A Poetoterapia, uma inovadora técnica terapêutica que utiliza a poesia como ferramenta de expressão emocional e autoconhecimento, está a ganhar terreno em Portugal. Em entrevista exclusiva ao Healthnews, o psiquiatra Rui Lopes, pioneiro na implementação desta abordagem no Hospital dos Lusíadas em Braga, explica: “A Poetoterapia é uma forma de arteterapia que permite aos indivíduos explorarem e elaborarem sentimentos e experiências de uma forma criativa e simbólica através da linguagem poética”

Healtnnews (HN) – Como definiria a Poetoterapia e quais são os seus principais objetivos terapêuticos?
Rui Lopes (RL) – A Poetoterapia é uma forma de abordagem terapêutica de arteterapia que utiliza a poesia como ferramenta de expressão emocional e autoconhecimento, permitindo que os indivíduos explorem e elaborem sentimentos e experiências de uma forma criativa e simbólica através da linguagem poética.

Os principais objetivos terapêuticos da Poetoterapia incluem: a promoção do bem-estar emocional; o desenvolvimento de habilidades de comunicação (encontrar formas mais saudáveis e eficazes de expressar as ideias e sentimentos, facilitando o diálogo em outros contextos); a expressão emocional (ajuda a expressar sentimentos que, muitas vezes, são difíceis de verbalizar diretamente, como a tristeza, angústia, alegria ou amor); o fortalecimento da autoestima (empowerment) e da autopercepção (aumentar a autoconfiança e o senso de autoeficácia); auxiliar no processamento de traumas e emoções complexas (escrever ou interpretar poemas permite reorganizar narrativas traumáticas ou dolorosas, transformando-as em algo mais compreensível e manejável), diminuição do stress e da ansiedade e outras emoções negativas; estímulo à criatividade (incentiva o uso da imaginação, contribuindo para a ampliação do repertório emocional e a resolução criativa de problemas).

A Poetoterapia poderá ajudar a promover a saúde mental, mas também despertar a sensibilidade artística e o encantamento pela linguagem poética, criando um espaço onde arte e terapia se encontram, um espaço seguro para que as palavras fluam sem julgamentos, aliando o aspecto criativo da escrita poética à escuta terapêutica e empática.

HN – De que forma a Poetoterapia se distingue de outras abordagens terapêuticas que utilizam a arte ou a escrita?
RL – Embora existam convergências com outras arteterapias (pintura, música, psicodrama, dança, etc.) e outras formas de escrita terapêutica (diário – journaling – ou a escrita autonarrativa), a poetoterapia distingue-se delas principalmente pelo seu foco na poesia, no poder transformador de cada palavra escrita ou falada como forma singular de expressão.

Assim há características específicas que tornam a Poetoterapia única: utilização do poder da linguagem poética como ferramenta terapêutica (metáforas, alegorias, imagens simbólicas e outros recursos linguísticos poéticos que permitem ao indivíduo abordar temas delicados ou difíceis de forma indireta, facilitando a exploração de sentimentos complexos ou inconscientes que poderiam ser difíceis de verbalizar de maneira literal); polissemia (a subjectividade permite múltiplas interpretações); ritmo, repetição e sonoridade musical (com capacidade de relaxamento semelhante ao que acontece em práticas meditativas), simplicidade e acessibilidade do formato (o foco não está na técnica, mas no processo criativo e de expressão pela palavra, acessível mesmo a quem não tem experiência prévia com escrita poética); envolvimento emocional único (capacidade de condensar significados em poucas palavras, provocando uma intensidade emocional e estética que difere de outras formas de arte ou escrita terapêutica caracterizados por conteúdos mais extensos ou descritivos), vínculo empático entre autor e leitor (a leitura de poemas permitirá a possibilidade de uma ponte entre o paciente e experiências universais gerando um senso de pertença ao reconhecer emoções partilhadas pelas palavras de outros), desenvolvimento de uma “voz interior” (a escrita de poesia permite desenvolver uma voz única capaz de expressar a subjetividade, diferenciando-se da escrita narrativa, mais focada na organização de eventos cronológicos e externos), bem como no estímulo da intuição criativa, imaginação e a valorização estética da linguagem.

HN – Quais são os fundamentos teóricos que sustentam a prática da Poetoterapia?
RL – A prática da Poetoterapia é sustentada por uma base teórica multidisciplinar que ajuda a compreender como a poesia pode influenciar positivamente a saúde mental e emocional, oferecendo uma estrutura para sua aplicação no campo terapêutico. Assim, integra conhecimentos da psicologia humanista e existencial (valorizando a criatividade, autenticidade e a experiência subjetiva – Carl Rogers – e o potencial humano para o crescimento perante adversidades – Viktor Frankl); psicologia positiva (escrever ou ler poesia pode aumentar emoções positivas como gratidão, esperança e resiliência – Martin Seligman); psicanálise e ligação com o inconsciente (a criação e expressão poética é um exemplo da sublimação de impulsos e conflitos internos (Freud), da reinterpretação das experiências através de metáforas, simbolismos e associações livres linguísticas (Lacan) e identificação com os arquétipos e imagens universais que ressoam no inconsciente coletivo (Jung); literatura e teoria poética (a sua base estética e filosófica inclui conceitos como a catarse poética de Aristóteles; romantismo e subjetividade da expressão do “eu” e no encontro com a natureza emocional e espiritual do ser humano – poetas como Wordsworth e Goethe.

HN – Que benefícios potenciais pode a Poetoterapia trazer para a saúde mental e emocional dos pacientes?
RL – A Poetoterapia oferece inúmeros benefícios para a saúde mental e emocional dos pacientes, ao integrar criatividade, expressão e reflexão pessoal através da linguagem poética, e permite uma abordagem flexível, que pode ser adaptada a diferentes perfis e populações clínicas. Esses benefícios emergem tanto do processo criativo da escrita quanto da escuta ativa e do diálogo promovido pela poesia e incluem: expressão emocional segura; autoconhecimento; redução da ansiedade e stress, resiliência emocional; melhoria da autoestima; promoção de empatia; desenvolvimento da criatividade; catarse emocional; estruturação e clarificação dos pensamentos; estímulo ao otimismo e à esperança, melhoria na comunicação; conexão com o momento presente, identificação, validação e normalização de emoções; resolução simbólica de conflitos, melhoria da memória e da cognição.

A Poetoterapia é, assim, um ato de cuidar da alma, onde o paciente se sente ouvido e valorizado, encontrando na poesia uma ferramenta poderosa de cura e autodescoberta. Cada sessão é única, adaptada às necessidades do paciente, e o terapeuta, com sensibilidade e empatia, atua como um facilitador, ajudando o paciente a desvendar sentimentos e a dar voz ao que muitas vezes se encontra oculto ou no sofrimento do subconsciente. Essa jornada poética permite que o paciente encontre alívio, entendimento e até mesmo uma nova perspectiva sobre suas próprias vivências.

HN – Como é estruturada uma sessão típica de Poetoterapia e quais são as técnicas mais comummente utilizadas?
RL – Uma sessão típica de Poetoterapia segue uma estrutura flexível que pode ser adaptada ao contexto (individual ou em grupo) a diferentes objetivos terapêuticos e estilos de pacientes, podendo ser personalizada para diferentes necessidades. Geralmente, envolve 3 fases principais: introdução e preparação (onde se cria um ambiente seguro e acolhedor para a expressão emocional e preparar o paciente ou grupo para a atividade); a atividade central (que envolve o paciente ou grupo em uma experiência de criação ou interação poética), reflexão e encerramento (onde se promove a integração das experiências vividas de forma positiva e reintegradora durante a sessão através da leitura dos poemas criados, discussão reflexiva e análise simbólica.)

Dentro da estrutura da actividade central, diversas técnicas podem ser empregues, conforme a proposta terapêutica, nomeadamente: a escrita livre (promover a expressão espontânea e reduzir bloqueios emocionais de forma fluida e intuitiva), a escrita guiada por estímulos (imagens como fotografias, pinturas ou paisagens; poema ou citação; um objeto simbólico); poesia estruturada (propor completar versos de formatos específicos como tercetos, acrósticos, etc., estimulando a síntese emocional e o foco no essencial); reescrita de poemas (pedir para escrever um poema sobre um evento difícil e, em seguida, o reescrever de uma perspectiva transformadora, reorganizando narrativas internas, enfatizando superação, transformação ou aprendizagem); criação de um poema coletivo (em sessões de grupo, cada paciente contribui sequencialmente com um verso ou uma palavra para a construção de um poema, favorecendo a conexão interpessoal e o sentimento de pertença.

Outras técnicas podem ser utilizadas em complementaridade ou como ferramentas acessórias, como a leitura de poemas de autores consagrados como um espelho do estado emocional do paciente (escolhidos pelo terapeuta através de ressonância empática com as emoções do momento do paciente, favorecendo a identificação, validação e compreensão emocional e o sentimento de pertença, e diminuição do isolamento social), etc.

HN – Existem estudos científicos que comprovem a eficácia da Poetoterapia? Se sim, quais são os principais resultados observados?
RL – Sim, embora a Poetoterapia ainda seja uma área emergente e menos estudada do que outras práticas artísticas terapêuticas existem pesquisas científicas e estudos de caso que exploram e comprovam a eficácia da Poetoterapia em diversos contextos terapêuticos. Esses estudos, muitas vezes, são realizados dentro de campos mais amplos, como arteterapia, terapia narrativa ou biblioterapia, mas destacam os efeitos específicos da escrita e da leitura de poesia. Além de estar documentado em estudos clínicos da sua utilidade e benefícios ao nível da resiliência, isolamento social, autoestima, stress, sintomas de ansiedade e depressão, a Poetoterapia constitui uma ferramenta terapêutica flexível, acessível, adaptável a diferentes idades e culturas, e pode ser aplicada em escolas, comunidades ou como complemento a tratamentos e terapias mais convencionais em diferentes populações clínicas. Evidência científica tem igualmente demonstrado utilidade terapêutica em perturbações psiquiátricas especificas nomeadamente nas Patologias Depressivas e de Ansiedade, Luto e Trauma e Perturbação de Controlo de Impulsos. A prática da Poetoterapia proporciona um espaço seguro para explorar emoções e construir conexões, seja por meio de leitura, escrita ou compartilhamento em comunidades, sugerindo que pode desempenhar um papel valioso em situações de adversidade, promovendo bem-estar emocional e resiliência social.

Entrevista de Nuno Bessone