Aceitar os sentimentos

Numa sociedade que valoriza a felicidade e o sucesso, somos impelidos a estar sempre bem, ser sempre fortes. Por isso, não é fácil que permita a si mesmo viver a dor e aceite uma perda. Sente que os outros ficam desconfortáveis com a sua dor, ou é você mesmo que não consegue lidar com a dor dos outros. Por isso, em situações de luto, é frequente que diga ou oiça: “tens de ser forte!” “vai passar”, “tudo vai voltar ao normal”, o que em vez de ajudar, o inibe de manifestar o que sente. Pode gerar culpa, desvalorizar o seu sofrimento, como se não houvesse espaço nem tempo para senti-lo. Por outro lado, também pode acontecer o contrário. Pode estar sempre triste, porque é isso que o faz parecer boa pessoa. Como se a quantidade de lágrimas que derramar fossem equivalentes ao amor que sente por quem perdeu.

Não há formas corretas de viver o luto. Cada um vive-o à sua maneira. Viver o luto significa reaprender a viver apesar das perdas. O importante é que possa sentir todos os seus sentimentos e ser verdadeiro consigo próprio. Este é um processo complexo, em que é normal que passe por momentos de forte tristeza. Mas também é igualmente normal que passe por momentos de alegria e distração. Por exemplo, pode ficar alegre relembrando os bons momentos que passou com quem faleceu, ou pode ficar feliz por estar com as pessoas que o amam e apoiam.

Quando o processo de luto está completo, consegue guardar dentro de si as vivências, as lições e as partilhas ligadas a quem perdeu, sabendo que são suas para sempre. Pode recriar a sua vida, com novos sentidos. No início pode ser difícil perceber tudo isto, mas uma perda é um momento de crise que, depois de ultrapassado,  pode mostrar-lhe a sua força interior. Assim, o luto é promotor de maturidade e crescimento de si mesmo.

O luto normal

O luto normal tem princípio, meio e fim e serve a favor da saúde. Vivê-lo significa reaprender a viver apesar da perda que sofreu, apesar de serem momentos difíceis de enfrentar e superar.

Este é um processo que tem que viver até ao fim, apesar de causar sofrimento, pois caso contrário pode tornar-se patológico. Terá sempre que passar por esse processo, de forma consciente ou não, e terá que vivenciá-lo com maior ou menor dificuldade. É um processo inevitavelmente doloroso, que traz dor e tristeza, em que os sentimentos são muito intensos, sobretudo quando se perde uma pessoa amada e muito próxima. Apesar de difícil, tem que aceitar a dor que sente para não ficar “preso”, sem conseguir avançar na sua vida.

Há sintomas que geralmente aparecem e que fazem parte do processo de luto. Alguns deles tendem a aparecer pouco tempo após a perda e não trazem prejuízos significativos para a vida a longo prazo. Frequentemente pode ter reações emocionais como tristeza, ansiedade, culpa, raiva, e falta de ânimo. Também pode apresentar sintomas físicos, como aperto no peito ou palpitações, falta de ar, fraqueza, boca seca, insónia, falta de apetite, etc.

Num primeiro momento, pode preferir o isolamento, sendo que as reações variam de pessoa para pessoa, assim como a duração do luto ( que pode durar semanas, meses e até anos). É possível não passar por todas as fases típicas do luto (negação, raiva, negociação, depressão e aceitação) ou de destas misturarem-se, não seguindo uma ordem determinada, sendo um processo único, só seu. Contudo, é sempre preciso que enfrente e aceite a situação, para que complete o processo de luto e possa seguir em frente.

O luto patológico

Há pessoas que ficam presas numa fase do processo de luto, sem conseguirem avançar e realizar todas as tarefas típicas desta fase. Para elas o processo normal não é realizado, e desenvolvem uma patologia, o luto patológico, que interfere negativamente nas suas vidas. Esta patologia pode ser crónica (tristeza profunda e culpa prolongadas), retardada (reação emocional típica tardia), excessiva (muito intensa) ou ausente (mascarada em sintomas não associados à perda).

O luto patológico pode assumir diversas formas, desde variantes do luto normal a transtornos psiquiátricos graves, como depressão clínica, hipomania (euforia, atividade excessiva, grande velocidade de pensamento, negação do significado da perda), reações dissociativas (uma parte da pessoa sabe que a perda é real, mas outra parte age como se não tivesse ocorrido), abuso de álcool e drogas, etc. A nível físico também podem surgir doenças que são somatizações da angústia. Esta patologia é grave e requer a ajuda imprescindível de um psicólogo e/ou psiquiatra.

A ajuda de um psicólogo

No processo de luto, a intervenção do psicólogo é efetuada sobretudo através da consulta de psicologia, que lhe proporciona um espaço onde pode expressar a sua dor, reconhecer e entender as suas reações e assim ir aliviando a sua angústia. O psicólogo pode ajuda-lo a descobrir o que está a sentir dentro de si, a maneira particular como vive o luto, apoia-lo na redescoberta do que dá sentido à sua vida, de modo a que consiga reconstruir-se.

O psicólogo intervém através da realização de sessões de aconselhamento ou psicoterapia. O aconselhamento é uma forma preventiva e de suporte que ajuda-o a lidar com o luto, de forma adaptativa e tem como objetivo preservar a sua saúde física e emocional. A psicoterapia lida com o luto disfuncional ou patológico. O seu objetivo é identificar e resolver os seus conflitos de separação, que o impedem de fazer um luto normal, ajudando-o a ultrapassar a fase onde está estagnado, apoiando-o de modo a completar as tarefas do luto que não foram realizadas.

Perante uma perda, tem que viver o luto. Uma angústia compreendida, bem acolhida, não negada, gera a possibilidade de se refazer. Arrastar para sempre a sua dor de perda, ou negá-la, não lhe permite completar o processo de luto e conduz ao luto patológico. Por isso, tem que dar a si próprio tempo e permissão para viver o luto. É importante que recorra à ajuda de um profissional de saúde, psicólogo e/ou psiquiatra, mesmo que viva um luto normal, de modo a que consiga ultrapassar essa situação difícil e dolorosa. Só assim conseguirá seguir em frente e avançar na sua vida.

Silvia Felizardo / Psicóloga Clínica

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