Após passar pelo diagnóstico de cancro, a mastectomia, radioterapia, quimioterapia e hormonoterapia, a mulher que teve um tumor da mama pode conviver com dores crónicas, aquelas que persistem por mais de três meses, decorrentes da cirurgia. E esse quadro, que afeta entre 30% e 70% das pacientes, não raramente leva a sintomas de depressão.

Um grupo de investigadores do Hospital Sírio-Libanês, no Brasil, conseguiu reduzir esses desdobramentos negativos graças a uma estratégia: associar, durante a cirurgia, a anestesia geral ao bloqueio dos nervos da região da mama. Os medicamentos bloqueiam a condução do estímulo doloroso pelos nervos, proporcionando um efeito duradouro, como mostra um estudo publicado na revista Scientific Reports.

Com o procedimento, foram reduzidas tanto a incidência de dor crónica no local da cirurgia como dores em outras partes do corpo, além de sintomas depressivos, mesmo um ano após a cirurgia. O uso do bloqueio tornou-se a prática padrão no Hospital Sírio-Libanês, onde o estudo foi conduzido.

“Para isso, é preciso apenas que o hospital tenha um aparelho de ultrassom, usado para localizar o plano onde os nervos intercostais passam, para administração dos anestésicos locais, e um anestesiologista capacitado para isso”, conta Raquel Martinez, investigadora do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), que coordenou o estudo, parte de um projeto apoiado pela FAPESP.

O trabalho também recebeu recursos por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), que realiza estudos com recursos dos seis hospitais participantes do programa que, de outra forma, seriam desembolsados em pagamentos de impostos.

Menos dor e depressão

A investigação é a continuação de um trabalho publicado pelo grupo em 2018. Na ocasião, 49 mulheres com cancro da mama foram submetidas a mastectomias totais. Vinte e quatro receberam apenas anestesia geral.

Nas outras 25, foi adicionado à anestesia geral o bloqueio dos nervos intercostais utilizando-se um anestésico local, aplicado depois de localizar as regiões específicas.

Um dos pontos da aplicação foi entre os músculos peitorais. Outro foi abaixo do chamado músculo serrátil. Vinte e quatro horas após a cirurgia do grupo que recebeu o anestésico local, houve redução dos indicadores de dor. Um ano depois, ocorreu uma diminuição dos indicadores de dor crónica nessas pacientes, como revela o estudo divulgado agora.

Nessa etapa, 44 pacientes (22 de cada grupo) foram entrevistadas e tiveram os níveis de citocinas inflamatórias no sangue analisados, a fim de verificar se um maior nível de inflamação poderia estar a causar mais dor.

Não houve diferenças estatisticamente significativas na correlação entre os marcadores inflamatórios e os níveis de dor e depressão. A ocorrência de dor crónica, portanto, não está relacionada com mais ou menos inflamação.

O grupo que recebeu apenas anestesia geral relatou alterações na sensibilidade da mama, como formigamento (parestesia) no local e falta de sensibilidade na região (hipostesia).

“Quando se realiza o bloqueio do nervo periférico com o anestésico local administrado entre os músculos peitorais e abaixo do músculo serrátil, a condução do impulso nervoso fica bloqueada por horas, deixando de disparar a sinalização da dor durante a cirurgia. Isso acaba por ter um efeito duradouro”, explica Martinez.

As dores em outras partes do corpo, um desdobramento comum da dor crónica avaliado no estudo, foram significativamente menores nas pacientes que receberam o bloqueio associado à anestesia geral. Consequentemente, quem só recebeu a anestesia geral precisou de mais analgésicos após a cirurgia.

Um ano depois do procedimento, os sintomas de depressão eram muito menores nas pacientes que receberam o bloqueio associado à anestesia geral, ocorrendo em menos de 20% das pacientes. Em contrapartida, mais de 50% das mulheres do grupo que recebeu apenas a anestesia geral apresentaram sintomas depressivos.

“A dor gera o que chamamos de comportamento doloroso, criando ansiedade e sintomas depressivos. A paciente com menos dor tem mais qualidade de vida e, consequentemente, menos depressão”, conclui Martinez.

No Hospital Sírio-Libanês, o protocolo de bloqueio estendeu-se para outros setores. No pronto-socorro, por exemplo, pacientes que chegam com fraturas do fémur recebem um bloqueio de nervos periféricos antes mesmo da cirurgia, a fim de aliviar a dor e evitar prejuízos futuros.

O estudo One year follow-up on a randomized study investigating serratus anterior muscle and pectoral nerves type I block to reduced neuropathic pain descriptors after mastectomy está disponível em: www.nature.com/articles/s41598-023-31589-6.