HealthNews (HN) – Como avalia o facto de a Doença Renal Crónica continuar a ter uma notoriedade tão baixa entre os portugueses, mesmo após 40 anos de trabalho da ANADIAL?

Paulo Dinis (PD) – A ANADIAL congrega os Centros de Diálise que prestam o tratamento e dão resposta às necessidades dos doentes renais crónicos. Em rigor, não cabe à ANADIAL atuar na área da literacia da Doença Renal Crónica (DRC). Apesar disso, temos desenvolvido trabalho nessa área: elaborámos um glossário da doença; iniciámos uma campanha junto das Escolas portuguesas (“A vitória contra a doença renal começa na prevenção”), onde já chegámos a mais de 10.000 alunos, mais de 250 escolas do país, com os nossos médicos enfermeiros; patrocinámos e editámos um livro sobre histórias de doentes que são uma inspiração; promovemos, em conjunto com a APIR, um jogo didático; publicamos informação, de modo sistemático, no nosso website e nas nossas redes sociais.

Não sendo uma competência ou responsabilidade nossa, consideramos que o nosso contributo tem sido significativo, ainda que reconheçamos que a melhor estratégia será dar a conhecer e tornar visível a doença.

HN – Que estratégias considera prioritárias para combater o desconhecimento generalizado sobre as causas e prevenção da Doença Renal Crónica em Portugal?

PD – Como em grande parte dos comportamentos sociais, sem dúvida que é essencial apostar na educação, no conhecimento, no esclarecimento, desde a camada da população mais jovem até aos adultos. Há cerca de 30 anos, as preocupações ambientais surgiram e houve um forte incremento educacional. Também no que se refere à DRC será na educação que deve incidir a estratégia, sem excluir outras áreas e meios de intervenção.

HN O estudo mostra que apenas 17% dos inquiridos referem espontaneamente doenças associadas ao rim. Que desafios isto coloca à sensibilização para a saúde renal?

PD – Mais uma vez, será através do conhecimento, da consciência da importância deste órgão na vida das pessoas, mas também dos efeitos e consequências que a perda da função renal pode trazer. Certamente, se cada cidadão for confrontado com a necessidade de estar ligado a uma máquina, 3 vezes por semana, 4 horas de cada vez, poderá refletir melhor nas suas opções.

Aliás é tão notória a diferença de conhecimento entre a DRC e a Hemodiálise (um dos tratamentos substitutivos da função renal quando a DRC se apresenta em estádios mais avançados) que só releva que os portugueses não reconhecem a DRC por ser uma doença “silenciosa”, mas que interpretam como grave e pesado um dos tratamentos para a mesma.

HN – Apesar de 95% dos portugueses já terem ouvido falar em hemodiálise, o conhecimento sobre o tratamento e o papel dos privados permanece reduzido. Como explica esta discrepância?

PD – A qualidade e o sucesso com que o tratamento é prestado. Em primeiro lugar, vivemos tempos em que o que funciona bem não é notícia. O tratamento que prestamos é reconhecidamente de excelente qualidade, a nível nacional e mundial. Não existem listas de espera. Não existem interrupções ou fechos, como ocorre em alguns serviços de saúde. Talvez sejamos vítimas do bem que fazemos e como o fazemos.

HN – Quase 80% dos inquiridos considera que o Estado deve ter um papel mais ativo no apoio às entidades privadas que prestam hemodiálise. Que medidas concretas gostaria de ver implementadas nesse sentido?

PD – Além da qualidade dos profissionais de saúde portugueses, a qualidade e o sucesso que temos tido também está muito relacionada com a introdução, em 2008, de um inovador modelo de financiamento denominado de “preço compreensivo”. De forma simples, o SNS paga um valor fixo para que os Centros tratem de tudo de cada doente (exceto os transportes). Esse valor não é aumentado há 17 anos – aliás, foi reduzido 18% nesse mesmo período. O estrangulamento económico é real, pelo que se impõe, pelo menos, a recuperação do valor de há 17 anos.

HN – Apenas 6,5% dos portugueses identifica corretamente as entidades privadas como gestoras dos centros de diálise. Que impacto tem esta perceção errada na valorização do setor privado?

PD – Essa percentagem revela o espírito de complementaridade que existe entre o SNS e este setor privado, demonstrando que são dois sistemas que podem coexistir, com notórios ganhos para o Estado, para os contribuintes, mas principalmente para os doentes. É verdade que, muitas vezes, essa perceção errada leva a que não sejamos devidamente reconhecidos pelos que fazemos, tal a complementaridade da nossa atividade.

HN – Como Presidente da ANADIAL, que balanço faz do contributo dos centros privados para a inovação e qualidade dos tratamentos de diálise ao longo destas quatro décadas?

PD – Os Centros de Diálise trouxeram uma rede capilar, próxima dos doentes, para resposta às suas necessidades, evitando terem de ir viver para Espanha. Os Centros colocaram o doente no centro da sua atenção, olhando para todas as suas necessidades, o que trouxe um resultado evidente: os doentes vivem mais tempo e com melhor qualidade de vida – apenas os doentes e suas famílias poderão transmitir o que significa ver crescer filhos, netos, conviver com amigos, familiares, trabalhar, etc. Em suma, estes Centros trouxeram mais vida a esta população.

Tudo isto num contexto de controlo e garantia de qualidade, previsibilidade de despesa e inclusive partilha de eficiências, sendo que poucas atividades do SNS se podem congratular de, nos últimos 17 anos, continuarem a oferecer tratamentos e serviços de reconhecida qualidade com uma redução do custo médio por tratamento de 18%.

HN – Que prioridades define para o futuro da ANADIAL, tendo em conta os resultados do estudo e os principais desafios na área da doença renal crónica em Portugal?

PD – A prioridade passa por o Governo, a DE-SNS e a ACSS olharem para a DRC e para os Centros de Diálise com o respeito que merecem, definindo, de modo leal e justo, o que o País pretende fazer nos próximos 10 a 20 anos. Não esqueçamos que, estima-se que a DRC seja a 5ª causa de morte em 2040. O futuro está em risco.

HealthNews

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