Como trabalhadora no Hospital D. Estefânia e após a divulgação da situação na comunicação social, rapidamente o meu telemóvel registou um número crescente de mensagens de pais preocupados a tentar perceber se era verdade, se era Fake News, se tinham motivos para estar preocupados... Não os condeno e percebo perfeitamente a ansiedade.

Felizmente o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) é relativamente rápido a dar uma resposta e o caso não foi confirmado. A criança estava constipada, sim, mas não era o novo coronavírus (COVID-19).

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Como tudo começou?

Algures em meados de dezembro de 2019 detetou-se o primeiro caso na cidade de Wuhan na região central da China. É a 7.ª maior cidade, pertence à província de Hubei e tem cerca de 11 milhões de habitantes.

Os casos chamaram a atenção dos profissionais de saúde e a 31 de dezembro de 2019, o gabinete nacional da Organização Mundial de Saúde (OMS) em Pequim recebeu informações sobre este surto. Só mais tarde o vírus foi identificado: percebeu-se que se tratava de um coronavírus muito semelhante ao coronavírus que afeta habitualmente os morcegos (96% de homologia), com algumas parecenças (76%) com o coronavírus implicado no surto de Síndrome de Dificuldade Respiratória Aguda Grave de 2002-2003 (SARS 2002-2003).

Desde o início que houve um esforço muito grande das autoridades chinesas em controlar o surto, tendo sido primariamente implicado como elo causal o mercado de peixe e marisco de Wuhan. Das 41 pessoas infetadas até 2 de janeiro de 2020, cerca de 2/3 tinham frequentado o mercado. Embora seja um mercado de peixe e marisco, também são comercializados animais selvagens para consumo alimentar. E das cerca de 500 amostras retiradas do mercado para análise, 30 estavam contaminadas com este novo coronavírus.

O que não podemos ignorar é que o coronavírus é na verdade uma família de vírus que infetam humanos e animais. Nos últimos 20 anos, tivemos 2 surtos de coronavírus com origem em animais: inicialmente o surto de SARS 2003-2003 , por um coronavírus inicialmente dos morcegos, mas transmitido por uma civeta (uma espécie de gato selvagem) e posteriormente o MERS (Síndrome Respiratória do Médio Oriente) em 2012, cuja a espécie de origem seria na mesma o morcego, mas a transmissão teria sido através dos camelos.

Se o contacto inicial foi feito de animal para humano (característico de uma zoonose), atualmente está devidamente demonstrada a transmissão entre humanos. 

Numa medida absolutamente sem precedentes, a tutela chinesa declarou a 23 de janeiro o isolamento da província de Hubei, colocando cerca de 50 milhões de pessoas em quarentena. A 30 de janeiro, a OMS declarou o surte de COVID-19 uma emergência de saúde internacional, embora não tenha tomado medidas de restrição de viagens e comércio.

A 14 de fevereiro, estão confirmados laboratorialmente 49.053 casos infetados, dos quais 48.548 casos estão na China, com um total de 1381 óbitos. Os restantes 505 casos encontram-se em 24 países diferentes, com 2 óbitos registados no Japão. Atualmente verificaram-se 16 casos confirmados na Alemanha – o país europeu mais afetado e 2 casos na vizinha Espanha.

De ressalvar que 14 dos 16 casos na Alemanha e os 2 casos espanhóis não têm registo de viagens recentes à China, embora tenham iniciado a sintomatologia fora do país onde foram diagnosticados (são por isso, viajantes).

Qualquer surto é passível de ser devidamente estudado à luz de modelos matemáticos que tentam prever a sua evolução. O que sabemos atualmente do estudo destes modelos é que a epidemia de COVID-19 vai duplicar o número de pessoas infetadas a cada 6.4 dias.

Ainda assim, tendo em conta a transmissão, a estimativa do número de pessoas infetadas e a mortalidade verificada, estima-se que este vírus tenha uma mortalidade de cerca de 2,5%, bem inferior aos surtos prévios de SARS 2002-2003 e MERS 2012.

Qual é doença causada pelo novo coronavírus?

Sabemos que após um período de incubação entre os 5.2 e os 14 dias, a pessoa infetada inicia febre, tosse seca e dificuldade respiratória. Existem sintomas acessórios como dor de cabeça, dores musculares e diarreia. Na avaliação atual dos casos, cerca de 30% dos doentes adultos irão desenvolver uma doença suficientemente grave para necessitarem de cuidados intensivos.

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O que se passa com as crianças?

O conhecimento disponível no momento parece apontar para o facto das crianças serem infetadas pelo COVID-19 à mesma velocidade do adulto. No entanto, globalmente desenvolvem menos sintomas e doença menos grave. Há relatos de casos de crianças, com poucos sintomas, mas que apresentavam um padrão de infeção respiratória viral na radiografia do tórax.

Esta aparente "proteção" das crianças contra a doença grave de causa viral não é uma novidade: sabemos que a mortalidade infantil devida à varicela é 25 vezes inferior à do adulto. E mesmo a gripe comum, subtraindo o período neonatal, tem uma mortalidade 10 vezes menor nas crianças.

Isto pode ser devido ao facto das crianças serem globalmente muito menos doentes do que os adultos (têm menos doenças como diabetes, hipertensão, doença auto-imune) e terem diferenças fundamentais no seu sistema imunitário.

Ou seja, quando em contacto com uma infeção de novo, ativamos simultaneamente duas vias de defesa: uma via inata, inespecífica, disponível e ativa desde o nascimento, e outra via adaptativa, específica para cada agente infeccioso e que no fundo precisa de ser construída ao longo da vida, como se uma biblioteca de conhecimento cumulativo se tratasse.

Assim sendo, as crianças têm simultaneamente uma via inata mais ativa do que os adultos e uma via adaptativa menos conhecedora e isso aparenta colocá-las numa posição de relativa "proteção" contra a doença grave.

Quando pensar que pode ser COVID-19?

Tendo em conta que as viagens para áreas afetadas ainda não estão proibidas, devemos pensar numa infeção respiratória COVID-19 sempre que uma criança (ou adulto) apresente sintomas respiratórios e febre e tenha:

1) tido contacto com um caso identificado e confirmado de infeção COVID-19;

2) tenha viajado no período de 14 dias prévios a uma das áreas afetadas pela pandemia (China e outros países asiáticos também afetados).

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Como prevenir a infeção?

Existe habitualmente algum bom-senso nas recomendações. Parece-me óbvio que viajar neste momento para a Ásia poderá ser um fator de risco considerável, quer do ponto de vista individual, quer do ponto de vista de saúde pública.

No entanto, à parte dos EUA que suspenderam a entrada de imigrantes ou visitantes provenientes da China, Hong Kong e Macau - mesmo os cidadãos americanos e residentes permanentes regressados destas regiões têm indicação para quarentena -, não estão firmadas quaisquer medidas de contenção relativas ao comércio e transporte de pessoas e mercadorias.

Por isso, vou deixar claro: não há restrições nas viagens.

Na verdade sabemos que estas políticas americanas não se baseiam em nenhum exemplo comprovado de eficácia para o controlo de transmissão. Prova disso mesmo foram os surtos de vírus Influenza H1N1 em 2009 e vírus Ébola em 2014.

Do ponto de vista individual e sobretudo porque começa a ser possível ter a infeção COVID-19 sem viagem prévia à China, começa a ser importante divulgar as medidas de etiqueta respiratória:

- Evitar o contacto com pessoas doentes;

- Não tocar na cara, nariz e boca com as mãos não lavadas;

- Ficar em casa quando se está doente;

- Tapar a tosse ou espirro com o antebraço ou usando um lenço de papel prontamente descartável;

- Limpar frequentemente superfícies e objetos de uso frequente com spray de limpeza convencional;

- O uso de máscaras para proteção própria não está recomendado; a máscara deverá ser usada por pessoas com sintomas de forma a proteger as outras pessoas do contágio;

- Lavar as mãos durante 20 segundos, com água e sabão, depois de ir à casa de banho, depois de tossir, de espirrar ou de se assoar e sempre antes de comer.

Um artigo da médica Joana Martins, especialista em Pediatria no Hospital Dona Estefânia em Lisboa.