O que aconteceu com o governo, com este, mas podia ter sido com qualquer outro, com este parlamento, mas podia ter sido com qualquer outro, foi um choque. Acontecimentos como estes envergonham-nos, enchem-nos de tristeza, angústia e revolta. Mais uma vez somos confrontados com o nosso infortúnio e a nossa falta de respostas.

Desde há muitos anos que cerca de 50% dos cidadãos se recusa a votar nos candidatos escolhidos pelos partidos políticos, mas mesmo assim vão ser gastos milhões de euros em eleições antecipadas que poucas pessoas acreditam irão resolver um único dos muitos problemas estruturais e crónicos existentes. Esta fortuna poderia aliviar as carências básicas de muitas centenas de famílias, dar abrigo às dez mil pessoas que nem um teto têm, ou ser investida em projetos económica- e socialmente rentáveis.

Que efeitos têm as reflexões de cada cidadão na nossa saúde coletiva?

Vigilantes nas escolas. Para proteger as crianças? Proteger de quem, de que ameaças?

Aquando da discussão em especialidade do Orçamento do Estado de 2024, alguns deputados manifestaram a sua preocupação com o aumento, significativo, nas escolas e à volta das escolas, dos problemas com o comportamento das crianças, dos jovens e dos pais, assim como os incidentes e a violência. Os problemas nas salas de aula não são revelados pelas escolas, mas, todos os anos, a PSP recebe milhares de queixas. O governo apaziguou as preocupações dos deputados, informando-os que o orçamento para 2024 prevê a contratação de quase 600 vigilantes. Estes poderão ser, por exemplo, de acordo com o Ministro da Educação, agentes de segurança ou militares já aposentados.

Será que os vigilantes vão resolver a tristeza e a ansiedade, ou a revolta das crianças, dos jovens e dos pais? De quantos vigilantes vamos necessitar por escola pública? Será que o próximo passo vai ser colocar vigilantes nas classes?

Como protegemos e ajudamos as crianças, os jovens e as famílias?

Praticamente todas as crianças são, desde tenra idade, institucionalizadas, cinco dias por semana, muitas vezes, oito ou dez horas por dia. As crianças passam mais tempo na escola do que em casa, com os pais e os irmãos. A família levanta-se por volta das 7 horas da manhã e começa então a correria para saírem de casa a tempo e horas, sem esquecerem os pesadíssimos sacos cheios de objetos que deveriam estar na escola. O que fizeram as crianças para merecerem tal castigo que lhes verga as costas? Os pais levam as crianças à creche e no pré-escolar ou nos estabelecimentos do ensino básico, entregam-nas às auxiliares de educação, à porta da escola.

As crianças passam todo o dia na escola, cinco dias por semana, mas os pais não entram, não vêem a escola nem as classes, nem têm a oportunidade de ter uma pequena conversa informal, informativa e formativa, tanto para professores como para pais, antes das classes começarem. Quando muito, os pais são chamados, duas vezes por ano, pelo diretor de turma, para ouvirem informações!

Oito a dez horas mais tarde, as auxiliares de educação conduzem as crianças de volta, até à porta da escola, onde os pais as aguardam, sem a mínima ideia do que se passou com os seus filhos. O que lhes ensinaram, como ensinaram? Como são tratados, como são ajudados, o que têm de fazer, que exemplos têm nos adultos, o que lhes dizem estes?

Tudo leva a crer que estamos perante um ensino enclausurado, fechado em si mesmo, inadequado.

A correria recomeça, agora a das compras, a confeção das refeições, a ajuda na realização de trabalhos escolares, que deveriam acabar à saída da classe, as refeições, os duches e a ida para a cama. Não resta nem tempo, nem disposição para dar e receber atenção, carinho e amor, para ler, falar e brincar, para descansar. A família negligencia-se e negligencia as necessidades fundamentais da criança e do jovem. O indispensável alinhamento e colaboração entre família, professor e escola não se materializam. Não parece que estejam reunidas as condições necessárias para um desenvolvimento saudável da criança e do jovem.

Precisamos de deixar de ser irrelevantes.

Não é uma boa ideia aceitar que alguém fale por mim e decida por mim. Quando tal acontece, por um “longo” período de tempo, tornamo-nos supérfluos, irrelevantes e suprimimo-nos. As transformações fisiológicas que têm lugar no nosso corpo, provocadas por este estado de espírito, afetam de forma dramática a nossa saúde. Num estudo realizado por investigadores das universidades de Harvard e Rochester nos EUA, Chapman et al. Emotion Suppression and Mortality Risk, publicado em 2013, estes concluíram que a supressão de emoções stressantes acarreta, a longo prazo, um risco significativamente elevado de morte precoce particularmente devido a doenças cardiovasculares e cancro.

As estratégias de supressão de emoções stressantes, tais como evitar ser confrontado ou pensar em situações que nos perturbam, procurar ativamente distração, entretimento ou ocupação, não resolvem os problemas existentes e criam problemas adicionais.

Um artigo de opinião de Manuel Fernando Menezes e Cunha, Psicólogo da Saúde e Economista do Desenvolvimento.