
Quando mal interpretado, o stresse poder ser entendido como um sinal de fraqueza pessoal ou má gestão emocional. Mas o livro Sem Stress, subintitulado "Como a nova ciência das hormonas do stress pode transformar a sua saúde" (edição Nascente), escrito a quatro mãos pelo investigador britânico Richard Mackenzie e pelo jornalista Peter Walker, vem desconstruir essa perceção com base em ciência, casos reais e análise social.
O ponto de partida é claro: grande parte (se não a maioria) do stresse que experienciamos é provocado por fatores que estão fora do nosso controlo direto — desde a instabilidade económica à carga mental do trabalho, passando pela desigualdade social. A mensagem dos autores finca-se nas seguintes palavras: "a culpa não é sua se está stressado".
Ao longo do livro, Mackenzie e Walker explicam de forma acessível o que acontece no corpo quando estamos sob stresse: as flutuações hormonais, os mecanismos metabólicos que se ativam, e como tudo isto está ligado ao aumento de peso, ao risco de desenvolver diabetes tipo 2, à fertilidade, ao sono, à infância e até ao contexto educacional.
Richard Mackenzie é especialista em metabolismo da glicose e resistência à insulina, com mais de 40 artigos científicos publicados sobre o tema. Dirige atualmente a área da saúde metabólica numa clínica de referência em Londres.
Peter Walker, por sua vez, é um rosto conhecido do jornalismo britânico. Correspondente político sénior do The Guardian, tem também um trabalho consistente como comentador sobre saúde pública e mobilidade ativa. É autor de dois livros, incluindo The Miracle Pill, onde denuncia o desaparecimento do movimento físico do quotidiano moderno e as suas consequências para a saúde coletiva.
O livro analisa ainda como fatores externos — como o rendimento, o tipo de emprego ou a educação — não só aumentam o risco de exposição ao stresse como limitam a capacidade de resposta ao mesmo.
Ao abordar o stresse como fenómeno sistémico e não apenas pessoal, Mackenzie e Walker apontam para novas soluçõess: informação, regulação emocional, políticas públicas e mudanças estruturais que permitam reduzir o impacto do stresse crónico nas nossas sociedades.
Do livro, publicamos o excerto abaixo.
Uma breve história do stress*
Como é óbvio, o stress sempre existiu. No entanto, como mostra este capítulo, o fenómeno da maneira como o compreendemos atualmente de forma generalizada é surpreendentemente moderno e, na verdade, tem menos de um século. Na sua forma contemporânea, o stress surgiu mais ou menos em simultâneo com a investigação em laboratório e na cultura ocidental como um todo. Isto não é uma lição de História sem objetivo — se quiser compreender corretamente o stress, tem primeiro de saber o que significa.
Os inícios desta nova era foram relativamente discretos: um laboratório universitário em Montreal, em 1936, onde Hans Selye, de quem falámos brevemente no Capítulo 1, começou a injetar uma série de ratinhos desafortunados com substâncias tóxicas. O stress, e a sociedade no seu todo, nunca mais voltariam a ser iguais.
Selye era um médico e investigador científico austro-húngaro extremamente diligente, que passou a carreira quase toda no Canadá, tendo produzido mais de 1700 artigos académicos e 39 livros. No que respeita ao stress, é simultaneamente uma figura essencial para a sua evolução e algo contraditório. A ideia de Selye de uma «síndrome de adaptação geral» meio que inventou a fisiologia do stress moderno, introduzindo a ideia de que uma série de doenças aparentemente sem ligação não são causadas apenas por stress de longa duração, mas sim, especificamente, pela ativação repetida e crónica do sistema de alarme hormonal do corpo. Ao mesmo tempo, o trabalho de laboratório realizado por Selye para apoiar esta ideia era limitado e, como alguns críticos argumentaram, em última análise não era convincente. Selye passou a maioria da sua vida profissional menos como um descobridor de novos conceitos e mais como um proselitista do conceito que criara, um porta-voz incansável da sua própria era de stress.
E, apesar do seu impacto científico, foi este último papel que foi provavelmente mais importante.
Tal como definido por Selye e pelos seus antecessores, o stress tornou-se um fenómeno cultural omnipresente, tendo começado na América do Norte antes de se alastrar ao resto do mundo. A ideia que se divulgou era fortemente influenciada pelo individualismo, uma noção de que se tratava de um problema com o qual as pessoas deviam lidar sozinhas, algumas saindo-se melhor do que outras, em vez de ser o produto de forças mais latas que podiam ser desafiadas ou mudadas. Como tal, estava fortemente imbuída de culpa no caso daqueles que sentiam que talvez tivessem falhado uma espécie de teste.
A visão de Selye era também uma visão implicitamente machista do stress crónico, contribuindo para estabelecer o estereótipo masculino de um executivo bem pago, sobrecarregado, que se debatia com as suas úlceras gástricas num escritório de vidro, e não de um trabalhador manual que trabalhasse na linha de montagem de uma fábrica, e muito menos de uma mulher que tentasse arranjar tempo para, além do emprego, cuidar dos filhos e fazer as tarefas domésticas.
Isto não deve diminuir a importância da descoberta de Selye nem a sua carreira extraordinária. Enquanto jovem investigador do departamento de Bioquímica da Universidade McGill, em Montreal, Selye foi incumbido de identificar hormonas sexuais femininas, que ainda não haviam sido descobertas, injetando ratinhos com vários extratos recolhidos de ovários de vacas, sendo as reações monitorizadas antes de os ratinhos serem mortos e dissecados.
Independentemente do extrato que utilizava, Selye constatou os mesmos resultados fisiológicos: glândulas suprarrenais aumentadas, danos no sistema linfático — que desempenha um papel importante na resposta imunitária — e úlceras pépticas no estômago e intestino delgado. Intrigado, substituiu as injeções por situações deliberadamente stressantes, como, por exemplo, colocar os ratinhos no telhado gelado do edifício do laboratório no inverno ou obrigá-los a correr durante longos períodos numa passadeira. Uma vez mais, os resultados fisiológicos foram iguais. Isto começava a parecer um padrão.
Selye não era um académico comum. Nascido János Selye, em Viena, passara a infância em Komárom, uma pequena cidade na fronteira entre a Hungria e o que era então a Checoslováquia, antes de ir estudar Medicina e Química Orgânica na Universidade de Praga. Esta educação na confluência de tantas culturas no império austro-húngaro significou que, mesmo em criança, Selye sabia falar quatro línguas. Depois da faculdade de Medicina, Selye começou uma carreira de investigação na Universidade Johns Hopkins, nos EUA, antes de James Collip, o famoso bioquímico que fez parte da equipa canadiana que isolou a insulina no início da década de 1920 — uma das descobertas médicas mais importantes do século — o ter apoiado para ir para a Universidade McGill em 1932.
O tempo que Selye passou em Praga como estudante de Medicina foi essencial para a sua investigação. No seu livro The Stress of Life, um sucesso de vendas, Selye recordou o momento, em 1925, quando ele e os seus colegas médicos estagiários tinham terminado a aprendizagem teórica e observaram uma série de pacientes reais pela primeira vez. «O que mais me impressionou, enquanto principiante… foi o facto de tão poucos sinais e sintomas serem realmente característicos de apenas uma doença; a maior parte das queixas eram, aparentemente, comuns a muitas ou talvez até a todas as doenças», escreveu Selye, dizendo que isso parecia ser uma «síndrome apenas de se estar doente». Selye recordou que, quando explicou esta ideia aos médicos, estes riram-se.
A genialidade de Selye foi ligar esta noção ligeiramente vaga de uma queixa generalizada aos sintomas uniformes dos ratinhos, quer devido às injeções, ao frio ou a serem obrigados a correr até à exaustão, e depois identificar o papel essencial da reação hormonal do corpo quando exposto a fatores externos desestabilizadores, a que deu o nome de stress. Esta utilização moderna da palavra surgiu pela primeira vez num artigo que Selye escreveu em 1935 sobre as experiências com os ratinhos. Um ano mais tarde, explicou cautelosamente a sua teoria mais geral num artigo breve — Selye descreveu-o como «74 linhas numa única coluna» — para a revista britânica Nature. Isto expôs a observação de Selye de que a reação biológica dos ratinhos àquilo a que chamou «agentes nocivos», quer fossem as injeções ou coisas como o frio ou o exercício excessivos, era sempre a mesma: um período inicial de alarme, seguido daquilo a que chamou uma «fase de resistência» e depois, se o fator externo nocivo se mantivesse, seguido de exaustão e, por fim, morte. Selye deu a este processo o nome ligeiramente enigmático de «síndrome de adaptação geral».
Nas suas muitas dezenas de artigos posteriores, esta ideia, a que chamava por vezes — de maneira um pouco autorreferencial — a «síndrome de Selye», foi expandida até se tornar um conceito de stress abrangente da mente e das hormonas, nas quais a ativação repetida ou excessiva devido a fatores externos está ligada a uma série de doenças e enfermidades, não apenas às úlceras observadas nos ratinhos, mas também à tensão arterial alta, à asma e a alguns tipos de cancros. O essencial era a repetição de fatores de stress — a «cronicidade», em termos médicos — aliada à ênfase na libertação de cortisol e de outras hormonas de prolongada duração, e não os curtos picos de adrenalina e de noradrenalina em emergências, como vimos no capítulo inicial. Embora por vezes fosse cientificamente imprecisa, esta era praticamente a mesma noção de stress crónico que temos hoje em dia.
Há outros pormenores fascinantes no trabalho inicial de Selye. Um deles é a teoria sobre o porquê do primeiro conjunto de ratinhos, a quem foram simplesmente dadas injeções, em vez de serem deixados num telhado gelado ou colocados numa passadeira, ter desenvolvido sintomas de stress estereotípicos. Reza a história que Selye, apesar de ser um cientista teórico brilhante, era bastante menos bom no trabalho prático de laboratório. Era particularmente inepto a manusear ratinhos, o que significava que as úlceras destes eram menos um resultado dos extratos hormonais do que da tendência que Selye tinha para os apertar com demasiada força ou para os deixar cair a meio de uma injeção, coisa que depois exigia uma perseguição frenética pelo laboratório.
Outra curiosidade é o presente semântico que Selye deu ao mundo. Embora um poliglota brilhante, Selye escrevia os artigos naquela que era já a sua quinta ou sexta língua e, quando escolheu a palavra «stress» para explicar este fenómeno, não fazia ideia de que esta já era utilizada há muito no âmbito da Física para fazer referência a forças que atuavam sobre o material físico. No seu primeiro artigo para a revista Nature, Selye também utilizou a expressão «reação de alarme», mas ficou preocupado com a possibilidade de este termo descrever demasiado estreitamente apenas a primeira fase da sua síndrome. Um colega académico que trabalhou com Selye anos mais tarde ouviu-o queixar-se de que «se o seu conhecimento da língua inglesa tivesse sido mais preciso, teria ficado na História como o pai do conceito de “estirpe”».
Para sermos justos com Selye, a sua definição não era um salto linguístico demasiado arrojado. A palavra «stress», retirada do verbo de latim stringere, que significa unir firmemente, quando surgiu pela primeira vez na língua inglesa, por volta do século XIV, referia-se normalmente a uma forma de sofrimento físico. Foi evoluindo gradualmente e deixou de indicar um fator externo para descrever um estado interno e, mesmo depois de ser adotada pela Física e pela Engenharia, no século XIX alguns escritores usavam-na para indicar as consequências médicas de sofrimento físico prolongado, o que não estava muito distante da versão de Selye. Seja como for, esta definição ganhou tração — e espalhou-se. No livro The Stress of Life, Selye descreve que estava a dar uma palestra em França e que foi incapaz de se lembrar de uma tradução útil para francês, portanto decidiu falar sobre le stress. Enquanto nome, a palavra ainda existe na língua francesa, a par de der Stress em alemão, el estrés em espanhol, o stresse em português e por aí adiante.
Na altura da descoberta de Selye, na década de 1930, as noções populares de stress, ou de qualquer outro termo alternativo utilizado, eram pouco diferentes dos conceitos psicossomáticos vitorianos como nervos, histeria e vapores. Para exemplificar esta maneira de pensar do século XIX, temos George Miller Beard, um médico norte-americano que se especializou em problemas do sistema nervoso, acabando por chegar a um diagnóstico bastante abrangente a que deu o nome de neurastenia.
A ideia de Beard, apresentada no seu livro de 1881 com o título evocativo American Nervousness, era que o corpo humano tem uma quantidade finita da chamada força nervosa, que, se for esgotada, quer por preocupações ou por fatores externos, provoca enfermidades incluindo fadiga, tensão arterial alta e cefaleias. Beard, que partilhava com Selye uma grande capacidade de promover as suas próprias ideias, apresentou uma lista estonteantemente longa de outros possíveis sintomas de neurastenia, incluindo dores de dentes, a tendência para desviar os olhos ou dizer uma palavra quando se queria dizer outra. Beard também acreditava que a quantidade de força nervosa que as pessoas tinham inicialmente era hereditária e que a neurastenia era sobretudo um problema das pessoas abastadas.
Num precursor do clichê de o stress ser resultado do ritmo intolerável da vida moderna, Beard afirmou que a neurastenia nunca existira antes da sua era e que também era desconhecida em países mais pobres. Argumentou que era provocada por cinco coisas contemporâneas e extremamente específicas: as máquinas a vapor; as comunicações por telégrafo; a ciência; os jornais e as revistas; e a «atividade mental das mulheres». Fatores de agravamento menores incluíam a secura do ar, as liberdades civis e religiosas, e «a beleza fenomenal da rapariga americana de classe mais alta».
Beard chegou mesmo a ser encarado por alguns dos seus contemporâneos como um charlatão e, de certa maneira, as suas teorias eram pouco mais do que uma descrição snobe do tipo de preocupações generalizadas sobre a fadiga e a ansiedade que eram utilizadas para fazer publicidade a uma série de «tónicos para os nervos» e comprimidos patenteados com ingredientes que iam do ferro a substâncias mais alarmantes como a estricnina ou o arsénico. Não obstante, a era de stress de Beard e a nova era que foi introduzida por Selye desenvolveram-se em simultâneo durante vários anos. Ainda tão tarde como na década de 1950, os jornais apresentavam anúncios para produtos como o Phyllosan: «Para fortalecer os seus Nervos e aumentar todas as suas Forças Físicas e Vitais.» A edição de 1968 da lista de doenças mentais da Associação Psiquiátrica Americana ainda indicava a neurastenia, embora fosse incluída em apenas 75 palavras num manual com 136 páginas. No entanto, as coisas começavam a mudar gradualmente. E, como acontece com muitas revoluções sociais deste tipo, a guerra desempenhou o seu papel.
* Em consonância com a forma original adotada no livro citado, optamos por manter a grafia 'stress' no excerto aqui reproduzido.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
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