Quando se fala do tema de abuso sexual de crianças, muitas pessoas apressam-se a associar este fenómeno ao da pedofilia. Acreditam que, se alguém se sente sexualmente atraído por uma criança, então é, obrigatoriamente, um predador que já abusou no passado, ou que decerto o irá fazer no futuro. Mas a realidade não é tão linear e é necessário desmistificar algumas ideias frequentemente associadas à pedofilia e ao abuso sexual de menores.

Em primeiro lugar, nem todos os pedófilos são abusadores sexuais e nem todos os abusadores sexuais são pedófilos: o abuso sexual de crianças é uma questão legal, tipificada no código penal; a pedofilia é um fenómeno psiquiátrico, que se insere no quadro das parafilias, isto é, perturbações nas quais comportamentos e fantasias pouco usuais ou bizarras são necessárias para produzir excitação sexual. Alguém que abuse sexualmente de uma criança não tem, necessariamente, de sentir atração sexual exclusivamente por crianças pré-púberes; no entanto, pessoas com pedofilia sentem uma atração persistente e exclusiva por crianças desta faixa etária.

Como qualquer outra doença mental, as pessoas simplesmente não escolheram ter pedofilia. Assim, apesar de reconhecermos que existem agressores sexuais que não sentem culpa ou remorsos pelos seus atos (o que estará mais associado a outras características da sua personalidade do que à atração sentida por crianças, por si só), uma parte considerável das pessoas que padece de pedofilia descreve-a como uma fonte de grande angústia, culpa, sofrimento e ódio próprio. Por outro lado, a vergonha associada aos seus desejos sexuais leva ao evitar de procurar ajuda.

É necessário esclarecer que nem todas as pessoas com pedofilia abusam sexualmente de crianças, obtendo gratificação sexual através da adoção de outras estratégias (por exemplo, através de fantasias sexuais). Porém, quando estas estratégias não são suficientes e não há uma intervenção precoce e focada, pode haver uma progressão do pensamento para a ação. É assim importante deixar claro que, apesar de estes sujeitos não terem culpa dos seus interesses e pensamentos sexuais que fazem parte do quadro patológico, são sempre responsáveis pelos seus comportamentos, pois estão conscientes de que estes são contrários à lei.

Alguns dos fatores que podem potenciar a passagem do pensamento e da fantasia para a ação incluem, entre outros, a existência de situações de abuso na infância, a existência de distorções de pensamento que minimizam a gravidade de abusos sexuais (por exemplo, “a criança aceitou o presente que eu lhe dei”; “a criança sorriu para mim”; “ela aceita falar comigo nas redes sociais”) e um desejo de intimidade e gratificação emocional. Algumas pessoas recorrem ao consumo de pornografia de menores no sentido de evitar a passagem ao ato. Contudo, esta estratégia constitui, também, um crime, beneficiando igualmente de intervenção especializada.

É, assim, imperativo que haja uma intervenção precoce em pessoas com pedofilia, que permita a adoção de estratégias adaptativas para viver a sexualidade, sem recorrer ao abuso, e, como tal, prevenindo este tipo de crime. Desta forma, não só se evita a vitimização das crianças, protegendo as suas infâncias, como se pode ajudar um adulto em sofrimento e poupar custos ao erário público, evitando o surgimento de novos reclusos.

Apesar das particularidades do diagnóstico e do tema sensível, existem já estudos que se têm debruçado sobre a temática da intervenção com estas populações e sobre a sua eficácia na prevenção do abuso. A intervenção disponibilizada a sujeitos com desejo ou atração por crianças inclui uma abordagem interdisciplinar, nomeadamente com intervenção psiquiátrica, com recurso a psicofarmacologia (que visam auxiliar no controlo dos impulsos) e com intervenção psicológica.

No que toca à intervenção psicológica, os últimos anos têm assistido à crescente popularidade de programas cognitivo-comportamentais. Estes programas incluem componentes dedicadas ao tratamento de eventuais distorções do pensamento, à aquisição e fomentação de empatia e de competências sociais e à implementação de estratégias de gestão das emoções. Estas estratégias não só são eficazes em pessoas que já cometeram crimes de abuso sexual de crianças, evitando a reincidência criminal, como são benéficas para pessoas que nunca agiram para a gratificação dos seus desejos sexuais, prevenindo este tipo de comportamentos.

No que diz respeito à eficácia destes programas, vários estudos têm demostrado que pessoas que beneficiaram de intervenção têm uma probabilidade de reincidência criminal muito inferior em relação a pessoas que não beneficiaram deste tipo de tratamento. Por exemplo, um estudo levado a cabo pelo investigador Anthony Beech e seus colaboradores, da universidade de Birmingham, no Reino Unido, em 2012, indicou uma redução da probabilidade de reincidência neste tipo de crimes em 40%. Torna-se assim clara a importância da intervenção precoce e da intervenção após a perpetração do crime, pelo que nunca é tarde para procurar ajuda.

É ainda importante deixar claro que, em contexto de intervenção psicológica, existe o princípio da privacidade e confidencialidade da informação partilhada em consulta, pelo que este é um ambiente adequado e seguro para a partilha das preocupações e medos associados à pedofilia. A não manutenção da confidencialidade apenas se pode justificar numa situação de perigo para o próprio ou para terceiros que possa ameaçar a sua integridade física ou psíquica e, nestes casos, o cliente é informado sobre a partilha de informação confidencial antes desta ocorrer.

Se se sente atraído/a sexualmente por crianças, lembre-se: não tem culpa dos seus pensamentos ou desejos sexuais, mas é responsável pelos seus comportamentos. Não se torne um/a abusador/a, procure ajuda atempadamente.

Um artigo dos psicólogos clínicos Mariana Moniz e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.