida.

Normalmente, as respostas emocionais negativas e intensas, associadas a uma ameaça, tendem a diminuir e a desvanecer-se nas semanas e meses seguintes. Pouco a pouco as pessoas vão integrando as vivências dolorosas na sua história, investindo em paralelo na reorganização das suas vidas.

Contrariamente aos fatores de risco, a resiliência (ou a capacidade que uma pessoa tem de lidar com as adversidades e de se adaptar às mudanças) desempenha um importante papel de amortização dos efeitos dos impactos.

Por conseguinte, podemos procurar suporte emocional e instrumental na família e nos amigos. E podemos reconhecer e aceitar que nem sempre estaremos no nosso melhor e que a alternância de estados emocionais e comportamentais faz parte de um caminho que se só se faz, caminhando. Falar dos nossos problemas, dificuldades ou frustrações pode ser importante para a reorganização dos pensamentos e para dar sentido às emoções.

O confinamento social a que temos estado obrigados pode ser uma oportunidade única de grande reflexão do que foi o passado e do que desejamos para o futuro. 

Antes da pandemia ninguém tinha tempo para ninguém. O conceito de família e do que ela representa parecia subjugado às correrias para o trabalho, à realização das tarefas domésticas ou às tentativas de respostas a um sem fim de ofertas que toda uma sociedade consumista nos impunha. As pessoas viviam alienadas ao trabalho e adoeciam de tanto trabalhar por um salário que apelava ao consumo desmedido de bens materiais. Trabalhar horas infindáveis, correr às lojas para comprar as últimas modas, ou precisar de ter dinheiro para viajar para todos os lugares do mundo pode ter condicionado o ser humano a afastar-se de si próprio, das pessoas que lhe são queridas ou do que é viver com maior serenidade.

Enquanto nos é exigido não viver em excesso de velocidade, porque não repensar no que realmente é importante para sabermos viver bem?   

O impacto desta pandemia pode ser enorme, mas pode, simultaneamente, revelar-se uma possibilidade sempre adiada de criarmos uma sociedade mais sustentável, mais humana, menos obcecada com o crescimento, menos desigual e mais comprometida com o bem-estar de todos.

Tal como disse o ator António Feio "aproveitem a vida e ajudem-se uns aos outros. Apreciem cada momento, agradeçam e não deixem nada por dizer, nada por fazer".

Um artigo da psicóloga clínica Lina Raimundo, da Clínica Mind – Psicologia Clínica e Forense.