Na verdade, muito se tem discutido acerca da natureza e eventual significado patológico destas “alterações” ao longo do desenvolvimento de crianças e adolescentes e de como as abordar do ponto de vista clínico e terapêutico.
Nas consultas de pedopsiquiatria encontramos por vezes crianças que revelam:
- identificação com o sexo oposto, que se expressa no desejo ou mesmo na convicção de ser de outro género sexual
- essa manifestação corresponde a um sentimento genuíno, geralmente associado a desconforto e sensação de inadequação, de não se estar bem “na própria pele”
- forte preferência por vestuário tipicamente usado pelo sexo oposto e rejeição pelo do mesmo sexo
- brincadeiras ou jogos de fantasia em que assumem o papel do sexo oposto
- preferência por brinquedos e atividades tipicamente do género oposto, bem como hábitos que habitualmente são estereótipos do sexo masculino ou feminino
- uma grande afinidade pelos pares do sexo oposto: os meninos têm geralmente muitas amigas e as meninas estabelecem mais facilmente relações com os rapazes
- por vezes há uma rejeição manifesta relativamente aos próprios órgãos sexuais e um forte desejo de possuir caracteres sexuais secundários tipicamente do outro sexo
O que é a Disforia de Género?
O termo Disforia de Género designa o que anteriormente (na anterior edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Perturbações Mentais) se denominava Perturbação de Identidade de Género. Na mais recente edição deste manual deixou de se considerar uma “perturbação” e passou a ser referido como “disforia” ou seja, ansiedade, angústia ou mal-estar.
O diagnóstico Disforia de Género refere-se a uma evidente "incongruência entre o género que é experimentado ou expresso por um indivíduo e aquele que lhe é atribuído" (DSM-V).
Rapazes e raparigas exibem um conjunto de comportamentos que assinalam uma forte identificação com o sexo oposto e vivenciam-no geralmente com mal-estar ou angústia – esta é uma das condições para que se considere este diagnóstico.
A maior parte das manifestações que caracterizam a Disforia de Género tem início em idade pré-escolar, entre os 2 e os 4 anos, sendo os rapazes mais frequentemente referenciados às consultas do que as raparigas. Isto pode traduzir uma maior intolerância social (pares, pais e professores) face aos comportamentos efeminados dos rapazes do que em relação às meninas que exibem comportamentos masculinos.
A gravidade da situação depende das consequências desse desconforto no bem-estar emocional e afetivo da criança. Pode haver alterações em todas as dimensões da vida, familiar, académica e social, com manifestações de vária ordem ou patologias concomitantes como ansiedade e depressão. Recomenda-se o acompanhamento em consulta de Psicologia ou Pedopsiquiatria para a avaliação e tratamento dessas alterações ou sintomas – tristeza, ansiedade, sentimentos de rejeição, alterações de aprendizagem, comportamentos auto-lesivos, entre outros.
Apoio a crianças e pais
O apoio terapêutico não deve ser prestado só à criança ou jovem, mas também aos pais, uma vez que estes mostram quase sempre dificuldade em compreender, aceitar e lidar com estes comportamentos e respetivo sofrimento dos filhos. É de vital importância a forma como a família gere o relacionamento com a criança, pois são as atitudes de rejeição e incompreensão que mais frequentemente induzem uma evolução patológica destas situações.
A evolução destes quadros é muito variável, havendo crianças que espontaneamente revertem a situação e passam a aceitar o seu género sexual, prosseguindo o seu desenvolvimento sem outras alterações.
Por Áurea de Ataíde, Médica Pedopsiquiatra no Hospital dos Lusíadas
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