Chegámos a Ohara pelas nove horas da manhã, depois de uma viagem de uma hora de autocarro. Ohara é uma pequena comunidade rural, a norte de Quioto, onde iríamos ficar até ao dia seguinte, pernoitando num ryokan, uma pousada japonesa típica tradicional. O objetivo da viagem era irmos para um armazém, um estaleiro de artigos de jardinagem onde iria ser testada a nossa capacidade e sapiência para construir jardins japoneses.
A ideia era aprender a construí-los segundo as regras aprendidas nas duas semanas de formação do japanese garden intensive seminar, uma iniciativa promovida pela Universidade de Quioto. Chovia a cântaros. O nosso grupo de 28 alunos provenientes de várias partes do mundo tinha que formar sub-grupos de duas ou de três pessoas para os construir, num espaço à sua escolha, desde que dentro do perímetro da propriedade.
Juntei-me a uma indiana e a uma americana, ambas professoras com doutoramentos em história oriental e, como eu, sem nenhuma experiência prática de construção e conceção de jardins. A minha apreensão era total. O estaleiro dispunha de todos os materiais, possíveis e imaginários, para construir um jardim japonês. Desde pedras de todos os tamanhos, feitios e tonalidades, a areias de várias espessuras, gravilhas, lanternas de pedra, bacias e muitas plantas, tudo estava à nossa disposição e os únicos limites eram a nossa imaginação e a capacidade física para transportar os elementos necessários.
O nosso trio escolheu, como local para o jardim, um telheiro que dava para um precipício com uma vista absolutamente deslumbrante, uma floresta de criptomérias e bambus, com um riacho lá em baixo cuja água se ouvia borbulhar. Apesar da nossa inexperiência, da chuva e do (muito) frio, estavam cerca de 6º C, se bem me recordo, começou, de imediato, a desenhar-se nas nossas cabeças o nosso projeto para um jardim japonês.
O fundo que tínhamos era naturalmente tão bonito, que, de comum acordo, resolvemos fazer o jardim como se fosse um primeiro plano da paisagem natural, com o cuidado de respeitar os princípios e as regras dos jardins japoneses tradicionais. Com algumas hesitações, o jardim começou a ganhar forma. Fomos buscar pedras, vulcânicas porque são mais leves, mas depois, para experimentar outras hipóteses, fomos por outra via.
Acabámos por arranjar um carrinho de mão para transportar as mais pesadas. Descobrimos que escolher uma pedra é muito difícil. Ao olhar amador parecem todas iguais, mas depois de duas semanas a falar sobre a sua importância, transportámos cerca de 25 para escolhermos seis das grandes. Fomos buscar sacos de areia. Fomos buscar sacos de gravilha. Recolhemos musgo fresco. Tínhamos escolhido as nossas pedras bem escuras, a acompanhar o tom da floresta, e juntámos o musgo verde claro à volta delas, como mandam as regras. O musgo japonês é lindo e um dos principais elementos dos jardins.
Existem por lá diferentes espécies de musgo, que pode ir do verde alface ao verde escuro. Fizemos um lago de areia branca, que caía em cascata para o precipício ao encontro do riacho natural que corria lá em baixo. Cortámos bambus com um instrumento, extraordinário, de inspiração medieval, que se assemelhava a um serra e colocá-mo-los do lado direito. O jardim passou a conter os mesmos elementos que se avistavam no fundo.
Como os bambus que utilizámos eram altos, surgiu-nos a ideia de darmos movimento ao jardim da direita para a esquerda. Colocámos os bambus e uma pedra vertical do lado direito e fomos baixando a linha do horizonte até ao extremo do lado esquerdo do jardim. Demorámos cerca de quatro horas, que era o limite de tempo dado pelo júri composto por três japoneses e um holandês, coordenador do curso, a fazê-lo.
No final, analisados, apreciados e comentados todos os jardins, o nosso passou com distinção. Okamoto Kozo, dono do estaleiro e membro do júri, para nossa surpresa, disse-nos que o jardim estava tão bonito que não precisávamos de o desmanchar. Os restantes 25 elementos do grupo tiveram que desmontar os seus jardins e arrumar todos os materiais utilizados no local de onde tinham sido retirados... Nós, não. Ganhámos o dia!
Texto: Vera Nobre da Costa
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